Enviado especial do Observador à Rússia (em Moscovo)
O Campeonato da Europa Sub-21 de 2007 prometia, sobretudo num grupo A que juntava Holanda, Bélgica e Portugal (além de Israel, que neste caso não contava para o Totobola). Mais de dez anos depois, essas melhores expetativas confirmaram-se e alguns dessas jovens estrelas são hoje valores seguros e consagrados: Lobaerts, Vermaelen, Vertonghen, Fellaini, Witsel, Martens ou Mirallas eram a estrutura base dos belgas; Krul, Vermeer, Vlaar, Pieters, Maduro ou Babel integravam a formação anfitriã holandesa (ainda havia a principal estrela, Drenthe, que chegou ao Real, foi caindo a pique e hoje é DJ). Entre a seleção nacional, então comandada por José Couceiro, estavam nomes como João Pereira, Rolando, Antunes, Miguel Veloso, Manuel Fernandes, Rúben Amorim, João Moutinho, Nani, Varela, Yannick e Hugo Almeida, todos internacionais A. Ah, e Manuel da Costa, que na altura todos apontavam ao patamar superior das equipas portuguesas… mas que vai defrontar esta quarta-feira Portugal ao serviço de Marrocos.
Nessa altura, o Europeu ficou marcado pela chamada de Antunes para um particular do conjunto principal orientado por Luiz Felipe Scolari diante do Kuwait, pelos exames médicos que Nani foi fazer a Manchester antes de assinar pelo United e pelos mais de 50 jogos oficiais de João Moutinho, o principal ponteiro de fiabilidade de qualquer equipa uma década depois. Mas, apesar do terceiro lugar na fase de grupos (empate com a Bélgica a zero, derrota por 2-1 com a Holanda e vitória por 4-0 frente a Israel) e da derrota nas grandes penalidades que dariam o apuramento para os Jogos Olímpicos de 2008 com a Itália (que tinha nomes como Chiellini, Criscito, Montolivo, Aquilani, Rossi, Pellé e Pazzini), foi também a prova que mostrou a aposta ganha no central nascido em França (Saint-Max) que na altura jogava no PSV.
Habituado a passar o Verão de férias em Cucujães, Oliveira de Azeméis, Manuel da Costa chegou a ir fazer testes ao FC Porto mas acabou por não ficar, acabando por dar nas vistas após fazer a formação na reputada escola futebolística do Nancy. Nessa altura, com Pauleta e outros olheiros a passarem informações a Rui Caçador, o clube fez de tudo para colocá-lo na seleção de França, mas o coração do pai português (a mãe é marroquina) falou mais alto. Acabou mesmo na seleção nacional, depois de uma viagem relâmpago que fez até Aveiro para pedir o BI que lhe permitisse usar a camisola de Portugal, já depois de ter enviado uns vídeos para que o departamento de formação da FPF pudesse ver as suas qualidades. Para um setor que era visto como o elo mais fraco da equipa, Portugal ganhou um reforço de peso apesar das dificuldades em falar português.
O facto de ter ficado no quarto de José Gonçalves nesse estágio também não ajudou muito, mas quer a comunicação com o pai, quer os brasileiros que tinha nessa altura como companheiros no conjunto de Eindhoven (Gomes e Alex) foram minimizando um obstáculo que nunca considerou como tal: se falassem português devagar com ele, percebia tudo; em caso de dúvida nos treinos, pedia para que repetissem as frases que não entendia à primeira e acabava sempre por captar a mensagem num mundo que tem uma língua universal. Chegou a ser chamado por Scolari para os compromissos de qualificação para o Europeu de seniores em 2008, mas com a saída do selecionador brasileiro, acabou por sair das opções. E optou por aceitar representar Marrocos, após um convite feito pela federação marroquina e sem nunca ter feito qualquer minuto pelo conjunto A de Portugal.
Aos 32 anos, adensou-se a fama de bad boy e continuou a carreira ziguezagueante entre diferentes equipas e campeonatos. Depois do PSV, ainda esteve em Itália (Fiorentina e Sampdória), mudou-se para Inglaterra (West Ham), passou para a Rússia (Lokomotiv Moscovo, com empréstimo pelo meio ao Nacional), rumou à Turquia (Sivasspor), fez as malas para a Grécia (Olympiacos) e voltou ao campeonato turco, desta vez ao serviço do İstanbul Başakşehir. Pelo meio, teve um episódio em Londres onde foi acusado e ilibado de agressão sexual (sendo multado porque, depois de ser agredido, respondeu da mesma forma) e outro na Madeira, onde chegou a passar uma noite detido após ser apanhado a conduzir com excesso de álcool.
Mais de uma década depois, Manuel da Costa, um central que tinha condições físicas e técnicas para alcançar patamares mais altos do que aqueles que passou, vai reencontrar dois antigos companheiros da seleção Sub-21: João Moutinho e Manuel Fernandes.
“Participar num Campeonato do Mundo é algo muito grande para mim, porque estou a representar o meu país e as minhas raízes. É uma grande honra poder vestir a camisola de Marrocos porque, quando se participa neste torneio, estamos a mostrar ao mundo o nosso país e cultura”, destacou, antes de falar também de outro nome conhecido do futebol nacional, o ex-jogador do Sporting Hadji: “Fui abordado pela primeira vez sobre a possibilidade de representar Marrocos pelo adjunto, Mustapha Hadji. Depois de uma longa conversa com ele e com o técnico da altura, Badou Ezzaki, fiquei convencido dos planos e objetivos que tinham e desde aí que tem sido uma honra representar o país”.
Mas há mais casos como o de Manuel da Costa (sem os pontos de contacto com Portugal) na equipa orientada por Hervé Renard, que tem o maior número de jogadores nascido fora do país na convocatória: 17, com seis países diferentes de origem, tendo França, Marrocos e Holanda como os principais representados nos 23 chamados pelo técnico francês, muito experiente no comando de seleções africanas e que já ganhou por duas vezes a Taça das Nações Africanas, pela Zâmbia (2012) e pela Costa do Marfim (2015).
França (8): Manuel da Costa (Basaksehir), Benatia (Juventus), Saïss (Wolverhampton), Belhanda (Marselha), Fajr (Getafe), Bennasser (Caen/Mónaco), Harit (Schalke 04) e Boutaib (Yeni Malatyaspor)
Marrocos (6): Tagnaouti (Wydad Casablanca), Mendyl (Lille), Dirar (Fenerbahçe), El Kaabi (RSB), Youssef En-Nesyri (Málaga) e Aziz Bouhaddouz (St. Pauli)
Holanda (5): Hakim Ziyech (Ajax), El Ahmadi (Feyenoord), Boussoufa (Al Jazira), Nordin Amrabat (Leganés/Watford) e Sofian Amrabat (Feyenoord)
Espanha (2): El Kajoui (Numancia) e Achraf Hakimi (Real Madrid)
Bélgica (1): Medi Carcela (Standard Liège/Granada)
Canadá (1): Bounou (Girona)