Os vencedores

Marcelo Rebelo de Sousa

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Marcelo também é fixe, como se lia em autocolantes na campanha de 2016, mas não é Soares. Falhou a meta histórica da reeleição soarista com 70% dos votos, mesmo tendo o apoio tácito da cúpula do PS costista. Isso é suficiente para lhe retirar a vitória? Não. O atual Presidente da República conseguiu o melhor resultado de um presidente de centro-direita e mordeu os calcanhares ao segundo melhor resultado de sempre (os 61,59% de Ramalho Eanes, em 1976). Mesmo falhando uma vitória épica, foi o primeiro responsável político a ir a votos após a pandemia e aguentou-se. Outros chefes de Estado, como lembrou há dias, caíram que nem tordos. Marcelo escapou e — apesar da abstenção — até aumentou o número de votos em termos absolutos: de 2,41 milhões de votos em 2016 para 2,53 milhões de votos em 2021. Ganhou capital para aumentar o magistério de influência junto do Governo minoritário de António Costa. Não ganhou em toda a linha, mas o suficiente para impor a sua linha.

Ana Gomes

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Ana Gomes não quer mandar no país — na realidade, não esperava ganhar esta eleição. Não quer mandar no seu partido — aliás, já anunciou que nas próximas eleições internas apoiará Pedro Nuno Santos. E nem sequer quer mandar nos 540 mil votos que conquistou neste domingo — ao contrário de Manuel Alegre, que em 2006 sonhou em transformar o seu milhão de votos num projeto político autónomo.

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Ana Gomes é uma franco-atiradora e, nesta eleição, tinha dois objetivos: mostrar que uma candidatura saída do PS e criada contra a vontade de António Costa podia ter um resultado digno; e ficar à frente de André Ventura.

Conseguiu, apesar de tudo, cumprir os dois. Primeiro: ficou muito atrás da votação de Sampaio da Nóvoa há cinco anos, mas ficou muito à frente das votações de João Ferreira e de Marisa Matias este ano. Segundo: mesmo que por apenas 1,1 pontos percentuais, ficou em segundo lugar e deixou Ventura em terceiro.

Ana Gomes saiu de casa para fazer isto — e regressa a casa tendo feito isto.

André Ventura

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Passou de 67 mil votos em 2019 para 496 mil neste domingo — e ficou em segundo lugar em 11 dos 18 distritos do continente: Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Santarém, Leiria, Évora, Portalegre, Beja e Faro. Muitos destes distritos são o retrato do Portugal que se sente esquecido e descartado. O que quer dizer que o voto em Ventura tem uma coerência difícil de contrariar: vem do país para onde a classe política normalmente não olha — e para onde terá de passar a olhar se quiser travar o Chega.

André Ventura declarou que ficar atrás de Ana Gomes seria uma derrota tão clara que teria de o levar a apresentar a demissão da liderança do partido. De facto, ficou atrás de Ana Gomes (por apenas 1,1 pontos percentuais) e de facto apresentou a demissão da liderança do partido — mas o que ficou claro neste domingo não foi uma sua qualquer derrota, mas a sua vitória. Até Rui Rio passou a maior parte do seu discurso a sublinhar a votação de André Ventura no Alentejo, que lhe permitiu ficar à frente do PCP.

Depois das eleições regionais nos Açores — onde foi decisivo para a formação do novo governo — e depois destas presidenciais, Ventura segue agora para as autárquicas. E parte com uma vantagem: conseguiu votações de dois dígitos em quase todos os distritos (só falhou nos do Porto e de Aveiro).

Tiago Mayan Gonçalves

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Para um desconhecido, não é coisa pouca: Tiago Mayan Gonçalves conseguiu duplicar os resultados que a Iniciativa Liberal recebeu nas legislativas de 2019 — passou de 67.826 votos para 134.427. Mais: em Lisboa acabou à frente de Marisa Matias, em Braga e Aveiro ficou à frente de João Ferreira, no Porto ficou à frente dos dois (mas atrás de Vitorino Silva).

Começou desastroso nas entrevistas de início de campanha, atingiu o pico durante os debates e arrefeceu na semana final. Mas beneficiou do voto da direita que se desiludiu com Marcelo e que nunca se iludiu com Ventura. Com 3,2% do voto total, ajudou a manter a esperança de que os eleitores liberais não sejam apenas uma minoria exótica.

Os vencidos

Marisa Matias

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Em 2016 teve 469.526 votos; este domingo, encolheu para 164.731. A campanha presidencial começou logo depois de o Bloco de Esquerda ter chumbado o Orçamento do Estado do PS e Marisa Matias passou dois terços do seu tempo a tentar justificar uma decisão que os eleitores bloquistas claramente não compreenderam ou não aceitaram.

Marisa Matias falhou no debate com Marcelo Rebelo de Sousa (onde deu o Presidente como reeleito), falhou no debate com André Ventura (onde adotou as táticas da “lama”), falhou no debate com Ana Gomes (onde não conseguiu tornar clara a relevância da sua candidatura), falhou no debate com João Ferreira (onde quase não marcou diferenças) — e depois não teve o contacto próximo com o eleitorado na rua que a podia ter ajudado a recuperar.

Na noite eleitoral, quis assumir a derrota mas, ao mesmo tempo, explicou-a sem querer: “O resultado não é o que esperei, não é também uma falta de comparência”. De facto, o resultado não foi o que Marisa Matias esperava — mas ele tornou-se inevitável porque o único combustível da sua campanha parecia ser o de aparecer. Como se viu, era curto.

Vitorino Silva

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Vitorino Silva costuma dizer que, para ele, Rans é o mundo. E, até no seu mundo, perdeu para Marcelo por 20 votos. Há cinco anos tinha vencido e desta vez os seus conterrâneos já não lhe deram essa vitória simbólica. Uma perda generalizada a nível nacional. Teve mais exposição mediática (entrou em seis debates, mesmo não sendo apoiado por nenhum partido com representação parlamentar), mas mesmo assim perdeu em votos (passou de 152.089 para 122.743 votos) e em percentagem (desceu de 3,3 para 2,9%). Além disso, há cinco anos tinha quatro candidatos atrás de si e desta vez ficou em último. O próprio disse que ganhar era ter mais um voto do que em 2016, mas perdeu quase 30 mil. Sinal positivo no distrito no Porto, onde repetiu o 4º lugar e teve mais 1.233 votos do que Mayan Gonçalves, que acreditava ter no seu distrito um bastião liberal.

O nim

João Ferreira

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O PCP ganha sempre, mesmo quando não ganha. Desta vez, ganhou e perdeu ao mesmo tempo. Ganhou porque João Ferreira conseguiu ficar à frente de Marisa Matias na competição à esquerda do PS. Excluindo eleições autárquicas, desde 2014 que a CDU não ficava à frente do Bloco de Esquerda. Os bloquistas suplantaram os comunistas nas legislativas de 2015, nas europeias de 2019 e nas legislativas do mesmo ano. Além deste saborzinho contra uma esquerda que o PCP considera plastificada, moderna e caviar, João Ferreira tem ainda a vantagem de ter melhorado o resultado em termos percentuais de Edgar Silva em 2016 e de ser o mais bem classificado depois dos big three (Marcelo-Gomes-Ventura) que ocuparam o espaço mediático. Por outro lado, está longe dos resultados de Carvalhas e Jerónimo e teve menos 120 mil votos, imagine-se, que Francisco Lopes. E, em termos absolutos, teve mesmo menos 2 mil votos que Edgar Silva. Se a ideia do partido era legitimar João Ferreira como o sucessor incontestado de Jerónimo de Sousa, estes 4,3% não chegam.