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Eduardo Gageiro

Eduardo Gageiro

Os episódios mais divertidos da vida do humorista genial que teve uma infância triste. Raúl Sonaldo morreu há 10 anos

Cresceu na Lisboa bairrista e foi estrela do palco, da rádio e da TV. Da política à maçonaria, fazia rir mas era melancólico. 10 anos depois da morte, estará o mestre do humor a ficar esquecido?

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[a foto de abertura deste artigo foi gentilmente cedida por Eduardo Gageiro]

Ainda agora, todos os meses, um grupo de sete pessoas escolhe um restaurante de Lisboa, muitas vezes em Campo de Ourique, e junta-se para celebrar a amizade com Raul Solnado. Deixam um lugar vago, servem um copo ao amigo ausente e até se metem com ele, como quem não quer a coisa. “É uma comemoração, uma prova de estima que perdura, o reconhecimento do que foi uma amizade”, descreve Mário Zambujal, que quase nunca falha os encontros. “Ele tinha muito mais amigos, claro, mas pelo menos estes sete, que se conheciam de perto, decidiram juntar-se. Não íamos esquecer o Raul só porque ele já cá não estava.” Deixou de estar há uma década, dia 8 de agosto de 2009, a poucos meses de completar 80 anos.

Foi primeira figura do teatro português durante e depois da ditadura, no Monumental ou no Parque Mayer, ator de variedades e comediante de fama portuguesa e brasileira, intérprete de monólogos eternos, como “A História da Minha Ida à Guerra de 1908”. Mais tarde, na televisão, fez-se apresentador e entertainer, sempre em papéis que trabalhava para parecerem fáceis. “Tinha amigos de toda a espécie, era um tipo sempre alegre”, resume Zambujal. “De vez em quando, caía em fases de descrença e desânimo, como toda a gente, mas o que fica na memória é ele ter conquistado muitos admiradores, no sentido em que as pessoas apreciavam realmente o dom especial que ele tinha.”

Foi outro companheiro do jornalismo, Baptista Bastos, quem fez as apresentações, nos idos de 70. “Convivemos e acompanhámo-nos muito em jornadas mais ou menos recreativas, sobretudo à noite, e ainda escrevi algumas coisas para o Raul”, acrescenta o autor da Crónica dos Bons Malandros. Escreveu-lhe, por exemplo, duas séries para a RTP: “Gente Fina é Outra Coisa”, de 1981 (em co-autoria com Nicolau Breyner e César de Oliveira, onde brilhavam Amélia Rey Colaço e Ivone Silva), e “Lá em Casa Tudo Bem”, de 1987 (também assinada por Nuno Teixeira e pelo próprio Solnado).“Foi assim, com relações de trabalho, que ampliámos uma amizade que tinha vindo de momentos, encontros, almoços, saídas”, explica o escritor e jornalista, de 83 anos.

Nesses momentos fora de palco, Solnado “mostrava-se fiel à ideia de que a vida é um tempo lúdico, sejam quais forem as preocupações e os problemas pessoais.” Era “admirável a contar histórias risonhas e às vezes de gargalhadas”, remata Zambujal.

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Retrato de Raul Solnado em Lisboa, na Feira Popular, a 1 de setembro de 1988. (Fotografia: Arquivo Tal&Qual/Global Notícias)

Arquivo T&Q

De facto, vista de fora e contada tantas vezes em entrevistas – desde logo no documentário “O Estado da Graça”, que Luís Filipe Costa realizou para a RTP em 2001, e foi retransmitido pela RTP Memória nesta quinta-feira, dia 8 –, a vida de Solnado terá sido um rosário de incidentes avulsos e caricatos, como rábulas de um programa de humor. Ele puxava o ridículo das coisas, fazia-se protagonista ingénuo de qualquer situação, com resposta na ponta da língua, à maneira do ator de revista que debita apartes a meio das cenas. Só que as cenas eram reais. O eterno miúdo queria, por muitos motivos, rir-se de si mesmo.

Um episódio dos primórdios, assim descrito na biografia Raul Solnado – A Vida Não se Perdeu, de Leonor Xavier: “Também aos 11 anos já sentia um grande fascínio pelas meninas do bairro. Um dia, tomado no alvoroço dos sentimentos pela sua cortejada de 10 anos, pediu namoro à filha de um bom galego da vizinhança. ‘Olha lá, tu não vês que a minha filha ainda é uma criança?’, perguntou-lhe a mãe da menina, quando soube da história. ‘Então, eu também não sou nenhum homem!’, respondeu de imediato, recebendo com um sorriso disfarçado a ameaça de um puxão de orelhas.”

