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Sessão solene comemorativa do 48º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República. Contou com a presença do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, do primeiro-ministro, António Costa, do Governo, dos deputados e de vários convidados. José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda Lisboa, 25 de Abril de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"Ouvir Medina é igual a ouvir qualquer economista de direita"

Em entrevista ao Observador, José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, acusa o Governo socialista de nada fazer para enfrentar o ciclo de inflação e adotar um caminho de "empobrecimento" do país.

Pessimismo, resistência e regresso às origens. Os bloquistas acreditam que a maioria absoluta do PS vai resultar num retrocesso em relação à agenda progressista seguida durante a era ‘geringonça’ e reconhecem que é preciso voltar às ruas para ultrapassar a menor centralidade do Parlamento.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, o bloquista deixa claro que o partido não se arrepende de ter feito parte da ‘geringonça’. Ao mesmo tempo, defende que os socialistas nunca mudaram — limitaram-se a reconhecer a evidência de não terem força suficiente para governar sozinhos. “O PS é muito suscetível aos interesses dos grandes grupos económicos e nunca mudou a sua natureza”, diz.

Sobre o futuro, José Soeiro defende a continuidade de Catarina Martins para lá de 2023, altura em que o partido terá a sua Convenção Nacional, exclui-se da corrida à sucessão, aconteça ela quando acontecer, e admite que Mariana Mortágua seria uma “excelente solução”.

Em relação ao momento interno do Bloco — que foi obrigado a despedir funcionários e a encerrar sedes — José Soeiro, responsável político do partido pelos assuntos relacionados com o Trabalho, não esconde a delicadeza da situação. “Não, claro que não é fácil digerir a situação”, assume.

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“O PS nunca quis enfrentar os interesses patronais”

Na cerimónia do 25 de Abril, fez uma longa intervenção sobre as pessoas de quem, coletivamente, nos vamos esquecendo ou que vão ficando para trás. “Estamos em 2022 e não estamos satisfeitos”, disse. Se tiver oportunidade de voltar a tomar a palavra em 2026, depois de quatro anos de maioria absoluta do PS, acredita que vai dizer “estamos mais satisfeitos”?
Infelizmente não tenho muito essa expectativa, até pelos sinais que estão aí. Nessa intervenção, quis precisamente salientar a importância do trabalho invisível de tanta gente e não vejo que essas pessoas estejam a ter a atenção e a consideração que deveriam ter.

Mas falava dos sinais que o Governo socialista agora com maioria absoluta tem dado.
Sim. Basta olhar para sinais que são dados para quem depende do seu salário para viver, para quem vê os preços a subir, para quem sabe que vai perder poder de compra, para quem depende da pensão… o que está a acontecer é um aumento do desequilíbrio e das dificuldades.

De qualquer forma, houve um percurso conjunto entre PS e Bloco de Esquerda nos quatro/cinco anos. O Bloco reconhece responsabilidades por não ter conseguido ir mais longe na defesa da sua agenda?
Na relação que existia, o PS não tinha força suficiente para impor totalmente o seu programa, mas o Bloco e o PCP também não tinham a força suficiente para que algumas matérias que para nós eram centrais — como a questão do trabalho — avançassem. É uma das dimensões em que o balanço dos anos da ‘geringonça’ é menos positivo. Estruturalmente, as regras do trabalho não foram alteradas. Continuamos a ter um desequilíbrio brutal que foi inscrito no tempo da troika e não conseguimos reverter.

Qual é a justificação que o Bloco encontra para essa resistência do PS?
Possivelmente porque concorda com essas normas. O PS não quis mexer nisso e nem sequer esteve disponível para voltar àquilo que era a posição do próprio PS em relação a algumas dessas matérias antes da troika. Quando houve uma alteração sobre as regras de despedimento, o então deputado socialista José António Vieira [que seria ministro do Trabalho e da Segurança Social] disse que era uma das reformas mais tristes e mais lamentáveis. Depois, nem sequer estiveram disponíveis para regressar à posição que tinham tido. O PS não quis enfrentar os interesses patronais e utilizou sempre o argumento europeu (“não podemos entrar no radar da Europa e não queremos mudar a legislação”).

"Basta olhar para sinais que são dados para quem depende do seu salário para viver, para quem vê os preços a subir, para quem sabe que vai perder poder de compra, para quem depende da pensão... o que está a acontecer é um aumento do desequilíbrio e das dificuldades"

Geringonça? “Não nos arrependemos de nada”

Na última reunião da Comissão Política Nacional, que decorreu no sábado, Catarina Martins assumiu que “o PS fechou em definitivo o breve parêntesis aberto com a geringonça e abandona até os poucos e modestos objetivos de política social que se tinha colocado nesses anos”. Olhando em retrospectiva, o saldo que resultou daquele acordo político assinado em 2015 é mais negativo do que positivo?
Positivo. Obviamente.

