Índice

    Índice

De um lado, Luís Montenegro e João Almeida. Do outro, Pedro Nuno Santos. Os primeiros vestem de laranja e azul, as cores da coligação Portugal à Frente. O segundo equipa de rosa e carrega a bandeira do Partido Socialista. Neste dérbi aveirense, os três partilham o estádio e são homens da terra: conhecem os caminhos que calcorreiam, tratam feirantes e populares por “tu” e bebem do incentivo das claques como é natural nestas coisas. “Não quero voltar ao passado e ao que nós passámos“, pedem os adeptos aos primeiros. “Chega disto, tirem-os de lá“, exigem os rivais ao segundo.

O futuro político do país joga-se também em Aveiro, um distrito que, por tradição, se veste de laranja na hora de contar os votos, mas onde os socialistas conseguiram, em 2005, um score esmagador. Agora, a 4 de outubro, o resultado está longe de estar fechado: numas legislativas onde os eleitores indecisos vão ser a chave, os partidos apostaram as fichas todas nas regiões que podem fazer pender a balança. Aveiro, claro, é uma delas e servirá de palco a três figuras que, num futuro não muito distante, podem mesmo querer vir a disputar as rédeas dos respetivos partidos. E esta campanha pode muito bem ser um estágio para voos maiores.

Na Feira da Palhaça, PSD e CDS “não precisam de fazer muita propaganda”

Sábado, 12 de setembro de 2015. A estação de serviço de Aveiro serviu de ponto de encontro entre Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, e João Almeida, secretário de Estado da Administração Interna e figura destacada do CDS.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já na estrada, a voz de Sérgio Godinho ecoava nas colunas do carro. “Hoje é o primeiro dia, do resto da tua vida…”. Não deixava de ser simbólico, mas não inteiramente verdade. Luís Montenegro e João Almeida começaram os respetivos percursos políticos bem jovens. Este estava longe de ser o primeiro dia da vida de ambos. Tantos anos depois de terem entrado nos partidos pela porta das jotas, hoje são vistos pelos aparelhos partidários como possíveis sucessores de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Mas isso é futuro. Primeiro, a Feira da Palhaça.

À chegada, a comitiva da jota já os aguardava. Bandeiras a postos, vozes afinadas, megafone no volume máximo, era altura de agitar a feira. E a medir pela receção, é caso para dizer que PSD e CDS têm ali os mais fiéis apoiantes. Por entre douradas, sardinhas e carapaus, enchidos vários e doçaria aveirense, o número um e dois da coligação iam distribuindo os brindes da praxe – canetas, saquinhos, propaganda eleitoral -, enquanto cumprimentavam os feirantes e populares. “Olhe que estas canetas fazem melhor as contas“, brincava Luís Montenegro, ao mesmo tempo que João Almeida ensaiava uns beijinhos às senhoras que passavam, ao melhor estilo de Paulo Portas – que no passado sempre se candidatou por Aveiro.

4 fotos

A visita corria bem e até o São Pedro ajudava – as previsões apontavam para um dia chuvoso, mas o sol queimava na pele. A Palhaça estava mesmo a ser um passeio. “Se aguentaram até aqui, agora aguentam até ao fim”, pediam de um lado. “Por favor, não deixem estragar o pouco que foi feito”, repetiam do outro. Jogavam em equipa, sentiam-se em casa e isso notava-se bem. “Já disse e digo em voz alta: vou votar neles. Alguma vez eu mudo a minha face!? Aqui na Palhaça não precisam de fazer muita propaganda“, apregoava uma feirante.

Mas nem com um público tão favorável, a dupla Montenegro/Almeida se livrava de alguns tímidos assobios. “No PSD votava, agora no Portas não. Vai comprar mais algum submarino?“. Sorriso amarelo de João Almeida, resposta diplomática de Luís Montenegro: “Ah, não diga isso. Nós temos é de puxar isto para a frente”.

