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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR
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Patrícia Gaspar, da Proteção Civil: "Até a morte me desejaram"

Patrícia Gaspar diz que portugueses têm de defender "Aldeias Seguras" do caso das "golas". E defende o regresso do Serviço Militar Obrigatório, que pode ser cumprido nos bombeiros, PSP ou GNR.

Patrícia Gaspar provocou um burburinho na sala do SummerCEmp quando, perante 40 jovens, disse que era, a título pessoal, a favor do regresso do Serviço Militar Obrigatório. Disse que podiam chamar-lhe outra coisa qualquer —”assobio”, por exemplo, se quisessem —, mas que fosse um programa que incutisse aos jovens os valores militares. Pouco depois, em entrevista ao Observador, num estúdio de rádio improvisado que lhe fez lembrar um “centro de comando”, a porta-voz da Autoridade Nacional da Proteção Civil aprofundou a ideia. Disse que esse serviço obrigatório podia ser num período mais curto e podia ser militar ou cívico, sendo cumprido no exército, nas forças de segurança, como a GNR ou a PSP, ou nas corporações de bombeiros.

Não quis falar muito mais sobre o caso das “Golas”, mas diz que todos os portugueses têm responsabilidade de fazer com que o caso não contamine o programa Aldeias Seguras Pessoas Seguras, que considera das coisas “mais bem feitas” na área da Proteção Civil em Portugal. A comandante queixa-se que em Portugal “toda a gente virou perito” em incêndios. E conta como até lhe desejaram a morte por causa dos incêndios de Monchique.

Após os incêndios de 2017, com uma mortalidade elevada, em 2018 Monchique foi o maior incêndio da Europa. Em 2019 ainda não aconteceu nenhum com uma dimensão extraordinária. Isto acontece mais por causa do clima do que por eficiência da Proteção Civil, como muita gente diz?
É um conjunto de tudo. É óbvio que 2017 foi um ano de viragem. Foi o ano que ninguém queria ter vivido, era o ano que nós gostávamos que não tivesse acontecido, mas infelizmente aconteceu. Nós, Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), mas sobretudo o país, tentámos retirar de 2017 aquilo que se costuma chamar as lições aprendidas. Identificámos o que é passível de ser melhorado, corrigido, alterado. Estas alterações e grande parte destas mudanças não se conseguem fazer do dia para a noite, levam tempo a implementar. E levam tempo a serem percetíveis por parte do grande público, sobretudo naquilo que diz respeito ao ordenamento florestal no nosso país. Todos sabemos também obviamente que a condição meteorológica é decisiva na questão dos incêndios florestais.

Então o clima tem sido, de facto, uma ajuda.
O clima é parte desta ajuda este ano. Temos tido períodos de menor severidade ou pelo menos com condições meteorológicas menos favoráveis à progressão dos incêndios. E, portanto, tirando aquele episódio em Vila de Rei há umas semanas, temos tido menos condições para que os incêndios se desenvolvam com dimensões ou proporções mais catastróficas. Mas isto também é o resultado das medidas que têm vindo a ser implementadas. E, sobretudo, queremos acreditar que é resultado de uma alteração de comportamentos. Sabemos que mais de 90% das ignições têm origem no comportamento humano, sabemos que grande parte dos incêndios são provocados por queimas e queimadas e verifica-se que tem havido diariamente um decréscimo do número de ocorrências.

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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

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Passou também pela mudança de comportamento dos portugueses.
Sim. Queremos acreditar que os portugueses ouviram a mensagem, incorporaram a urgência de adaptar o seu comportamento ao espaço florestal. E [interiorizaram]: ‘Eu não posso, efetivamente, brincar com o fogo. Não posso. Não posso usar o fogo em dias em que o risco de incêndio é elevado’. Portanto, toda esta insistência que temos feito no sentido de passar esta mensagem para os portugueses. Isto não é retirar a responsabilidade das autoridades, é uma responsabilidade nacional. Durante muitos anos, o grande mote da nossa campanha foi: Portugal sem fogos depende de todos. Agora estamos no Portugal Chama. Chama por si. Chama por todos. E é muito isto. Ou seja: a defesa da floresta contra incêndios só irá ser uma realidade no dia em que todos nós, serviços públicos, seja a nível central, seja a nível local.

