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Os três pecados mortais da exibição de Portugal contra Marrocos

Cristiano Ronaldo, com um golo madrugador, ajudou a mascarar uma exibição sem chama da Seleção. O que falhou no jogo contra Marrocos? Fomos ouvir os especialistas e deixamos falar os números.

“Está a ver aquela célebre frase que diz que Portugal joga como nunca e perde como sempre? Agora é ao contrário: Portugal nunca joga bem, mas ganha como sempre.” A frase sai espontânea a Vítor Manuel, treinador de futebol, quando desafiado a comentar o que correu mal na exibição da Seleção Nacional diante de Marrocos. E não podia ser mais certeira. Já não é de hoje — o Euro 2016 deixou-nos calejados nesta arte de sofrer a bom sofrer durante o jogo, de não sentir particular orgulho na exibição, mas de sorrir no final. Estamos, é inegável, perante um Portugal 2.0. Um Portugal que não deslumbra, que não embevece, que não dá vontade de voltar atrás na box para rever aquela jogada mágica… mas que ganha. Um Portugal que divide os adeptos do futebol: de um lado os puristas, aqueles que se deliciam com a estética, que preferem ver uma jogatana do que sair vitoriosos de uma partida em que jogaram mal; do outro, os resultadistas, aqueles que já se habituaram à marca das unhas cravada nas mãos, tamanho o nervosismo, que já se habitaram à batida irregular do coração no peito — living on the edge, já diziam os Aerosmith.

Esta Seleção é, sem dúvida, resultadista. E quase nos atrevemos a dizer que também já fazia falta. Mas, no Observador, somos exigentes, e fomos tentar descobrir o que correu mal na exibição frente a Marrocos. O próprio Fernando Santos deixou-nos algumas pistas no pós-jogo — em que não poupou críticas à equipa. “Não conseguimos ligar passes, muitos passes errados, má circulação de bola e quando não temos bola, temos de correr. É uma bola de neve, é inexplicável. Parece que nos falta confiança com a bola em determinados momentos do jogo e começamos a recuar. Esta equipa com jogadores de estatura baixa, sem bola e sem velocidade passa por dificuldades”, comentou o selecionador campeão europeu. Para sintetizar: “Temos de falar”. Falemos então, Fernando.

Equipa recuada e sem ligar jogo

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Marrocos não foi pêra doce. Uma equipa durinha, muito física e intensa, que colocou uma pressão asfixiante sobre Portugal — e Portugal recuou. Vimos isso a olho nu, mas as estatísticas fazem a prova dos nove. Por exemplo, até aos 40 minutos de jogo, Ronaldo e Bernardo Silva eram os únicos  jogadores com uma posição média para lá da linha de meio-campo — e ainda assim, não muito para lá. João Mário e Gonçalo Guedes, essenciais na construção ofensiva da equipa, estão lá para trás.

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Mas a tendência não se cingiu à primeira parte, foi uma constante ao longo dos 90 minutos. Há dois gráficos do jornal britânico The Telegraph que são como o algodão: não enganam. No primeiro, podemos ver que a mancha de jogadores portugueses está bem lá atrás — e muito mais atrás do que a de Marrocos. Se na primeira parte, eram Ronaldo e Bernardo Silva os únicos a ter uma posição média além do meio-campo, na totalidade do encontro, apenas Gonçalo Guedes conseguiu juntar-se aos companheiros lá à frente. Se olharmos para Marrocos, por outro lado, há seis jogadores com uma posição média no meio-campo português: Hakimi, Belhanda, Boussoufa, Amrabat, Boutaib e Ziyech. A percentagem de toques de bola também é clara: Portugal tocou a bola 46% das vezes no meio-campo, 38% na zona defensiva e apenas 16% na frente de ataque. Estatística que contrasta com a do adversário, que esteve 33% das vezes a atacar, 46% a defender e só 21% a defender.

Mas há mais: aos 33 minutos, Portugal apenas somava duas ações na área africana, as duas de Cristiano Ronaldo (em contraste com as 12 marroquinas). Não admira, pois, as estatísticas finais, que dão conta de apenas dez remates dos campeões europeus durante todo o jogo — dois enquadrados com a baliza.

