Até ao dia 7 de julho, Rishi Sunak e Liz Truss estavam do mesmo lado da força — ele responsável pela pasta das finanças no Governo britânico em plena crise económica, ela à frente dos assuntos estrangeiros no mesmo Executivo, enquanto a Europa se debate com uma guerra.

Depois de Boris Johnson ter abandonado a presidência do Partido Conservador, deixando vazia a liderança do Governo do Reino Unido, os dois ex-ministros confrontaram-se na noite desta segunda-feira pela primeira vez na senda para conquistar o voto dos militantes nas eleições de 5 de setembro.

Mas se o debate começou com os dois candidatos em completo desacordo sobre o plano económico para o país, no fim de contas o frente-a-frente veio esclarecer que Rishi Sunak e Liz Truss não estão de costas voltadas. É que, ganhe quem ganhar, quem sair vitorioso pretende incluir o derrotado na equipa governativa.

O “Projeto Medo” e o plano “nada conservador”

Se a união entre os dois ex-ministros se confirmar em setembro, há um tema que será fonte de atrito entre Rishi Sunak e Liz Truss: o plano económico para o Reino Unido enfrentar as dívidas que se adensaram durante a pandemia de Covid-19.

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O ex-governante da pasta das Finanças lançou duras críticas às propostas de Liz Truss, acusando-as de serem “um pico de energia de curto prazo” — um “sugar rush”, na expressão inglesa: “Não há nada de conservador nisso”. A candidata, por seu lado, defendeu-se, afirmando que o adversário está a instalar o “Projeto Medo” com o volume de impostos que implementou. E avisou: “Se seguirmos os planos de Rishi, estamos a caminhar para uma recessão”.

O tema aqueceu já depois de Rishi Sunak se ter proposto a criar melhores condições de isolamento nas habitações, quando Liz Truss apresentou outras duas ideias para minimizar o aumento do custo de vida: reverter o aumento das contribuições do Seguro Nacional — o equivalente à segurança social portuguesa — e prolongar as moratórias sobre as taxas verdes.

Foi neste momento que o ex-ministro das Finanças interrompeu Liz Truss, sugerindo que a opositora se propunha a adiar o pagamento das dívidas avolumadas pela pandemia de Covid-19 e a colocá-las “no cartão de crédito do país”.

Truss esclareceu que as medidas só seriam implementadas por três anos, mas os ataques de Sunak não abrandaram: o ex-ministro das Finanças acusou a antiga colega de Governo de colocar o peso desses pagamentos nas crianças de hoje. E “isso não é moral”, concluiu.

Ucrânia, o terreno comum aos dois candidatos

Já a posição que ambos os candidatos assumiram sobre a Ucrânia contrasta com o desacordo que admitiram no debate emitido pela BBC. Tanto Rishi Sunak como Liz Truss admitiram que, neste momento, querem manter o Reino Unido fora de um envolvimento direto no conflito entre a Rússia e a Ucrânia. E é por isso que, pelo menos neste momento, nenhum deles tenciona acionar as forças militares (mais particularmente a Marinha) para proteger a rota dos cereais no Mar Negro caso cheguem ao poder.

Rishi Sunak recordou mesmo que trabalhou de forma próxima com Liz Truss no esforço para diminuir a capacidade bélica dos russos e apoiar a resistência ucraniana. Ambos assumiram ainda estar “orgulhosos” do posicionamento do Reino Unido na guerra na Ucrânia e do pacote de medidas que o Ocidente impôs à Rússia. Neste ponto, ambos parecem ir ao encontro da estratégia de Boris Johnson — que, no momento da demissão, assegurou que o apoio à Ucrânia manter-se-ia intocável, por ser unânime no partido.

Boris fora do novo governo — aconteça o que acontecer

A secção dedicada à posição dos candidatos em relação a liderança de Boris Johnson dividiu opiniões, mas no fim de contas ambos admitem uma coisa só: não, o primeiro-ministro demissionário do Reino Unido não terá lugar no executivo que se formar em breve. Mas os motivos pelo qual Boris não tem um lugar à mesa, independentemente do resultado eleitoral, é que diferem de candidato para candidato.

Não é de estranhar: Rishi Sunak foi o segundo ministro a demitir-se do Governo de Boris Johnson, minutos depois do então ministro da Saúde também ter abandonado o cargo. Foi, por isso, um dos maiores responsáveis pelo desencadear da onda de demissões que derrubou Boris Johnson e o que sobrava do Governo em seu redor. Quem é que ainda estava por perto quando o primeiro-ministro anunciou ao país o fim do mandato? Liz Truss.

A então ministra dos Assuntos Estrangeiros manteve o voto de confiança em Boris Johnson e repetiu no debate que, na sua opinião, os erros que o primeiro-ministro demissionário cometeu não justificavam a crise política e o desmoronamento do Governo. Boris só não fará parte da sua equipa caso ganhe as eleições dos conservadores porque não acredita sequer que ele o queira.

Rishi Sunak, por outro lado, sublinhou aquilo que disse no dia em que apresentou a carta de demissão ao líder do Executivo: “Já chega”. Boris não estará no seu governo, mas isso não impediu o ex-ministro de tecer rasgados elogios a um Boris Johnson que “merece reconhecimento” pelo trabalhou que desenvolveu, considerou Sunak — é inclusivamente “uma das pessoas mais notáveis” que já conheceu.

China é “uma ameaça” para o Reino Unido

Sobre a relação do Reino Unido com a China, Rishi Sunak e Liz Truss também discutiram, mas no fim concordaram um com o outro no essencial: o país é “uma ameaça para a segurança” do Reino Unido. As palavras são de Rishi Sunak, mas Liz Truss respondeu ironicamente ao comentário: “Fico satisfeita pelo facto de a sua opinião ter mudado e ser agora a minha forma de pensar”.

Mas o ex-ministro das Finanças tinha uma crítica guardada na manga: um comentário que Liz Truss proferira em 2016, afirmando que as relações diplomáticas entre o Reino Unido e a China estavam a entrar numa “era dourada”. A ex-ministra dos Assuntos Estrangeiros não se deixou ficar, admitiu a autoria da expressão, mas argumentou que a mesma foi feita num outro contexto diplomático entre os dois países. Agora, tudo mudou.