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Os Óscares ainda são brancos e no masculino?

De todos os nomeados de sempre, só 11% foram mulheres. E em 2015 e 2016 não houve atores negros entre os candidatos. Como estão as batalhas pela igualdade racial e de género à volta de Hollywood?

O debate sobre se há uma aura de sexismo à volta dos Óscares pode começar pelos nomes dados às próprias categorias: há quem defenda que a existência de uma categoria de melhor ator principal e melhor ator secundário para cada um dos sexos pode ser só por si um tanto ou quanto ofensivo. O argumento vai ao ponto de se recorrer à desigualdade racial — outro tema quente na Academia — para questionar se o problema ficaria resolvido se se criasse uma categoria para melhor ator principal latino, negro, asiático e por aí adiante.

Das 180 pessoas de alguma forma nomeadas para os Óscares deste ano, apenas 44 são mulheres. Mas se não fosse pela existência de categorias só para homens e só para mulheres, o desequilíbrio podia ser ainda pior, por causa dos ramos mais técnicos: na edição de som há nove nomeados e são todos homens; na mistura de som há 15 homens nomeados e apenas uma mulher; na banda sonora original todos os candidatos são homens; e nos efeitos especiais há 20 nomeados, nenhum deles do sexo feminino.

Este ano, Greta Gerwig ingressou num clube restrito que tem agora cinco mulheres que já foram nomeadas para o prémio de melhor realizador (as outras quatro são Kathryn Bigelow, a única que venceu até hoje, em 2010, Sofia Copolla, Jane Campion e Lina Wermüller). Já Rachel Morrison conseguiu o feito histórico de ser a primeira mulher nomeada para melhor direção de fotografia — sim, a primeira em 90 anos.

Greta Gerwig tornou-se na quinta mulher em 90 anos a ser nomeada para um Óscar de melhor realizador. Créditos: Getty Images

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Por outro lado, também há categorias dominadas pelas mulheres ou pelo menos onde o equilíbrio é maior. Das cinco pessoas que podem receber o Óscar de melhor guarda-roupa, três são mulheres e duas são homens. E na categoria de melhor direção de arte há cinco mulheres e cinco homens potencialmente vencedores da estatueta dourada. Só há um problema: 66 das nomeações foram entregues a grupos só de homens, enquanto apenas 42 indicações foram entregues a grupos com pelo menos uma única mulher.

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Tem sido sempre assim. Em 89 anos de Óscares, houve oito vezes mais nomeações masculinas do que femininas: são precisamente 10.210 homens contra 1.280 mulheres. Ou seja, de todas as pessoas alguma vez indicadas para o maior galardão do cinema, apenas uns residuais 11% eram do sexo feminino. E de toda a gente que já venceu um Óscar, apenas 256 eram mulheres — o equivalente a 10,7% de todos os galardoados. Em toda a história da Academia, houve mais homens vencedores de um Óscar do que mulheres meramente nomeadas. Mas, em toda a história da Academia, graças às forças combinadas da hashtag #MeToo, do movimento Time’s Up e do efeito Harvey Weinstein, talvez nunca como hoje as mulheres se tenham mostrado tão vigilantes em relação ao sexismo que se vai notando nas nomeações dos últimos anos.

Rachel Morrison é a primeira mulher de sempre a ser nomeada para um Óscar de melhor direção de fotografia. Créditos: Getty Images

Getty Images for SBIFF

Elas dão mais dinheiro. Mas recebem menos

A desproporção entre estatuetas atribuídas a mulheres e a homens parece contrariar as preferências do público, medidas pelo mercado. É que os filmes nomeados para os Óscares com uma mulher no papel principal são mais lucrativos do que os filmes com homens como protagonistas. Cada dólar investido num filme protagonizado por uma mulher tem um retorno de, em média, 2,12 dólares; enquanto o mesmo valor investido num filme protagonizado por um homem rende apenas 1,59 dólares, segundo uma análise divulgada pela BBC.