A capa de “A vida nao se perdeu”, a biografia de Raul Solnado escrita por Leonor Xavier (Oficina do Livro)

Outro episódio, agora adolescência, quando por volta dos 17 subiu ao palco do salão dos Bombeiros Voluntários de Fanhões, nos arredores de Lisboa: “Entrei, disse o que tinha a dizer e saí. Ninguém entendeu nada do que eu disse. Fazia um papel de cinco minutos, mas gaguejei tanto que levei meia hora a desempenhá-lo. É verdade que nesse dia não fui grande coisa como ator, mas fui ótimo como gago.”

"Aos 11 anos já sentia um grande fascínio pelas meninas do bairro. Um dia, tomado no alvoroço dos sentimentos pela sua cortejada de 10 anos, pediu namoro à filha de um bom galego da vizinhança. ‘Olha lá, tu não vês que a minha filha ainda é uma criança?’, perguntou-lhe a mãe da menina, quando soube da história. ‘Então, eu também não sou nenhum homem!’, respondeu de imediato

Órfão de mãe à procura de palco

Raul Augusto Almeida Solnado nasceu em Lisboa em 19 de outubro de 1929, ano de crise. Faltavam dez dias para o “crash” da Bolsa de Nova Iorque, que daria origem à Grande Depressão. Foi quando Salazar, no cargo de ministro das Finanças, utilizou pela primeira vez a célebre frase “nada contra a nação, tudo pela nação”.

Veio ao mundo num dos bairros populares de Lisboa, no tempo em que a identidade dos lisboetas passava sobretudo pelo bairro em que nasciam. Raul era da Madragoa, chamavam-lhe o “Ralas”, criado com José Viana, Varela Silva e Jacinto Ramos, que se farão nomes sonantes do teatro português. Mais tarde, será o “Lisbias”, na alcunha que lhe pôs o escritor José Cardoso Pires, talvez vendo nele o típico manguelas alfacinha, o que poderia não andar longe da verdade.

Na capital, cresceu a ver filmes de cowboys no Salão Ideal da Rua do Loreto, a ir aos bailes de Carnaval no Coliseu, a ouvir teatro radiofónico na Emissora Nacional, a assistir a inúmeras peças ao colo do pai, que era bombeiro voluntário e tinha direito a entrar de graça nos teatros.

Bernardino da Silva Solnado, o pai, tinha nascido em Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, e Maria Virgínia de Almeida, a mãe, era de Maceira, Fornos de Algodres, perto da Serra da Estrela. Morreu poucas semanas depois de o miúdo nascer. “Não a ter conhecido é a maior tristeza da minha vida”, disse Solnado, que chegou a receber batismo em Maceira e aí passou os primeiros tempos.

Na capital, cresceu a ver filmes de cowboys no Salão Ideal da Rua do Loreto, a ir aos bailes de Carnaval no Coliseu, a ouvir teatro radiofónico na Emissora Nacional, a assistir a inúmeras peças ao colo do pai, que era bombeiro voluntário e tinha direito a entrar de graça nos teatros. É o fio dos acontecimentos tal como aparece no livro de Leonor Xavier, um original de 1991, com versão atualizada no ano da morte do artista.

Estudou pouco, começou a trabalhar cedo. Primeiro, na Vassouraria da Esperança, a loja de Bernardino, na Avenida D. Carlos I. Depois à secretária, na Rua da Boavista, no escritório de uns sócios do pai. Um suplício que parecia não terminar. “Até aos 20 anos fui obrigado a seguir uma vida de que não gostava, esses fantasmas acompanharam a minha juventude.”

[anúncio da cerveja Sagres protagonizado por Raul Solnado, gravado entre 1966 e 1969, restaurado pela Cinemateca Portuguesa:]

Estudou pouco, começou a trabalhar cedo. Primeiro, na Vassouraria da Esperança, a loja de Bernardino, na Avenida D. Carlos I. Depois à secretária, na Rua da Boavista, no escritório de uns sócios do pai. Um suplício que parecia não terminar. “Até aos 20 anos fui obrigado a seguir uma vida de que não gostava, esses fantasmas acompanharam a minha juventude.”

Agora em conversa com o Observador, Leonor Xavier não hesita afirmar que Solnado “teve uma vida pessoal infeliz, sofreu muito, e por isso havia muita verdade quando fazia aquele ar cómico de abandonado”. A morte da mãe e a algumas relações amorosas complicadas, sobretudo na década de 60, pesavam na personagem que se fez ligeira aos olhos do público. O teatro e o humor podem ter sido a porta de saída.

