Boris Johnson não quer voltar a obrigar os ingleses a ficarem fechados em casa por causa do coronavírus SARS-CoV-2. Mas admite o regresso de algumas medidas, como o teletrabalho e uso de máscara, e a imposição de novas regras, como os passaportes de vacinação (que não avançar no final de setembro como previsto), caso a pressão sobre o serviço nacional de saúde (NHS) se torne incomportável no inverno.
As linhas vermelhas para o agravamento das medidas ainda não foram definidas, mas os cenários outono-inverno para Inglaterra contam com um plano geral (plano A), que mantém a economia plenamente aberta e poucas restrições, e um plano B caso seja preciso proteger o NHS. E as pessoas e os negócios vão ter de estar preparados porque as medidas podem ser impostas de um momento para o outro.
Não foi anunciado nenhum plano C oficialmente e qualquer proposta que exija um novo confinamento terá certamente oposição no Parlamento britânico, onde a simples menção ao uso de máscara em espaços fechados com muitas pessoas foi mal recebida. E, sem ser aprovado na Câmara dos Comuns, o confinamento não pode avançar, lembra o jornal britânico i.
[As pessoas devem] usar máscara em espaços fechados e lotados onde contactam com pessoas com quem normalmente não se encontram”, disse aos deputados o ministro da Saúde, Sajid Javid, tal como vem referido no plano.
Em Inglaterra, como em vários países do mundo, a variante Delta provocou um aumento significativo do número de casos, com um pico a 16 de julho de 43.910 novas infeções (média a sete dias). Os números caíram depois disso, mas nunca desceram das 23 mil infeções, no final de julho. Em agosto os números voltaram a subir e estes dois meses têm registado mais infeções do que em igual período do ano passado.
O receio agora é que o regresso à escola e ao trabalho (presencial) em setembro, depois das férias, se reflitam num aumento no número de casos, como aliás já se verificou na Escócia. A boa notícia é que, apesar de o número de óbitos e internamentos também ter aumentado, mantém-se relativamente estáveis e muito abaixo dos números das vagas anteriores, como destaca o documento que contém o plano de outono-inverno de resposta à pandemia de Covid-19.
Plano A com os cinco pilares de combate à pandemia no inverno
Por agora, Inglaterra vai apostar nas medidas básicas de controlo da pandemia: higienização das mãos e ventilação dos espaços, testagem e isolamento, vacinação e controlo de fronteiras como tem feito até aqui. Além disso, vai ser feito um reforço de verbas para o NHS e um apoio à vacinação de outros países.
Vacinas e tratamentos
O Reino Unido foi um dos primeiros países a iniciar a vacinação contra a Covid-19, que avançou a um bom ritmo nos primeiros três meses do ano, mas que desde o final de junho tem visto poucos avanços (nas primeiras doses). Neste momento, mais de 70% da população recebeu uma dose da vacina e cerca de 65% estão totalmente vacinados, de acordo com os dados do Our World in Data (Portugal leva larga vantagem em relação aos britânicos).
A aposta agora vai passar por vacinar as crianças entre os 12 e os 15 anos (o que Portugal já fez) e dar um dose de reforço (a terceira) aos maiores de 50 anos (que por cá não está contemplado) — duas medidas que têm tido a oposição de especialistas. Mas há também a intenção de conseguir que os 5,5 milhões de pessoas elegíveis, acima dos 16 anos, que ainda não foram vacinados o façam.
Reino Unido. Vacinação de crianças contra a Covid-19 e reforço nos mais velhos
Além das vacinas, o governo inglês diz continuar a apostar no desenvolvimento ou descoberta de tratamentos eficazes contra a Covid-19 que complementem o programa da vacinação.
Testar e isolar
Quebrar as cadeias de transmissão é, desde o início da pandemia, a melhor forma de travar um surto, mas nem sempre fácil de implementar. Inglaterra continua a reforçar a necessidade de isolamento dos casos positivos — obrigatório por lei durante 10 dias — e dos contactos destas pessoas que não tenham sido vacinados.
Os testes PCR de diagnóstico para quem apresente sintomas compatíveis com a Covid-19 vão continuar a ser gratuitos durante o outono e inverno e o Reino Unido aumentou a capacidade de realização desta testagem para mais de 700 mil por dia. Além disso, o país vai continuar apostar na capacidade de sequenciação genética do vírus (que permite monitorizar as variantes em circulação e detetar novas variantes), que poderá chegar às 150 mil por semana em março de 2022 — Portugal faz, neste momento, cerca de 500 em cada semana.
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Os programas de testagem de pessoas sem sintomas também vai continuar, visto representar cerca de um quarto dos casos identificados diariamente. Os testes continuarão a ser gratuitos nesta fase, mas gradualmente passarão a ser custeados pelas empresas e pelas pessoas. As escolas são um dos locais onde se mantém a aposta nos testes frequentes.
