Discurso de André Ventura

no encerramento do IV Congresso do Chega

O nosso partido não é só Lisboa, é um partido enraizado em todo o território nacional, com força, implantação, com estruturas, políticas e democráticas fortes.”

André Ventura arrancou o discurso de encerramento do IV Congresso do Chega a fazer um retrato do partido no pós-eleições autárquicas, uma forma de demonstrar a importância daquele a que chamou o “dia da implantação” e como esse momento serviu de ponto de viragem para “enraizar” o partido pelo território nacional.

Levo todos comigo, tenham votado em mim ou não, sou a partir de hoje o vosso representante. Mesmo os que apelaram ao voto no meu opositor. (…) Se ontem critiquei o meu opositor por não estar presente — no dia em que me virem derrotado aqui estarei — é porque acho que a democracia é saber ganhar e perder. Custava-me perder a presidência do partido nesta altura? Custava. Mas se tivesse sido a decisão do partido, esse seria o meu candidato.

Pela primeira vez na história do partido, André Ventura teve um adversário numa eleição interna. Carlos Natal conseguiu 5,22% nas eleições, mas não marcou presença no Congresso e o presidente do Chega fez questão de o dizer perante todos. A mensagem foi principalmente para os opositores que marcaram presença na reunião magna. Por um lado, Ventura diferenciou-se ao dizer que não fugiria se perdesse umas eleições e por outro lado apelou à união ao dizer é o “representante” de todos.

Muitos eleitos não são do agrado de todos, eu próprio não sou. Mas agora temos quatro anos de luta em que o Chega tem de estar acima dos nossos egos e daquilo que achamos melhor. Há um nome acima de tudo. Os próximos quatro anos devem ser da marca Chega. Ninguém pede seguidismo, nem que sejamos cegos, peço-vos um apoio institucional para darmos uma imagem de credibilidade e solidez”

Contra a ideia de que só a linha de André Ventura é aceite dentro do partido, o líder do Chega recusa querer impor um “seguidismo” e foca-se na “marca Chega”. O objetivo é chegar aos portugueses com “credibilidade e solidez”. Este tem sido um entrave no partido, tendo em conta que as quezílias internas têm transmitido uma imagem de desorganização interna e André Ventura está preocupado com essa visão e quer corrigi-la. Para isso, não quer “cegos”, mas pediu o apoio de todos.

No dia em que nos aburguesarmos ou pensarmos mais em lugares, teremos perdido grande parte do nosso interesse e dinâmica. Dizem que somos um partido de rutura e somos. E nunca podíamos deixar de ser. Senão, em vez de estarmos aqui no Congresso Chega, estaríamos daqui a 15 dias no Congresso do PSD ou teríamos estado em agosto no Congresso do PS ou no não existente do CDS”

A insistência de que o Chega é o único partido em Portugal contra o sistema e o único capaz de se diferenciar de PSD e PS foi uma ideia presente ao longo de todo o Congresso e Ventura fez questão de a trazer para o discurso final. A palavra “rutura” foi repetida vezes sem conta, mas neste caso Ventura aproveita mesmo para fazer uma comparação direta com PS e PSD, ao dizer que os congressistas do Chega estão ali por convicção e não por exclusão de partes.

Hoje recebi uma chamada do Presidente da República que me felicitou pela reeleição e a quem garanti que seríamos o mesmo partido de sempre, institucionalmente leal, mas assertivo e forte na oposição”

André Ventura usou o telefonema de Marcelo Rebelo de Sousa para demonstrar ao partido que o Chega está a ser normalizado. No início do Congresso, o presidente do partido dizia que já “ninguém se ia rir” do Chega, que os outros iriam “tremer” e é exatamente essa a mensagem que Ventura quer transmitir: o partido cresceu, mas não abdica do ADN. Por outras palavras: Ventura acredita tanto que o Chega não se deve moderar que até o transmitiu a Marcelo.

Não há ninguém nesta sala que acredite que o PSD é um partido de direita, suspeito até que no PSD não há ninguém que acredite que o PSD é de direita. Aliás, o líder eleito ontem disse na conferência dos partidos de direita que não era um partido de direita

André Ventura está disposto a mostrar das mais diversas formas que o Chega é a opção que Portugal tem para a direita e para isso tem usado o PSD, Rui Rio e a forma como o líder social-democrata não só não fecha as portas um bloco central, como se afasta da direita. E foi exatamente essa a estratégia do líder do Chega com esta frase, em que usou palavras de Rio contra Rio e a favor dele próprio.

Lá fora a pressão será enorme para dizer ‘por favor, deem a mão ao PSD para evitar, segundo dizem, António Costa e o PS’. (…) Nós nunca fomos de nos ajoelharmos, de nos vergarmos. Não estamos à venda. Por muito que a pressão aumente e que digam que somos a causa da instabilidade, quando nascemos e crescemos contra tudo, prometemos uns aos outros, como num juramento de sangue, que nunca seríamos a muleta do sistema

O líder do Chega garantiu, como tem vindo a fazer há algumas semanas, que mais depressa deixa cair um governo social-democrata do que é “muleta” de Rio ou do sistema. Ao usar o exemplo dos Açores, deixou a certeza de que “não se verga” a ninguém para salvar quem quer que seja. Aliás, o líder do Chega preparou mesmo os apoiantes para a pressão que podem sofrer nas eleições, mas apelou ao sentimento com as promessas e o “juramento de sangue” feitos no partido.

Temos de lutar para ser a maior força política em Portugal. (…) O Chega ainda está longe, mas há dois anos alguém acreditaria que estaríamos aqui, que seria possível um partido ter crescido tanto com tanto boicote e armadilha? Nem eu diria. Se chegámos aqui, por que é que não podemos vencer o PSD?