Pela mão de José Viana, um pouco mais velho, um pouco padrinho, participou em dezembro de 1952 no espetáculo “Sol da Meia-Noite”, no cabaret Maxime, na Praça da Alegria, lugar de sonhos eróticos para os rapazes de então. Foi a estreia profissional, a ganhar cachet – 50 escudos por noite. No mesmo ano, passou pelo Conservatório Nacional, mas por algum motivo sentiu-se desagradado e uma aula bastou para se ir embora. O que aprendia devia-se apenas aos ensaios e amigos da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, perto da Madragoa, grupo de amadores com lugar na história no teatro português pelos muitos nomes que seguiram para palcos principais.

Retrato a Raul Solnado na Ponte 25 de Abril em 1966. (Fotografia gentilmente cedida por Eduardo Gageiro)

Eduardo Gageiro

Entusiasmado com o êxito que o Maxime lhe deu, chegou a casa e comunicou ao pai que acabava ali a vida de escritório. Queria ser ator. Na curva já se posicionava Vasco Morgado, o principal empresário do teatro comercial de Lisboa, que o convidou para se estrear no Monumental. Em fevereiro de 1953 estava na revista carnavalesca “Canta, Lisboa!”, de Aníbal Nazaré, com Laura Alves no auge da carreira. Vasco Santana, Nascimento Fernandes, Hermínia Silva e Santos Carvalho serão os seus modelos na comédia, lê-se na biografia de Leonor Xavier.

Passou depois passou pelo Teatro Apolo e pelo Teatro Avenida, voltou ao Monumental, pisou o palco do Variedades e do Capitólio. Passou a explorar este último em 1960, ao lado de Carlos Coelho, Humberto Madeira e Vasco Morgado. Na Emissora Nacional começou a interpretar diálogos. “A vida vai evoluindo sem espaços de ócio, cheia de ofertas a experimentar. Os repórteres começam a procurar-lhe a personalidade real, fazem-lhe mil perguntas de curta resposta bem-humorada”, escreve a biógrafa. “O Chiado é ponto de passeio e de paragem em fim de tarde, lá se contam as histórias e se combinamos encontros, nem sempre se fala em alta voz, porque são muitos e censurados os assuntos das mesas de café”, narra o livro.

A Guerra de 1908

Quando surgiu a RTP, em 1957, esteve logo nas primeiras emissões. E quando o cinema o descobriu, entrou em “Sangue Toureiro”, de Augusto Fraga, ao lado de Amália Rodrigues e da jovem Fernanda Borsatti. No grande ecrã, aliás, protagonizou também, nesses primeiros tempos, “As Pupilas do Senhor Reitor”, de Perdigão Queiroga, e “Dom Roberto”, de José Ernesto de Sousa, obra marcante do Novo Cinema português, distinguida no festival de Cannes com uma menção especial do júri. Era o início dos anos 60 e tinha rebentado a Guerra do Ultramar.

[“A História da Minha Ida à Guerra de 1908”]

“Foi uma época com dificuldade de expressão, do ponto de vista da liberdade e da criação”, resumiu Adriano Moreira no documentário de Luís Filipe Costa. “É uma época em que, na escrita, se desenvolve o talento das entrelinhas e, no teatro, especialmente na arte da revista, se desenvolve a mensagem como que subliminar, que a população completamente entendia. Ele certamente era um dos mestres da capacidade de transmitir a mensagem”, acrescentou o então Ministro do Ultramar.

É precisamente de 1961 o monólogo “A História da Minha Ida à Guerra de 1908”, surgido como quadro da revista “Bate o Pé”, de Fernando Santos e Nélson de Barros, no Teatro Maria Vitória, momento em que Solnado descobre o “humorismo nonsense, o efeito hilariante do absurdo”, lê-se na biografia. Um êxito de multidões, com base num texto do espanhol Miguel Gila, que o artista tinha ouvido num disco e que decidira adaptar, até contra a vontade dos autores do espetáculo.

Ainda na década de 60, conseguiu criar uma nova sala de teatro em Lisboa, o Villaret, na Avenida Fontes Pereira de Mello, com fundos em grande parte cedidos pelas elites do Porto, com quem mantinha boas relações. Será esse o palco para o célebre “Zip-Zip”, primeiro talk show da TV portuguesa, com Fialho Gouveia, Carlos Cruz e Solnado nos ecrãs da RTP por fulgurantes sete meses em 1969. “Será ator dos grandes momentos de sucesso no Zip-Zip pelas personagens que vai inventando em rábulas de olhar jeitos, modas e manias”, diz a biografia.