“Não conseguimos ter a bola nem ligar setores e isso obriga a recuar”, sintetizou Vítor Manuel, treinador com passagem por vários emblemas nacionais, como Académica, Sp. Braga, U. Leiria, Belenenses ou Salgueiros, e ainda por Angola e Argélia. “Portugal costuma sentir-se confortável nas transições, mas neste jogo não foi nem uma equipa de contra-ataque nem de ataque organizado, ficou num limbo”. Posição partilhada por outro Vítor, mas o Oliveira, o craque às subidas de divisão e que agora treina o Paços de Ferreira.

O técnico considera que, com o golo apontado aos quatro minutos, Portugal preocupou-se essencialmente em gerir a vantagem. “Os jogadores sabem que jogando mais perto da sua área, as situações de perigo aumentam, porque o adversário está mais perto da baliza contrária. Penso que o facto de Portugal estar numa fase final do Mundial, sabendo que o jogo praticamente pode dar a passagem, condicionou os jogadores psicologicamente e acabaram por recuar. Por outro lado, Marrocos sabia que não tinha nada a perder. Foram dois estados de espírito contrastantes e Portugal, basicamente tentou impedir que o adversário fizesse o golo”.

Vítor Oliveira sublinhou ainda as dificuldades da Seleção em desenhar jogadas de perigo. “Os jogadores foram muito pressionados e, por isso, revelaram problemas em sair com a bola e construir — e bem precisávamos disso, pelas características dos jogadores que temos na frente e que precisam que a bola lhes chegue em condições para mostrar as suas potencialidades. São os casos de Cristiano Ronaldo, Gonçalo Guedes, Bernardo Silva, João Mário e Bruno Fernandes”, explica, sublinhando, ainda assim, a qualidade do rival. “Não podemos menorizar Marrocos, que tem jogadores de enorme valia, que alinham nos principais campeonatos europeus”.

Com a equipa recuada e a baliza exposta, sofreu Rui Patrício. A sorte foi que o guardião português, que esta semana assinou pelo Wolverhampton, voltou a vestir a capa de super-herói. Na retina, fica a defesa do outro mundo, conseguida aos 57 minutos, na sequência de um desvio de cabeça de Belhanda. São Patrício foi ao chão levantar a moral portuguesa e manter os três pontos no bolso. Mas além dessa defesa, há mais quatro (três delas a remates dentro da área), que colocam o número 1 da Seleção Nacional como o melhor do jogo, à luz das estatísticas do site Goal Point. E quando o guarda-redes é o melhor do jogo, isso diz muito do resto da equipa… “Ele tem uma estabilidade psicológica tremenda, uma frieza enorme e, nos momentos decisivos, diz ‘presente’. Rui Patrício fez a defesa do Mundial até ao momento”, considera Vítor Manuel.

Os passes falhados e o apagão de Bernardo Silva

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No futebol, isto está tudo ligado. Ora, já sabemos que Portugal jogou recuado; e, em grande parte, isso aconteceu devido a uma sequência anormal de passes falhados. Quando não se consegue colocar a bola nos pés do companheiro, não se consegue progredir no terreno — e foi precisamente o que aconteceu com Portugal. “Portugal falhou muitos passes e quando não se passa bem não se pode jogar bem”, resumiu Vítor Oliveira. “É uma situação que tem de ser revista. Até Ronaldo falhou muitos, o que não costuma acontecer. Nem sempre há uma explicação para isto, muitas vezes há fatores aleatórios. Marrocos é atleticamente muito forte e teve um árbitro de feição, que permitiu entradas à margem da lei que deveriam ter sido severamente punidas. Não sendo, os marroquinos foram ganhando confiança e minando a dos jogadores portugueses”, completa o técnico do Paços de Ferreira.

Vítor Manuel é mais incisivo nas críticas. “Portugal não dá dois, três toques seguidos. A equipa não tem um futebol harmonioso, há muita precipitação. Estavam sempre a perder a bola e assim não dá para sair com ela”, diz. “Portugal correu muito, mas correu sem bola e este é o maior défice. Não há posse, não há circulação. Penso que Portugal ainda não se encontrou”, conclui.