O primeiro discurso estabeleceu a meta para as eleições antecipadas: 15% e terceira força política. Mas a ambição do Chega é melhor e André Ventura vai usando os discursos para traçar a meta a longo prazo. Durante a declaração em Viseu pediu que se lute para chegar à maior força política de Portugal. Ventura sabe que não o conseguirá agora, nem o diz, mas deixa sempre o mote para o futuro. E compara-se até com o PSD, para dizer que ninguém esperava um crescimento como aconteceu e que é possível ser o maior partido da direita.

José Sócrates continua a passear na Ericeira. (…) Queria deixar um conselho a José Sócrates e Ricardo Salgado: as eleições são a 30 de janeiro, o Rendeiro já foi, têm dois meses para se pôr a andar”

Apesar de não ter usado o discurso para fazer propostas políticas para as eleições antecipadas, André Ventura levantou algumas das bandeiras do partido, nomeadamente devido a casos de Justiça e corrupção. Sócrates, Rendeiro e Salgado foram os alvos no discurso em que o líder do Chega deu a entender que era melhor “fugirem” antes das próximas eleições legislativas, já que, ameaçou, caso consiga um bom resultado, não vai esquecer os casos.

Vou arriscar dizer uma coisa que Trump disse um dia, mesmo sabendo que isso vai ser muito mal entendido. É melhor não dizer, não é? Trump disse um dia que podia dar tiros a alguém na Quinta Avenida e que mesmo assim não ia perder em número de votos. Não vou dar tiros a ninguém, alguma vontade já tive, mas podem dizer o que quiserem mas o povo português está tão farto e tão crente neste poder que nasceu no Chega que tudo o que acontecer até 30 de janeiro, mesmo que nos calem a voz, nada vai impedir que seremos a terceira maior força política.

André Ventura já por diversas vezes foi comparado com Donald Trump mas neste discurso foi o próprio a trazer uma frase do ex-Presidente dos EUA para justificar a impossibilidade de travar o partido que lidera. Aliás, ainda disse que não o devia dizer, mas Ventura queria dizê-lo para demonstrar que está crente de que, faça o que fizer (até andar aos tiros como Trump sugeriu), o Chega terminará a noite eleitoral em terceiro.

“Neste novo quadro, em que provavelmente só vamos ter metade do BE no Parlamento… metade se calhar é muito, mas espero que a Mariana Mortágua esteja lá para explicar algumas coisas… onde vamos ter um quarto do PCP e onde não vamos ter a Joacine… mas mesmo neste quadro parlamentar mais digno a luta vai continuar.!

André Ventura já fala com a certeza de que o Chega vai ter um grupo parlamentar em janeiro, mas, mais do que isso, traçou um cenário com menos esquerda na Assembleia da República, que realçou ser “mais digno” e admitiu estar feliz pela saída de Ferro Rodrigues ou por deixar de ouvir a”voz irritante da Edite Estrela”. No meio, disse ainda o nome de Joacine Katar Moreira, com quem teve vários confrontos ao longo dos dois últimos anos, e terminou com muitos aplausos. O deputado único do Chega continua a justificar que não foi bem tratado quando chegou ao Parlamento e mostra-se crente de que isso vai mudar quando (e se) o número de representantes aumentar.

Eu não gosto de me comparar, a história fará o seu julgamento, mas acho que Sá Carneiro estaria orgulhoso do trabalho que fizemos neste partido. Sá Carneiro nunca se vendeu ao PS, ao socialismo e à extrema-esquerda e provavelmente pagou isso com a vida. Se os outros querem deixar de fora a memória de Francisco Sá Carneiro e se não se importam que a sua morte fique ocultada entre um pseudo-acidente em quem ninguém acredita, no Chega não descansarei enquanto não responsabilizar quem assassinou Francisco Sá Carneiro

Sem se comparar, André Ventura comparou-se com Sá Carneiro e disse perante as centenas de pessoas que estavam na sala da Expocenter, em Viseu, que o fundador do PSD deveria estar “orgulhoso” com a existência e o trabalho do Chega nos últimos anos. Mas Ventura foi mais longe, sugeriu a tese de assassinato e prometeu averiguar o que aconteceu no dia 4 de dezembro de 1980, sendo que já existiram várias investigações e dez comissões parlamentares de inquérito. Apesar da promessa, o líder do Chega disse ainda que “provavelmente pagou com a vida” o facto de nunca se ter “vendido ao PS e ao socialismo”.

“Eleitores que são do PSD, do CDS, de partidos que morreram há uns meses e que não acreditam no PSD de Rio que se rendeu ao PS, não estão órfãos

André Ventura mostrou estar muito importado com os eleitores que não se reveem nos atuais PSD e CDS, mas como já tinha feito no segundo dia de Congresso, abre as portas aos descontentes e assegura que estes eleitores “não estão orfão” e têm no Chega uma alternativa.

Somos o partido de Deus, pátria, família e podemos acrescentar trabalho porque acreditamos que é aos portugueses que durante décadas se entregaram a Portugal, que contribuíram com os seus impostos e ainda hoje se matam a trabalhar.”

Foi quase no fim do discurso, mas esta declaração de Ventura marca o Congresso pela reedição de uma frase do Estado Novo. André Ventura pegou no lema de Salazar e adaptou-o, juntando a palavra “trabalho”. Contra os que “usam o lápis azul”, o líder do Chega recusou dar uma carga negativa ao lema , recordando a relação que tem com Deus, a base familiar em que assentam os pressupostos do Chega e que nenhum outro partido amava tanto Portugal como o Chega (para justificar a “pátria”). Por outras palavras: os conceitos do lema de Salazar assentam no que defende o Chega e o seu líder não só não tem problemas com essa associação, como a fomentou de forma intencional.