Entre os filmes nomeados para o Óscar e protagonizados por mulheres, o mais lucrativo foi “Elementos Secretos”, que ganhou 6,8 vezes mais dinheiro em bilheteira do que aquilo que se investiu para o criar. “Lady Bird – A Hora de Voar”, nomeado para um Óscar de melhor filme este ano, foi o segundo mais lucrativo: gerou 4,2 vezes mais dinheiro do que o orçamento que exigiu. Logo a seguir, e exatamente com a mesma proporção, vem “Cinquenta Sombras de Grey”, segundo dados dos últimos cinco anos disponíveis no Imdb.com, para 155 filmes.

Dar mais dinheiro não significa dar mais prémios: em quase 90 anos de Óscares, as performances femininas nomeadas para o prémio de melhor atriz principal raramente acontecem em projetos nomeados para o Óscar de melhor filme. São as performances de homens nomeados para melhor ator que vêm normalmente de filmes nomeados para a categoria mais nobre dos Óscares. É como se um filme sobre a história de um homem valesse mais do que um filme sobre a história de uma mulher.

Entre 2007 e 2017, 40% dos filmes que valeram às atrizes principais uma nomeação para os Óscares também resultaram numa nomeação para melhor filme. Em contrapartida, 62% dos filmes com os atores principais a receberem uma nomeação também foram indicados para o Óscar dos Óscares. Ainda no ano passado isso ficou claro: entre os nove filmes nomeados em 2017, apenas um (“La La Land”) resultou também numa nomeação para a estatueta de melhor atriz principal. Mas quatro deles — “Manchester By The Sea”, “O Herói de Hacksaw Ridge”, “Vedações” e “La La Land” — também valeram nomeações para melhor ator principal.

Emma Stone foi a única nomeada para o Óscar de melhor atriz principal cujo filme também estava nomeado para uma estatueta em 2017. Créditos: Getty Images

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A discriminação é também salarial: de todos os filmes nomeados desde 2013, apenas 28% tinham uma atriz com o melhor salário de todo o elenco. Pouco depois de um hacker ter atacado a Sony e ter revelado que Jennifer Lawrence ganhava muito menos do que todos os atores (homens) secundários com quem contracenou em “Golpada Americana”, a atriz reagiu: “Quando (…) eu soube quão menos estava a ser paga em relação aos sortudos com pilas, não fiquei chateada com a Sony. Fiquei zangada comigo mesma. Falhei como negociadora porque desisti cedo. Não quis ficar a lutar sobre milhões de dólares de que francamente não preciso”.

Jennifer Lawrence não foi a primeira a falar sobre este assunto: Meryl Streep, Emma Thompson, Patricia Arquette, Cate Blanchett e Rose McGowan, todas já confessaram sentir na pele essa discriminação. Mas outras mulheres preferiram ficar à margem do tema: Rooney Mara disse que era “frustrante” ganhar menos do que os homens, mas sente-se grata “por ser paga de todo” pelo que faz; e Kate Winslet não quis falar sobre dinheiro porque… “é um bocado vulgar, não é?”.

A discriminação é agravada ainda pelo factor idade. Não só as mulheres recebem menos, como o seu valor em Hollywood começa a diminuir bem mais cedo: um estudo feito em 2014 pelo Journal of Hollywood Movie Stars concluiu que o pagamento feito às estrelas de cinema femininas tende a aumentar até aos 34 anos, mas diminui a pique a partir daí — bem como o número de papéis que desempenham. Quanto aos homens, o salário continua a aumentar até aos 51 anos, mas mantém-se até ao fim da carreira. “Aos 25 anos, a Jennifer Lawrence ainda tinha nove anos de crescimento. E aos 40 anos, o Bradley Cooper ainda tinha 11”, exemplifica Helaine Olen, da Slate. Mas esse não é um fenómeno exclusivo das estrelas de Hollywood: em qualquer tipo de carreira, mesmo fora do mundo das celebridades, o salário das mulheres tende a parar de crescer entre os 34 e os 39 anos, enquanto o salário dos homens sobe até serem cinquentões.