Em 1977, apresentou o concurso “A Visita da Cornélia”, outro caso de sucesso, e em 1981, novamente ao lado de Fialho Gouveia e Carlos Cruz, fez o talk show “E o Resto são Cantigas”.

[Raul Solnado no “Zip-Zip”, em 1969]

Nesses anos, também alcançou êxito no Brasil, “revezando-se entre Rio de Janeiro e Lisboa por 13 anos”, escreveu o jornal “O Globo” no obituário em 2009. Tinha lá estado no fim da década de 50 pela primeira vez, embora essa estreia não tivesse ficado na história. “Era uma revista brasileira, com atores brasileiros, eu era o único português. As coisas não correram bem para ninguém, foi um ‘flop’ absoluto. Tive que me vir embora a ganir”, contou numa entrevista ao Público

Acrescentava o jornal brasileiro no ano da morte de Solnado: “Estrelou os programas ‘Raul Show… naldo’, na TV Rio, e ‘Sete no Sete’, na Record. Em 1973, o participou, em uma esquete ao lado de Chico Anysio, de um momento histórico da televisão brasileira: a estreia do programa dominical ‘Fantástico’. O ator foi casado com a brasileira Joselita Alvarenga, com quem teve dois de seus três filhos.” É nessas idas e vindas brasileiras que um dia deixa a célebre frase: “Tenho uma grande afinidade com os brasileiros, porque o meu pai também era português.”

O ator foi casado com a brasileira Joselita Alvarenga, com quem teve dois de seus três filhos.” É nessas idas e vindas brasileiras que um dia deixa a célebre frase: “Tenho uma grande afinidade com os brasileiros, porque o meu pai também era português.”

 [“O Canalizador Tímido”, de Nelson de Barros, Fernando Santos e Carlos Lopes]

Política e maçonaria

Exatamente como alguns comediantes que hoje entretêm Portugal, Solnado esteve em todas, sem mãos para as encomendas: crónicas na imprensa, programas no Rádio Clube Português e na Emissora Nacional, intermináveis digressões pelo país. “O que detestava, quando tinha uma popularidade exacerbada, era quando as pessoas me puxavam e me rasgavam. Queriam que eu fosse engraçado, de serviço sempre, agora não. Agora é uma maravilha, as pessoas sorriem, tratam-me muito bem e não me importo nada de andar no meio da multidão”, comentou ao 73. “Ele tinha vaidade, alimentava um lado de vedeta, dava os autógrafos a toda a gente, com naturalidade e simplicidade”, observa Leonor Xavier. “Era muito cuidadoso com a imagem. Não tinha uma nódoa na gravata, um sapato mal engraxado. Mas também sabia que o público é cruel e vira as costas quando o artista não faz sucesso. Tinha a perfeita noção de que a popularidade é fugaz.”

Depois do 25 de Abril, fez uma aproximação ao Partido Socialista: a seguir, ao PRD, que o ex-presidente da República Ramalho Eanes fundou em 1985. Mas preferia não identificar muitos com ideologias. “Pretendia ser de esquerda”, classifica Leonor Xavier. “Tenho impressão de que as suas preferências eram mais pessoais, admirava este ou aquele político”, conta Mário Zambujal. “Jantámos e almoçámos tantas vezes que se ele tivesse os pés enterrados num partido qualquer teria falado nisso. Como cidadão, não era uma pessoa indiferente ao que se passava no país, mas nunca me dei conta de uma participação político-partidária.” Mais certo foi o fascínio pela maçonaria, tanto que, há dez anos, o grão-mestre do Grande Oriente Lusitano comentou a morte do artista, em declarações aos jornais, informando que Solnado “há muito tempo não partilhava os valores” daquela organização.

De relance, foi um artista inventivo e rigoroso, “um tipo encantador”, como diz Herman José, considerado um dos seus herdeiros na comédia. E foi também um homem solitário. “Muito solitário”, comenta Leonor Xavier. “Tinha um feitio difícil, eu também tenho, certamente, e de vez em quando ficava amuado, agarrava-se à melancolia."