Não se arrependem de nada?
Nada. Foi importantíssimo, parou uma lógica de destruição que estava em curso, permitiu reverter algumas medidas e avançar em alguns aspetos fundamentais. Não me arrependo de absolutamente nada. O que lamentamos é que, a partir de um determinado momento, se tenha esgotado a agenda dos compromissos que estavam estabelecidos e o PS não tenha querido continuar.

“O PS nunca mudou a sua natureza”

No final dessa mesma reunião, Catarina Martins disse que o PS tinha voltado ao que sempre foi: “assumiu o argumentário da direita”, “é mais “papista do que o Papa de Bruxelas” e fechou “o breve parêntesis da geringonça”. Foi o PS que mudou ou foi o Bloco de Esquerda que preferiu não ver a verdade? De outra forma: o Bloco deixou-se instrumentalizar?
O que mudou foi a relação de forças. Em 2015, o PS não foi o partido mais votado e não podia formar um governo sozinho. Por outro lado, a esquerda à esquerda do PS tinha tido um resultado importante e a direita estava em minoria. O que mudou não foi a natureza dos partidos; foi uma configuração parlamentar que tornou necessária essa solução.

Este diagnóstico crítico do que é hoje o PS assenta também em parte…
Mas o PS nunca foi diferente. A esquerda é que teve peso para impor algumas coisas e para levar para a frente uma agenda mais progressista, de maior justiça no trabalho. Veja: o PS assinou o memorando da troika; os governos do PS foram, historicamente, os que mais privatizaram; o PS é responsável, ou corresponsável, por algumas das alterações que mais desequilibraram as relações de trabalho em Portugal; o PS é muito suscetível aos interesses dos grandes grupos económicos; o PS nunca mudou a sua natureza.

Mas sobre o Orçamento do Estado. O Bloco argumenta que António Costa recusa dar respostas concretas ao aumento da inflação. O Governo está a aproveitar a inflação para manter as contas certas?
Penso que é pior do que isso. Historicamente, há duas formas de abordar as crises de inflação: ou procuramos intervir no lado da formação de preços — na na energia, na distribuição –, ou achar que se vai controlar a inflação fazendo repercutir os seus efeitos nos salários.

Há vários economistas, e o próprio Governo, que dizem que esse aumento de salários podia ter um efeito ainda pior no aumento da inflação.
É verdade que há um debate económico sobre isso, mas está longe de estar estabelecido que existe uma casualidade entre salários e a inflação. E sabemos que esta espiral inflacionista não foi causada pelo aumento de salários. A origem da inflação que estamos a viver não está nos salários, não está provado e há teoria económica que vai no sentido oposto. De acordo com as contas do próprio Governo, a produtividade vai aumentar em 3,5%, ou seja, vamos ter um aumento maior da produtividade do que de salários e vamos transferir rendimento do trabalho para o capital. Temos também um problema de negligenciar a dimensão das margens de lucro. Alguns setores esta espiral inflacionista está a corresponder um aumento bastante significativo das margens de lucro. Se negligenciamos o efeito da formação de preços e margens de lucro no processo de inflação estamos a retirar da equação a causa principal do processo. Isso faz a diferença entre uma política económica progressista ou política económica à direita. Ouvir as explicações do ministro Fernando Medina não é diferente de ouvir qualquer economista de direita. Dizer que temos de manter os salários estagnados, que não podemos intervir nas margens de lucro, é ignorar o papel que a própria procura pode ter.

"O PS assinou o memorando da troika; os governos do PS foram, historicamente, os que mais privatizaram; o PS é responsável, ou corresponsável, por algumas das alterações que mais desequilibraram as relações de trabalho em Portugal; o PS é muito suscetível aos interesses dos grandes grupos económicos; o PS nunca mudou a sua natureza"

“Há um processo de empobrecimento no país”

Durante o debate do Orçamento do Estado disse que o Governo podia chamar o que quisesse ao Orçamento — até Cátia Vanessa –, mas que os portugueses iam efetivamente perder poder de compra. O PS está a aplicar uma dose própria de austeridade?
É um processo de empobrecimento com outra receita. Não por via do corte de apoios sociais ou aumento dos impostos sobre o trabalho, mas por via de um corte real dos salários que são comidos pela inflação. O efeito é de empobrecimento e de aumento das desigualdades. Podemos chamar o que quisermos, mas o efeito do Orçamento é de empobrecimento — foi justamente o que procuramos estancar e contrariar quando fizemos o acordo de 2015.

Apesar de tudo, o Bloco ainda se quer sentar à mesa de negociações com o Governo?
Neste cenário de maioria absoluta, o próprio PS tem dispensado qualquer articulação com outros partidos, nomeadamente com os partidos à esquerda. A resposta creio que está dada pelos factos.

Mas o Bloco podia fazer alguma diligência nesse sentido.
Com certeza, nós intervimos na Assembleia da República quando apresentamos propostas.

