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O Papa Francisco tem colocado as preocupações ambientais entre as prioridades do seu pontificado
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O Papa Francisco tem colocado as preocupações ambientais entre as prioridades do seu pontificado

Getty Images

O Papa Francisco tem colocado as preocupações ambientais entre as prioridades do seu pontificado

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Papa Francisco. Crise ambiental é efeito de um "olhar doente sobre nós próprios"

O Observador faz a pré-publicação de um texto inédito do Papa Francisco sobre questões ambientais, integrado no livro "A Nossa Mãe Terra", que sai para as livrarias nesta sexta-feira.

Vários discursos, homilias e intervenções públicas, bem como um texto inédito do Papa Francisco sobre a crise climática, compõem o livro “A Nossa Mãe Terra“, publicado nesta sexta-feira em língua portuguesa pela editora católica Paulinas. Trata-se de um volume que reúne as principais ideias do Papa argentino sobre as questões ambientais, que desde o início do pontificado de Bergoglio têm assumido um lugar central na mensagem de Francisco.

O Observador faz a pré-publicação de parte deste texto inédito do Papa Francisco, com o título “Uma Grande Esperança”. Neste documento, Francisco argumenta que “a poluição, as mudanças climáticas, a desertificação, as migrações ambientais, o consumo insustentável dos recursos do Planeta, a acidificação dos oceanos, a redução da biodiversidade são aspetos inseparáveis da desigualdade social”.

Francisco apela à busca de soluções mais abrangentes para os problemas ambientais: “Um dos grandes riscos do nosso tempo, então, frente à grave ameaça para a vida no Planeta provocada pela crise ecológica, é o de não ler este fenómeno como o aspeto de uma crise global, mas de nos limitarmos a procurar soluções puramente ambientais – embora estas sejam necessárias e indispensáveis. Ora, uma crise global exige uma visão e uma abordagem global, que passa, antes de mais, por um renascimento espiritual no sentido mais nobre do termo.”

O livro "A Nossa Mãe Terra", do Papa Francisco, é editado em português pela Paulinas

Para viver como dom e revelar uma presença

Tudo aquilo que existe, existe para podermos «viver» como Deus, isto é, como dom, como amor acolhido e entregue. A criação, porém, só pode viver isto mediante o homem. Só no homem, microcosmo que condensa o universo em si, mas que vive do alento que o Deus pessoal insuflou diretamente nas suas narinas, o mundo pode corresponder à sua sacramentalidade secreta, ou seja, pode ser visto como dom.

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Um dom é sempre uma realidade pessoal: de certo modo, contém quem o deu e pede àquele a quem é oferecido precisamente que o veja assim, como uma realidade transparente do rosto do doador, um dom concedido para se saber que se ama e para fazer da vida do outro uma comunhão consigo mesmo. Compete ao homem decifrar com liberdade e criatividade a revelação deste dom. E também compete ao homem apreender o mundo na sua comunhão com Deus.

O destino do homem determina o destino do mundo

A criação é, portanto, um lugar onde somos convidados a descobrir uma presença. No entanto, isso significa que é a capacidade de comunhão do homem que condiciona o estado da criação. É esta a nossa grande responsabilidade. Quando não conseguimos decifrar a presença que habita as coisas, tudo se torna banal e opaco, deixa de ser um meio de comunhão e torna-se uma ocasião de tentação e de tropeço. Tudo isso começa no coração de cada um de nós e difunde-se através de pensamentos, intenções, comportamentos e hábitos, tanto a nível individual como de grupos sociais. Para fazer parte desta cadeia que banaliza ou deturpa o dom da criação, não é necessário, portanto, ser criminosos: é «suficiente» não reconhecer o dom que é o outro – qualquer outro –, desde o familiar ao nosso vizinho, desde o colega de trabalho ao pobre que eu encontro na rua, desde o amigo ao migrante que procura trabalho ou um apartamento onde viver… Aquilo que sucede no coração do homem tem um significado universal e imprime-se no mundo. É, portanto, o destino do homem que determina o destino do universo.

O desastre ambiental: um aspeto da crise do nosso tempo

Precisamente por tudo estar interligado (cf. Laudato si’ nn. 42 e 56) no bem, no amor, precisamente por isso, qualquer falta de amor tem repercussões sobre todo o resto. Por isso, a crise ecológica que estamos a viver é, antes de mais, um dos efeitos deste olhar doente sobre nós próprios, sobre os outros, sobre o mundo, sobre o tempo que corre; um olhar doente que não nos permite apreender tudo como um dom oferecido para nos revelar que somos amados. É este amor autêntico, que por vezes chega a nós de uma forma inimaginável e inesperada, que nos pede para revermos os nossos estilos de vida, os nossos critérios de juízo, os valores sobre os quais fundamos as nossas escolhas. Com efeito, já é sabido que a poluição, as mudanças climáticas, a desertificação, as migrações ambientais, o consumo insustentável dos recursos do Planeta, a acidificação dos oceanos, a redução da biodiversidade são aspetos inseparáveis da desigualdade social (cf. Evangelii gaudium, nn. 52-53; 59-60; 202): da crescente concentração do poder e da riqueza nas mãos de pouquíssimos e das chamadas sociedades do bem-estar, das loucas despesas militares, da cultura do descarte e de uma falta de consideração do mundo pelo ponto de vista das periferias, da falha na proteção das crianças e dos menores, dos idosos vulneráveis e dos bebés ainda por nascer.