Apoiar o NHS
O governo britânico apoiou, em 2020 e 2021, o serviço nacional de saúde com um reforço de verba de 63 mil milhões de libras (quase 74 mil milhões de euros) e promete agora um reforço de mais 5,4 mil milhões de libras (mais de seis mil milhões de euros) para o combate à pandemia nos próximos seis meses e também para recuperar a atividade assistencial (tratamentos e cirurgias) cancelados ou adiados nos últimos meses.
Para aumentar a resiliência do NHS, o governo lançou uma consulta pública sobre a possibilidade de tornar a vacinação contra a Covid-19 e contra a gripe uma condição obrigatória para os profissionais de saúde de primeira linha e para aqueles que prestam serviços de apoio social em Inglaterra.
A recomendação da vacina da gripe vai também ser alargada aos alunos do secundário e a pessoas entre os 50 e os 64 anos que as podem tomar gratuitamente. Mantém-se a recomendação para os grupos anteriores: crianças do primeiro ciclo, pessoas com mais de 65 anos, pessoas vulneráveis e grávidas.
Medidas de proteção individual
Antes de mais, o documento que apresenta o plano de outono-inverno lembra que muitas das medidas de proteção contra a infeção com SARS-CoV-2 também são medidas de prevenção válidas contra o vírus da gripe. Nomeadamente lavar ou desinfetar as mãos com frequência ou ficar em casa sempre que tenham qualquer tipo de sintomas. “O governo não quer restringir legalmente nenhuma atividade” de trabalho ou lazer, mas alerta que o risco de transmissão do vírus é maior quando há mais pessoas num espaço, nos espaços interiores ou quando se canta, dança ou faz exercício físico — tudo porque a principal via de transmissão do vírus é pelo ar ou por gotículas contaminadas”, lê-se no documento.
As recomendações passam ainda por: fazer reuniões de grupo preferencialmente ao ar livre ou, se no interior, em espaços bem ventilados; usar máscara nos espaços interiores lotados, sobretudo na proximidade de pessoas com quem normalmente não se contacta, incluindo nos transportes; realizar testes PCR e isolar-se em caso de sintomas ou de contacto com caso positivo; e descarregar a aplicação para ser notificado se esteve na proximidade de um contacto positivo.
O governo britânico não vai avançar com o certificado de vacinação obrigatório em determinados locais por agora, mas continua a incentivar que os proprietários dos espaços ou organizadores de eventos implementem o passe Covid-19 (para vacinação, teste ou recuperação) voluntariamente.
Proteger o mundo e proteger-se do mundo
O Reino Unido vai manter as regras de entrada no país que implicam, por exemplo, o comprovativo de vacinação ou teste negativo. Assim como diz continuar a apoiar o acesso às vacinas, tratamentos e diagnósticos nos países mais carenciados.
Até ao momento, o Reino Unido já entregou 10,3 milhões de doses para o esforço de vacinação global e promete mais 30 milhões de doses até ao final do ano e 100 milhões até junho de 2022.
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Plano B, aquele que o governo não quer usar
“Em preparação, o Governo tomou a medida responsável de traçar um plano de contingência caso o Plano A não seja suficiente para manter o vírus em níveis geríveis”, escrevem os autores do documento. O governo garante que está “empenhado em fazer tudo o que for necessário para evitar que o NHS seja sobrecarregado”, mas não são definidos os limites de risco.
O governo vai monitorizar todos os dados relevantes regularmente para garantir que pode agir se houver uma probabilidade substancial de tal acontecer [pressão insustentável no NHS]”, refere o documento, sem especificar como. “Na avaliação do risco para o NHS, as principais métricas incluem a ocupação hospitalar para pacientes Covid-19 e não-Covid, a capacidade das unidades de cuidados intensivos, os internamentos de indivíduos vacinados e a taxa de crescimento dos internamentos.”
Na apresentação do plano B, os autores do documento reforçaram várias vezes que o governo espera não ter de o implementar, mas que teve de o preparar dada a incerteza associada à pandemia. Além disso, confiam que “alterações relativamente pequenas nas políticas de saúde e comportamentos podem ter um impacto grande na redução (ou aumento) da transmissão”.
Este plano agravado não prevê confinamentos, mas diz ser possível o regresso do teletrabalho. Os três pontos fundamentais serão:
- Avisar as pessoas do aumento do risco e avisá-las para terem comportamentos mais cautelosos;
- Introduzir a obrigação de apresentar certificados de vacinação (e apenas vacinação) no acesso a determinados espaços, como espaços de diversão noturna, eventos interiores com mais de 500 pessoas ou exteriores com mais de 4.000 e na generalidade dos eventos com mais de 10.000 pessoas;
- Obrigar, legalmente, ao uso de máscara facial em determinados locais.
O plano B não inclui medidas que já estiveram em vigor, como a restrição do número de pessoas em ajuntamentos, no interior dos espaços fechados ou em certos eventos específicos, uma vez que, segundo o jornal britânico i, esse tipo de medidas teriam de ser aprovadas pelo Parlamento.
Este é o plano traçado para Inglaterra, visto que cada um dos Estados que compõe o Reino Unido tem autonomia para desenhar as políticas de saúde pública.