Só nessa dimensão? Ou seja, não vai tentar fazer uma reunião? Reuniões bilaterais, por exemplo?
Não há processo nenhum de preparação conjunta de Orçamentos, o PS apresenta o seu Orçamento. Na verdade, um dos problemas dos Orçamentos anteriores é que, na prática, já não havia um processo de preparação conjunta — o PS fazia os Orçamentos e encenava um processo negocial. Isso agora é ainda mais evidente. Agora, não queremos ficar apenas numa posição de crítica. Queremos que as nossas propostas façam caminho e estamos sempre disponíveis para criar maioria, no Parlamento e na sociedade.

O Bloco de Esquerda acabou por perder força e representação parlamentar. Corre o risco de perder relevância política?
O Parlamento perde alguma centralidade porque um partido que tem maioria absoluta não está obrigado a negociar.

A questão é sobre o Bloco de Esquerda. O partido perde relevância política?
Consequentemente o Bloco e a sua intervenção parlamentar perdem centralidade. Mas penso que a relevância política não é só a que resulta do Parlamento; é também a capacidade que tivermos de, na sociedade, construir uma força material e social para as nossas ideias e para as nossas causas. Isso é um desafio importante num contexto de maioria absoluta em que ganha maior protagonismo a atividade que possa ser desenvolvida na sociedade.

Esses resultados tiveram impacto, naturalmente, na vida interna do partido. Obrigaram a ajustes nas sedes e a despedimentos. Para alguém que tem a “pasta” do Trabalho no Bloco de Esquerda, como é o seu caso, este processo é fácil de digerir?
Não, claro que não. A partir do momento em que tínhamos 19 mandatos e passamos a cinco há uma série de pessoas que vê a relação que tem por via do Parlamento extinguir-se. Também dependemos bastante da subvenção e ao termos uma quebra isso obrigou a uma reestruturação profunda da nossa estrutura profissional. O que procuramos fazer é manter os aspetos fundamentais da nossa capacidade de atuação, mantendo a estrutura nas suas várias dimensões. Procuramos organizar trabalho militante que possa assumir também algumas dessas tarefas de produção de conteúdos e dimensão política. O nosso corpo de profissionais teve que ser muito reduzido.

"O Bloco e a sua intervenção parlamentar perdem centralidade. Mas penso que a relevância política não é só a que resulta do Parlamento; é também a capacidade que tivermos de, na sociedade, construir uma força material e social para as nossas ideias e para as nossas causas. Isso é um desafio importante num contexto de maioria absoluta em que ganha maior protagonismo a atividade que possa ser desenvolvida na sociedade"

“Mariana Mortágua seria uma excelente solução para a sucessão”

Olhando para a frente, a próxima convenção do Bloco de Esquerda está agendada já para 2023. Entende que Catarina Martins se deve recandidatar?
Neste momento essa questão não está colocada.

Essa é uma frase que poderia ser dita no PCP.
Diria que sim [que se deve recandidatar]  .

Exclui a hipótese de vir a coordenar o Bloco de Esquerda? Preferia Mariana Mortágua?
Não tenho nada em mim nesse projeto, não me vejo nesse papel.

Põe-se de fora?
Sim, sim. Não me vejo a assumir essas funções, sinceramente. Há muita gente no Bloco muito preparada para o fazer.

Precisamente. Catarina Martins, com todos os méritos que possa ter, não é eterna. Mariana Mortágua seria uma boa solução?
Com certeza. A Mariana seria uma excelente solução.

Se há muita gente em excelentes condições, além de Mariana Mortágua quem poderia ser?
Pensando no atual grupo parlamentar, mas também nas pessoas que estiveram no Parlamento, há um grupo de dirigentes políticos reconhecidos, que têm capacidade, que estão preparados para isso. Mariana Mortágua faz parte, com grande destaque.

Vamos agora avançar para a segunda fase da nossa refeição, o Carne ou Peixe, em que só pode escolher uma de duas opções. Quem preferia levar a uma marcha de orgulho gay: Rui Moreira ou João Ferreira?
João Ferreira.

Num dia 25 de Abril, preferia descer a Avenida da Liberdade com André Ventura ou João Cotrim Figueiredo?
Acho que não descem a Avenida da Liberdade no 25 de Abril.

João Cotrim Figueiredo desce.
Não subiu? Pensei que tinha feito ao contrário. Como faço o 25 de Abril no Porto acho que não me cruzaria com nenhum. Obviamente que acho que o André Ventura está do lado de lá da democracia.

Cotrim Figueiredo não?
Creio que não.

Com quem preferia subir ao palco numa peça de teatro: Fernando Medina ou Pedro Nuno Santos?
Pedro Nuno Santos.

Quem é que preferia levar ao acampamento do Bloco de Esquerda: Inês Sousa Real ou Rui Tavares?
São os dois bem-vindos.

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