Um desafio cultural

Um dos grandes riscos do nosso tempo, então, frente à grave ameaça para a vida no Planeta provocada pela crise ecológica, é o de não ler este fenómeno como o aspeto de uma crise global, mas de nos limitarmos a procurar soluções puramente ambientais – embora estas sejam necessárias e indispensáveis. Ora, uma crise global exige uma visão e uma abordagem global, que passa, antes de mais, por um renascimento espiritual no sentido mais nobre do termo. Paradoxalmente, as mudanças climáticas poderiam vir a ser uma oportunidade para nos interrogarmos profundamente sobre o mistério do ser criado e sobre aquilo por que vale a pena viver. Isto levaria a uma profunda revisão dos nossos modelos culturais e económicos, em vista de um crescimento em termos de justiça e de partilha, de redescoberta do valor de cada pessoa, de empenho no sentido de que quem hoje se encontra nas margens possa ser incluído e quem nascer amanhã também possa gozar da beleza do nosso mundo, que é e que sempre continuará a ser um dom oferecido à nossa liberdade e à nossa responsabilidade.

"Um dos grandes riscos do nosso tempo, então, frente à grave ameaça para a vida no Planeta provocada pela crise ecológica, é o de não ler este fenómeno como o aspeto de uma crise global, mas de nos limitarmos a procurar soluções puramente ambientais – embora estas sejam necessárias e indispensáveis"

A cultura dominante – aquela que respiramos através das leituras, dos encontros, do lazer, nos meios de comunicação, etc. – está fundada sobre a posse: de coisas, de êxito, de visibilidade, de poder. Quem tem muito vale muito, é admirado e considerado e exerce uma certa forma de poder; quem tem pouco ou nada, porém, corre o risco de perder o próprio rosto, porque desaparece, transformando-se num daqueles seres invisíveis que povoam as nossas cidades, uma daquelas personagens das quais não nos apercebemos ou com as quais tentamos não entrar em contacto.

Certamente cada um de nós é sobretudo vítima desta mentalidade, porque somos bombardeados por ela de muitas maneiras diferentes. Desde crianças, crescemos num mundo onde uma ideologia mercantil difusa, que é a verdadeira ideologia e prática da globalização, estimula em nós um individualismo que dá lugar ao narcisismo, à cobiça, a ambições elementares e à negação do outro… Portanto, nesta nossa situação atual, uma atitude justa e sábia, ao contrário da acusação ou do juízo, é principalmente a da tomada de consciência.

Com efeito, estamos envolvidos em estruturas de pecado (como lhes chamava São João Paulo II) que produzem o mal, contaminam o ambiente, ferem e humilham os pobres, favorecem a lógica da posse e do poder, exploram de forma exagerada os recursos naturais, obrigam populações inteiras a deixar as suas terras, alimentam o ódio, a violência e a guerra. Trata-se de uma tendência cultural e espiritual que provoca uma distorção do nosso sentido espiritual que, vice-versa – em virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus –, nos orienta naturalmente para o bem, para o amor e para o serviço prestado ao próximo.

Por esse motivo, a viragem não poderá ocorrer apenas pelo nosso empenho ou por uma revolução tecnológica: sem transcurar tudo isso, precisamos de nos redescobrir como pessoas, ou seja, como homens e mulheres que se reconhecem incapazes de saber quem são sem os outros, e que se sentem chamados a considerar o mundo à sua volta não como um objetivo em si mesmo, mas como um sacramento de comunhão.

Voltar a partir do perdão

Deste modo, os problemas de hoje podem tornar-se autênticas oportunidades de nos descobrirmos verdadeira mente como uma única família, a família humana.

Enquanto tomamos consciência de que estamos a falhar o objetivo, de que estamos a dar prioridade àquilo que não é essencial ou até àquilo que não é bom e que faz mal, pode nascer em nós o arrependimento e o pedido de perdão. Sonho sinceramente com um aumento da consciência e um arrependimento sincero por parte de todos nós, homens e mulheres do século XXI, crentes ou não, por parte das nossas sociedades, por nos termos deixado dominar por lógicas que dividem, que provocam a fome, que isolam e que condenam. Seria maravilhoso se nos tornássemos capazes de pedir perdão aos pobres, aos excluídos; então passaríamos a ser capazes de nos arrepender sinceramente do próprio mal infligido à terra, ao mar, ao ar e aos animais…

Em abril de 2019, o Papa Francisco cumprimentou a ativista sueca Greta Thunberg no Vaticano

NurPhoto via Getty Images

Pedir e conceder o perdão são ações que só são possíveis pelo Espírito Santo, porque é Ele o artífice da comunhão que abre as reclusões dos indivíduos; e é necessário muito amor para pôr de parte o próprio orgulho, para nos darmos conta de que errámos e para termos esperança de que são verdadeiramente possíveis novos caminhos. O arrependimento, portanto, para todos nós, para a nossa era, é uma graça a implorar humildemente ao Senhor Jesus Cristo, a fim de que, na história, esta nossa geração possa ser recordada, não pelos seus erros, mas pela humildade e a sabedoria de ter sabido inverter a sua rota.

Um caminho possível

Tudo o que eu estou a dizer talvez possa parecer idealista e pouco concreto, visto parecerem mais fáceis de percorrer os caminhos que apontam para o desenvolvimento das inovações tecnológicas, para a redução do recurso às embalagens, para o desenvolvimento da energia a partir de fontes renováveis, etc. Tudo isso é, sem dúvida, não só imperioso, mas necessário. Todavia, não é suficiente. A ecologia é ecologia do homem e da criação inteira, não só de uma parte dela. Assim como numa grave doença não basta apenas a medicina, mas é necessário observar o doente e entender as causas que o levaram a contrair o mal, do mesmo modo a crise do nosso tempo deve ser abordada nas suas raízes. O caminho proposto consiste, então, em repensar o nosso futuro a partir das relações: os homens e as mulheres do nosso tempo têm tanta sede de autenticidade, de rever sinceramente os critérios da vida, de se reorientarem para aquilo que tem valor, restruturando a existência e a cultura.

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