Quando Hollywood era “uma Amazónia reinada por mulheres”

O problema parece ter raízes ainda mais profundas: as origens podem começar mesmo na própria Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável por organizar os Óscares. Apesar de o número de mulheres entre os membros da Academia ter aumentado 359% em dois anos — entre 2015 e 2017, de acordo com o site da organização, elas continuam a representar apenas 28% de todo o comité.

Nem sempre foi completamente assim. “Hollywood foi construída por mulheres e judeus, mas essas pessoas não eram aceites em profissões respeitáveis”, explicou o historiador Cari Beauchamp à Vanity Fair. “Não era levado a sério como um negócio, por isso as mulheres e os judeus podiam entrar”. Nesse tempo, segundo Beauchamp, “uma atriz era mais do que uma mulher, um ator era menos do que um homem.

Segundo a Vanity Fair, em 1926, as mulheres de Hollywood ganhavam mais do que os homens, tinham mais fãs do que eles e até a moda feminina era mais influente. Oito anos depois, em 1934, Laura Benham escreveu sobre o assunto num artigo intitulado “A Batalha dos Sexos”: “Mesmo que seja um mundo de homens, Hollywood é uma cidade de mulheres, uma Amazónia moderna reinada por mulheres lindas e astutas”. Hoje, as mulheres já não são as mais bem pagas. E mesmo que Hollywood dependa delas para criar filmes mais lucrativos, são eles que dominam o mercado.

#OscarsSoWhite. De hashtag a boicote

Janeiro de 2015. April Reign e a família assistiam ao anúncio dos nomeados para os Óscares na televisão. Todos os atores e atrizes nomeados eram caucasianos. Reign, ativista e diretora de marketing da organização sem fins lucrativos que apoia artistas, Fractured Atlas, não se deixou ficar pelo conforto do sofá e usou o Twitter para mostrar a sua indignação. Numa publicação, escreveu: “#OscarsSoWhite, eles pediram para tocar no meu cabelo.” E nasce a hashtag #OscarsSoWhite (“Óscares tão brancos”).

O que Reign não sabia era que a hashtag que criou ia dominar as redes sociais durante mais um ano. Em 2015 e 2016 não houve um único ator ou atriz negros ou latinos entre os 20 nomeados para as categorias de melhor ator principal, melhor atriz principal, melhor ator secundário e atriz secundária. A polémica ultrapassou os limites das redes sociais e chegou ao ponto de alguns atores e atrizes fazerem um boicote à cerimónia dos Óscares de 2016. Jada Pinkett Smith foi uma das primeiras a tomar a iniciativa, à qual o marido, Will Smith, também se juntou, bem como muitas outras figuras influentes no cinema, como o realizador Spike Lee.

Chris Rock foi o apresentador da cerimónia dos Óscares de 2016, que foi alvo de boicote

MARK RALSTON/AFP/Getty Images

A cerimónia em si não aliviou a tensão. Especialmente depois da piada do apresentador, o comediante Chris Rock: “O boicote de Jada aos Óscares é como o meu boicote às calças da Rihanna. Eu não fui convidado!”. Mas Chris Rock não se ficou por ali e chamou ao palco os responsáveis pelos resultados dos votos das nomeações. Em vez dos verdadeiros responsáveis, três crianças asiáticas vestidas como adultos apareceram no palco. “Se alguém ficou chateado por causa desta piada, façam um tweet sobre isso nos vossos telemóveis, que também foram feitos por estas crianças”. Muitas pessoas, entre elas atores, ficaram ‘chateadas’, de facto.

O ano de 2016 parece ter sido marcante, mas o primeiro nomeado não branco para os Óscares aconteceu só em 1935, nove anos depois da primeira cerimónia realizada. Foi Merle Oberon que foi nomeada para melhor atriz no filme “The Dark Angel” (“O Anjo das Sombras”). Já a primeira entrega de um Óscar a um nomeado não branco aconteceu em 1939, mas logo a seguir vieram nove anos sem diversidade racial entre os nomeados e onze anos sem qualquer vencedor não branco. Entre os 1668 nomeados para os Óscares entre 1928 e 2015, apenas 6,7% não eram caucasianos.