Para os dois treinadores, a quantidade de passes falhados e a dificuldade em ligar o jogo estão intimamente ligados ao apagão de alguns jogadores, nos quais habitualmente se depositam as esperanças portuguesas. “Bernardo Silva, Bruno Fernandes ou João Mário, por exemplo,estão aquém do expectável. São jogadores que fizeram épocas desgastantes nos seus clubes e que agora se ressentem. Estão a falhar muitos passes, muitas situações de um contra um, algo que normalmente não falham. Têm uma qualidade enorme, mas não são máquinas e na verdade estão abaixo do que gostaríamos que estivessem”, considera Vítor Oliveira.

As estatísticas apontam o dedo a um jogador em especial. Bernardo Silva foi o jogador nacional que mais problemas revelou nos passes: acertou apenas 59% das vezes — mais de 10% de diferença em relação a qualquer colega em campo. No top 3 dos que mais falharam estão ainda, ex-aequo, Pepe e Cristiano Ronaldo (bem que Vítor Oliveira tinha alertado para os passes falhados do melhor do mundo), que acertaram em 70%, e José Fonte, que foi bem sucedido em 71% das vezes em que enviou a bola a um companheiro de equipa.

Raphael Guerreiro também esteve uns furos abaixo do normal — sublinha Vítor Manuel. “Apanhou um grande jogador, Amrabat, que é fortíssimo no um contra um. Raphael jogou muito colado ao ao adversário e ele protegia a bola com o corpo, rodava e fugia. Penso que Guerreiro devia ter-lhe dado mais espaço, jogado mais na espera”. Os dribles que o lateral português sofreu contra Marrocos também já entraram para a história da competição. Aos 68 minutos, só Perisic e Hallfredsson tinham sido mais fintados neste Mundial.

Quanto a João Mário, na altura em que abandonou o campo, aos 70 minutos, para dar para dar lugar a Bruno Fernandes, contava com números que também o colocam abaixo do habitual: nenhum remate, nenhum passe para finalização, 13 perdas de bola e cinco passes curtos falhados.

A dependência de Cristiano Ronaldo

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Este é, digamos, um problema de fundo. Enquanto Ronaldo marca — e como tem marcado! — está tudo bem. Mas o que é feito da equipa quando o melhor do mundo não está, ou não está ao seu melhor nível? “Quem tem Cristiano Ronaldo nunca pode fazer uma má exibição, porque ele faz sempre qualquer coisa diferente. Estamos a viver à custa de Ronaldo, que é um extra-terrestre. Mas é preocupante, do meu ponto de vista, depender assim de um jogador”, assinala Vítor Manuel.

E como não depender de CR7? Os quatro golos que Portugal já comemorou neste Mundial saíram todos das botas e da cabeça de Ronaldo — por falar nisso, é o único português, depois de José Torres, em 1966, a ter marcado de todas as formas possíveis num só Mundial. O capitão das quinas é também o primeiro futebolista português a marcar nos dois primeiros jogos da fase de grupos no mesmo torneio e é o atleta com mais remates à baliza na história dos Mundiais, ultrapassando o outro Ronaldo, o Fenómeno. Tudo isto só para citar alguns recordes batidos esta quarta-feira pelo camisola 7 da Seleção.

Para Vítor Manuel, Ronaldo jogou algo isolado contra Marrocos, fruto do posicionamento de Gonçalo Guedes. “Portugal estava com muitas dificuldades no meio-campo, por isso Fernando Santos viu-se na obrigação de o encostar à ala e jogar só com Ronaldo na frente. Assim, ele é anulável muito mais facilmente”, explica o técnico. Vítor Oliveira concorda: “O lado direito de Marrocos criou muitas dificuldades porque estávamos a fechar mal. O João Mário estava muito por dentro e o Raphael Guerreiro estava sempre com dois, três jogadores. Era um corredor muito desprotegido, Fernando Santos deslocou Gonçalo Guedes para lá. Foi importante do ponto de vista defensivo, mas Cristiano Ronaldo ficou isolado na frente”. Frente ao Irão, Vítor Manuel acredita que a solução de ataque tem de passar por uma dupla CR7 e André Silva. “Portugal precisa de mais presença na área, Gonçalo Guedes está a jogar muito longe de Ronaldo e está a acusar a responsabilidade, por ser o seu primeiro Mundial”.

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