O espetáculo tinha de continuar. Mais à frente, esperavam-lhes palavras mais simpáticas. “Como é que os outros podem prometer coisas que não podem pagar?”, perguntava um adepto da coligação. “Dê cabo desses filhos da p…”, completava um popular mais exaltado. “Ah, sabe que eu não costumo ter papas na língua, mas sempre com a educação“, ria-se o social-democrata.

Até as provocações eram encaixadas com fairplay. “Eu também tenho aqui uns tachos, não são é tão bons como os vossos”, dizia um… vendedor de panelas. “Olhe, os nossos concorrentes estão-lhes com uma fome [aos tachos]!“, alinhava João Almeida, bem disposto.

Conversa puxa conversa, e ainda havia tempo para rever velhos amigos: Martinelo, um feirante com quem Montenegro tinha partilhado os relvados do Espinho. Antes da fotografia da praxe, uma provocação. “Olha, já podes ir jogar para os veteranos. Tem as duas coisas que são precisas: idade e barriga”, divertia-se Montenegro.

O tempo apertava e era preciso acelerar o passo – o mercado de Águeda esperava-os. Já perto do final do percurso, a voz de Anselmo Ralph saía das colunas de uma banca que vendia CDs. “Eu digo tantas coisa feias / Alguns nomes nos chamámos / Mas depois eu me arrependo, sim / Não ligaaa nãaao…”.

Mas houve quem ligasse. “Não quero nada com vocês. Eu vejo-o [Montenegro] lá na Assembleia, blá-blá-blá… São uma cambada de mentirosos, digam a verdade!“, revoltava-se um popular, no momento mais quente da visita. Era uma batalha perdida e a dupla teve de seguir em frente. Para trás ficou parte da comitiva a tentar acalmar os ânimos.

Ainda assim, muito diferente do que tinha acontecido naquela mesma manhã em Braga. A caminho de Águeda, no rádio do carro uma voz feminina contava como Passos e Portas tinham sido recebidos com insultos e protestos dos lesados do BES e professores. Luís Montenegro e João Almeida escutavam em silêncio. O que pensavam sobre o que acabaram de ouvir é difícil dizer. Já em Águeda, ambos reconheceriam que os acidentes de percurso fazem parte da campanha e que Aveiro não será diferente.

“O distrito de Aveiro” dará um “contributo muito grande” para a “renovação da nossa maioria absoluta no Parlamento”, começava por dizer Luís Montenegro. “Naturalmente que daqui até dia 4 não vamos regatear nenhum esforço para contactar o máximo número de pessoas. [Sabemos] que nem toda a gente vai votar na coligação, mas a grande maioria das pessoas, para não dizer a quase totalidade, mostra uma recetividade e uma abertura a poder dialogar connosco que é muito significativa”.

João Almeida assinava por baixo. “Temos perfeita noção que, passados quatro anos de um período complicado, a disponibilidade para falarmos com as pessoas é essencial. Nós queremos fazer o máximo contacto direto nesta campanha. Temos muito confiança que, estando perto das pessoas, falando com as pessoas, ouvindo as pessoas, vamos ouvir muitas mais vezes aquilo que ouvimos esta manhã, repetidas vezes: as pessoas não querem voltar para trás e sabem perfeitamente que o país está a fazer um caminho, que esse caminho não terminou e que esse caminho não pode ser interrompido a meio”.

E no caminho de ambos, avançar para a liderança dos respetivos partidos estará no horizonte? Luís Montenegro tem respondido, em diversas ocasiões, que essa é uma questão que só se deve colocar daqui a muitos anos. O nome de João Almeida tem sido mesmo avançado por Paulo Portas como possível sucessor, a par de um vasto leque de protagonistas – Nuno Melo, Assunção Cristas, Pedro Mota Soares. Mas o que pensam os dois sobre essa possibilidade?

Luís Montenegro, que até aos 16/17 anos era o homem-golo do ataque do Espinho, prefere, mais uma vez, jogar à defesa. “É uma questão que não se coloca. O PSD tem o seu líder perfeitamente firme, consistente, com uma ligação enorme com os militantes e com o eleitorado, como de resto se vai percebendo nestas eleições. E eu já tenho repetido: acho que, pelo menos até 2020/2021, essa questão não se coloca. É muito cedo para quem quer que seja entrar nesse tipo de cenarização que não tem, de facto, interesse, nem nenhum tipo de fundamento”.