“Chegou lá um dia e encontrou uma lista com uns nomes, incluindo um nome cuja entrada estaria barrada”, lembra Leonor Xavier. “Zangou-se com isso e nunca mais lá pôs os pés. Até então, sei que ia ás segundas-feiras às reuniões da maçonaria e até me contou como foi a cerimónia da sua iniciação. O Raul era muito assim: quando se chateava, cortava com a pessoa por completo. Mas penso que essa passagem se deveu mais a convite de conhecidos do que de amigos.”

Leonor Xavier, depois de passar mais de uma década a viver no Brasil, regressou a Lisboa no fim da década de 80 e foi então que se aproximou de Solnado. Tiveram por vários anos uma relação especial, que culminou em amizade até ao último dia de vida dele. A jornalista e escritora diz agora que esse Solnado a entrar na sexta década de vida “tinha uma grande sensibilidade e podia facilmente comover-se até às lagrimas”. Não chegaram a viver juntos, salvo por escasso tempo ou em curtas temporadas, ora numa casa dele na Aroeira, ora numa casa dela perto do Cartaxo.

“Chegou lá um dia e encontrou uma lista com uns nomes, incluindo um nome cuja entrada estaria barrada”, lembra Leonor Xavier. “Zangou-se com isso e nunca mais lá pôs os pés. Até então, sei que ia ás segundas-feiras às reuniões da maçonaria e até me contou como foi a cerimónia da sua iniciação. O Raul era muito assim: quando se chateava, cortava com a pessoa por completo. Mas penso que essa passagem se deveu mais a convite de conhecidos do que de amigos.”

“Ficava muito entretido a escrever frases e textos que ia dizer, gostava de ler, sobretudo jornais, e na parte da manhã era uma pessoa melancólica, silenciosa, não era nada animado até a vida real começar. Era um trabalhador. Nada nele era de improviso. Estudava, preparava-se. A grande arte era ser tomado como ator fácil, de improviso. Sabia muito bem que pausa deveria fazer para conquistar uma gargalhada.”

O envolvimento na criação da Casa do Artista, um lar fundado em 1999 em Lisboa, com os amigos Armando Cortez e Manuela Maria, fará prova de uma outra faceta, a de homem solidário e implicado. Inclusivamente era assim na profissão. “Várias vezes o ouvi a passar os seus conhecimentos aos outros. Aceitou ser o primeiro entrevistado do programa ‘Na Cama Com…’, que a Alexandra Lencastre teve na SIC, porque sabia que ela precisava de se sentir segura com um nome como o dele, e ajudou a Inês Pedrosa num programa de TV, explicando-lhe como olhar para a câmara, o que fazer com as mãos. Nunca teve ciúmes dos colegas”, assinala Leonor Xavier.

Era muito sensível às contrariedades exteriores e se se chateava com algum familiar, transferia isso para a relação com o resto do mundo”, aponta Leonor Xavier. (Tiago Petinga/LUSA)

Tiago Petinga/LUSA

Foi presença regular na televisão ao longo da década de 90 e nos anos 2000, em telenovelas como “A Banqueira do Povo”, ao lado de Eunice Muñoz, ou em séries como “Morangos com Açúcar”, na TVI. Ou, ainda, último projeto, emitido na RTP já depois de Solnado morrer: “As Divinas Comédias”, com Bruno Nogueira, série de quatro episódios sobre cinquenta anos de humor na televisão portuguesa. No palco, a última peça que protagonizou foi “O Magnífico Reitor”, de Freitas do Amaral, no Teatro da Trindade, enquanto no cinema teve papéis derradeiros em “Call Girl”, de António-pedro Vasconcelos (2007), e “América”, de João Nuno Pinto (2009). E, no entanto, sublinha a ex-companheira, o trabalho de Solnado anda esquecido. “Já poucos falam dele e sinto que deixou de constar da cultura geral dos mais novos.”

De relance, foi um artista inventivo e rigoroso, “um tipo encantador”, como diz Herman José, considerado um dos seus herdeiros na comédia. E foi também um homem solitário. “Muito solitário”, comenta Leonor Xavier. “Tinha um feitio difícil, eu também tenho, certamente, e de vez em quando ficava amuado, agarrava-se à melancolia. Era muito sensível às contrariedades exteriores e se se chateava com algum familiar, transferia isso para a relação com o resto do mundo”, aponta a escritora. “Esse é o lado menos conhecido”, completa Mário Zambujal. “Tinha momentos de depressão, de uma certa hostilidade àqueles que entendia estarem contra o que ele pensava da vida, embora predominasse, na memória que tenho dele, a relação de convívio e o sorriso.”

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