Óscares 2017, o recorde de diversidade

Em janeiro de 2017, quando os nomeados para os Óscares daquele ano foram anunciados, o presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, pôde respirar de alívio. Depois de dois anos com nomeações exclusivamente de atores e atrizes caucasianos, os Óscares de 2017 foram considerados os mais diversificados de sempre: pela primeira vez em 89 anos, havia nomeados negros em todas as quatro categorias de atuação — num total de seis nomeados em 20 nomeações possíveis.

O mais perto que os Óscares estiveram deste recorde foi em 2013, ano em que houve três nomeações em três categorias. Nesse ano, Denzel Washington foi nomeado — e acabou por vencer a estatueta dourada — para melhor ator principal no filme “Fences” (“Vedações”). Mahershala Ali para melhor ator secundário em “Moonlight”. Ruth Negga foi nomeada melhor atriz no filme “Loving”. Viola Davis, Naomie Harris e Octavia Spencer foram nomeadas para melhores atrizes secundárias — Viola Davis no filme “Fences” (“Vedações”) — que viria a ganhar –, Naomie Harris em “Moonlight” e Octavia Spencer em”Hidden Figures” (“Elementos Secretos”).

Além de haver negros em todas as quatro categorias, foi também a primeira vez que três atrizes negras foram indicadas para a categoria de melhor atriz secundária. Em 1985, Margaret Avery e Oprah Winfrey tinham sido candidatas à estatueta dourada na mesma categoria, pelas participações de ambas no filme “A Cor Púrpura”, mas não ganharam.

Mais: a nomeação de Viola Davis tornou-a a atriz negra mais nomeada nos 89 anos de Óscares, com três nomeações. A atriz já tinha sido indicada para a categoria de melhor atriz secundária no filme “Doubt” (“Dúvida”), em 2008, e para melhor atriz, em 2001, no filme “The Help” (“As Serviçais”).

Viola Davis ganhou o Óscar de melhor atriz secundária pela participação no filme "Fences" ("Vedações")

Getty Images

Depois da piada de Chris Rock no ano anterior, Dev Patel foi nomeado para a categoria de melhor ator secundário no filme “Lion – A Longa Estrada para Casa”. Com esta nomeação, tornou-se o terceiro ator de ascendência indiana e o 13º ator asiático nomeado. Também nesse ano, Jackie Chan foi o quinto asiático a receber um Óscar Honorário.

Após o boicote de 2016, a Academia prometeu fazer algumas mudanças e duplicar o número do que chama de “membros que representam diversidade” até 2020. Em 2018 há menos atores e atrizes negras entre os 20 nomeados para as categorias de melhor ator principal, melhor atriz principal, melhor ator secundário e atriz secundária. São quatro negros nomeados — menos dois do que no ano passado.

Há dois negros nomeados para a categoria de melhor ator principal: Daniel Kaluuya, em “Get Out” (“Foge”) e Denzel Washington consegue a sua oitava nomeação com o filme “Roman J. Israel Esq.” Não há negros nomeados para melhor ator secundário nem para melhor atriz. Há, porém, duas atrizes nomeadas para a categoria de melhor atriz secundária: Mary J. Blige, pela participação em “Mudbound” (“Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi”) e Octavia Spencer, em “The Shape of Water” (“A Forma da Água”).

Em 2017, Octavia Spencer já se tinha tornado a terceira atriz negra com mais nomeações nos Óscares. Com a nomeação para melhor atriz secundária no filme “Shape of Water” (“A Forma da Água”), tornou-se a segunda atriz negra a ser indicada três vezes para a estatueta dourada e a primeira a ser nomeada para um Óscar em dois anos consecutivos.

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