À defesa prefere jogar também João Almeida, a quem o bichinho da bola não é, igualmente, indiferente – o centrista chegou a ser presidente d’Os Belenenses e ainda hoje vai dando uma perninha na equipa de veteranos. “É evidente que estando nós tão empenhados nesta campanha, estamos a fazer tudo para que essa discussão não exista porque a estabilidade que nós pretendemos para o país é também a estabilidade que queremos para os dois partidos. Estamos a dar tudo nesta campanha para que não haja discussões de liderança no PSD e no CDS tão cedo“. Caso para dizer que: Discussões sobre o futuro do partido, só no fim do jogo. Ou das eleições, neste caso.

“Ninguém aguenta o ritmo do Pedro Nuno”

O ponteiro mais pequeno do relógio já ultrapassava as duas da tarde. À mesa d’O Tasco, no Furadouro, o robalo grelhado e a imperial ajudavam a alimentar a conversa. O duelo de véspera com Teresa Leal Coelho (PSD), no “Expresso da Meia Noite”, fazia o resto. O programa, gravado em Lisboa, nos estúdios da SIC Notícias, roubou-lhe a hipótese de se juntar à comitiva socialista que durante a manhã percorreu, precisamente, o mercado de Águeda – por minutos, coligação e socialistas não se cruzaram num território desbravado horas antes pelo bloquistas de Aveiro. Um mercado transformado em caldeirão de brindes e propaganda eleitoral.

Agora, o destino era outro: as Festas do Mar, no centro de Ovar. Com 29.765 habitantes, este município aveirense pertencia ao PS desde 1993. A autarquia fugiu aos socialistas em 2013. Passou a ser mais ponto laranja no mapa de Aveiro. Pedro Nuno Santos, natural de São João da Madeira, vice-presidente da bancada socialista e presidente da Federação de Aveiro do PS, tentava, no entanto, jogar com o histórico favorável do concelho.

Já na rua, a banda que acompanhava a comitiva marcava o ritmo e a Juventude Socialista, com bandeiras brancas, vermelhas e amarelas, fazia o resto. “Aqui eles [PSD/CDS] não tocam na chicha!”, garantia um popular, bigode farfalhudo e barriga quase a explodir. Seria uma tarde tranquila para Pedro Nuno e companhia.

5 fotos

De esplanada em esplanada, os brindes – canetas, chapéus, propaganda eleitoral – iam saindo a um ritmo frenético. Por entre sorrisos e “boa tardes”, alguns pedidos. “Chega disto, chega. Tirem-os de lá”, diziam uns. “Aumentem o rendimento aos pobres“, apelavam outros. Pelo meio, um abraço e um elogio ao desempenho no debate da noite anterior com Teresa Leal Coelho. O estilo combativo do socialista era celebrado nas ruas de Ovar.

Um passeio numa tarde solarenga. Ao contrário da feira da Palhaça, as ruas de Ovar não davam azo a grandes gestos espontâneos, mas as felicitações de quem se cruzava com a comitiva ajudavam a pintar um quadro só borratado aqui e ali por alguns momentos mais constrangedores. “Eu queria o Costinha. Queria vê-lo, mas não o vejo“, lamentava, desiludida, uma senhora de caneta e chapéu na mão. “Ele hoje não está, mas há-de vir cá”, garantia Rosa Maria Albernaz, número três do partido por Aveiro. “Olha os ladrões, filha. Foge, foge!“, dizia um pai a uma criança com pouco mais de cinco anos.

Nada que incomodasse os candidatos que acompanhavam Pedro Nuno Santos.  O momento mais tenso acabou por acontecer quando um jack russel terrier abocanhou uma caneta transformada em brinde e fez com que duas militantes da JS soltassem um guinchinho assustadas com o movimento do canídeo. Nada de especial.

A caminho do bairro dos pescadores, numa cidade vestida de barraquinhas e carrosséis, a música do “Telecomando no Espaço” desafiava a voz do Marante, banda sonora dos carrinhos de choque. “Dá cá, dá cá, dá cá / e não digas que não / Eu sei que vais gostar / que eu pegue na tua mão…“. A ver pela receção no bairro dos pescadores – “Oh Pedro, como estás!?” – socialistas e ovarenses estão em perfeita comunhão. Houve até quem sugerisse abrir uma garrafa de champanhe, mas o socialista dispensou, gentilmente – a abrir por abrir, que seja para celebrar a vitória, no dia das eleições.

O relógio apertava e o tempo ameaçava virar. Era importante acelerar o passo. Tanto que D. Esmeralda, autarca socialista em Ovar desde as primeiras eleições, a poucos dias de completar 72 anos, era obrigado a pedir: “Pedro Nuno, tens de andar mais devagar, senão não aguento“. “Vamos D. Esmeralda, venha aqui para frente”, respondia, bem-humorado, o cabeça de lista do PS em Aveiro. “Ninguém aguenta o ritmo do Pedro Nuno“, divertiam-se os restantes. Caso para perguntar: a este ritmo, onde é que “o Pedro Nuno” vai parar? As cartas estão postas em cima da mesa.

Se é verdade que Pedro Nuno Santos pertence ao núcleo duro de António Costa, a relação pessoal entre os dois não é das mais próximas. Esse é um dado conhecido. Mas isso não impediu que Costa se rodeasse de Pedro Nuno Santos e dos jovens turcos, nem tampouco que Pedro Nuno apoiasse António Costa nas primárias do partido – o PS de António José Seguro não conseguia descolar nas sondagens e continuava a não conseguir convencer uma parte do partido. O antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa era a chave para vencer as eleições, acreditava Pedro Nuno Santos. Para vencer com maioria absoluta. Uma hipótese que, se antes parecia provável, as sondagens têm vindo a afastar.

Na biografia não autorizada de António Costa, “Quem disse que era fácil?”,  assinada pelos jornalistas Bernardo Ferrão e Cristina Figueiredo, um ex-dirigente do PS revela que, no partido, começam-se, discretamente, “a antecipar cenários”. Em caso de derrota nas legislativas, pode muito haver uma “cisão entre um PS assumidamente de esquerda e um mais social-democrata“. O primeiro grupo teria como protagonista Pedro Nuno Santos; o segundo seria liderado Francisco Assis. A correr numa eventual terceira pista, alguém vindo da ala segurista (Álvaro Beleza, por exemplo) ou o próprio António José Seguro. Já se contam espingardas no Largo do Rato?

Essa questão não tem qualquer sentido. Nós estamos a trabalhar para vitória do PS, para a vitória de António Costa. É nisso que estamos focados e em mais nada para além disso. Esse é o grande objetivo do PS e o PS em Aveiro quer contribuir para essa vitória”, garante ao Observador Pedro Nuno Santos.

Mesmo que essa vitória por maioria absoluta seja agora “um desafio difícil“, como reconhece. O compromisso no entanto mantém-se: “Continuar a batalhar” por uma “vitória que nos dê estabilidade governativa”. Pela frente, os socialistas têm “três semanas para conseguir convencer não só o eleitorado da necessidade da vitória do PS, “mas também de uma maioria”. “O risco dessa instabilidade”, continua Pedro Nuno Santos, “existe se nós não conseguirmos essa maioria absoluta”.

“A terminar, um piscar de olho ao eleitorado mais à esquerda do PS. “É importante que o eleitorado mais à esquerda possa perceber que, primeiro, apenas o PS pode derrotar a coligação de direita e que essa dificuldade de entendimento à esquerda exige um reforço do voto no PS”

Depois de “quatro anos de austeridade” e de um governo de direita é preciso “iniciar uma mudança”, defendem os socialistas. Dependendo dos resultados nas eleições legislativas, essa mudança pode acontecer também no interior da coligação ou na liderança do Largo do Rato. O melhor mesmo é esperar pelo dia 5 de outubro.

*Artigo atualizado e corrigido com a cor política da Câmara Municipal de Ovar