"2017 foi o ano que ninguém queria ter vivido, era o ano que nós gostávamos que não tivesse acontecido, mas infelizmente aconteceu"

Antigamente a proteção da floresta passava muito pelas populações que limpavam os terrenos e protegiam as aldeias do fogo. Eram a primeira barreira de proteção. A desertificação do interior também propicia os incêndios?
Sem dúvida. A desertificação, o abandono do espaço rural, são as tais áreas onde nós não conseguimos operar mudanças do dia para a noite. E muitas das vezes nem de um ano para o outro. Nessas áreas o esforço está a ser feito também. O resultado provavelmente só virá daqui a algum tempo, mas é um dos fatores obviamente que concorre para o facto de termos condições ao nível dos combustíveis que propiciam incêndios de maior dimensão. Quando os espaços estão limpos, os incêndios não crescem tanto.

Para ouvir um excerto da entrevista a Patrícia Gaspar, clique aqui:

Patrícia Gaspar, da Proteção Civil: “2017 era o ano que nós gostávamos que não tivesse acontecido”

E as alterações climáticas? Em Portugal sempre houve problemas de incêndios e registos de temperaturas altas, tempo seco e ventos fortes no verão ao longo do último século. A severidade dos incêndios está ou não associada às alterações climáticas?
Todos os estudos apontam muito nesse sentido. Não só aqui em Portugal como em todo o espaço europeu e no resto do mundo. Se durante algum tempo se questionava que esta questão das alterações climáticas era uma realidade ou era um mito, penso que neste momento já não há dúvidas. Eu não sou meteorologista, mas nós trabalhamos de forma muito próxima como a comunidade científica. Estive no início do mês de junho num seminário internacional nos Açores, onde integrei painéis com cientistas e com elementos que estudam a fundo estas matérias e todos foram perentórios em afirmar que temos neste momento condições meteorológicas e climáticas que vão proporcionar a ocorrência de eventos cada vez mais catastróficos. E, portanto, os incêndios florestais são uma das diferentes áreas onde isto se pode materializar, não são só os incêndios. São outras como as condições meteorológicas adversas, os períodos de grande seca.

E é possível contrariar?
A resposta aqui é bicéfala: por um lado temos de tentar inverter a tendência que tem criado estes fenómenos, se é que é possível, e eu por aí não entrava muito porque não é de facto a minha área. Por outro lado, é adaptar os sistemas de resposta a estas situações. Ou seja, estarmos cada vez mais preparados, termos territórios mais resilientes, apostar cada vez mais na proteção, na prevenção e na preparação das comunidades. E isto começa na minha comunidade local, na minha junta de freguesia e vai até ao governo central, à administração central do Estado. Portanto, isto não é algo que se consiga fazer de forma isolada ou de forma, digamos, em caixinhas ou em gavetas. Isto é um trabalho que só vai funcionar se for feito de forma integrada. E esta preparação das populações é absolutamente fundamental para mitigar o efeito destas situações quando elas acontecem porque eu efetivamente não consigo ter um bombeiro atrás de cada pessoa.

"[O Serviço Militar Obrigatório] é algo em que eu, de facto, acredito. Criar condições para que num período mais curto de tempo, que podia ser nas Forças Armadas ou nas forças e serviços de segurança ou até nos corpos de bombeiros."

No painel em que falou no SummerCEmp, defendeu algo que provocou logo burburinho na sala quando defendeu que devia haver um Serviço Militar Obrigatório, que até podia ser um Serviço Civil Obrigatório. Quer explorar essa ideia?
Esta é uma opinião minha que obviamente não pode vincular a ANEPC. Mas é algo em que eu, de facto, acredito. Criar condições para que num período de tempo, sem prejudicar aquilo que é o desenvolvimento académico e formativo dos jovens, que não seja um empecilho como em tempos chegou a ser o Serviço Militar Obrigatório. Eu lembro-me de colegas meus que perderam o emprego, oportunidades de emprego que tiveram porque tinham de ir cumprir o serviço naquele momento. Portanto, acredito que um período mais curto de tempo, que podia ser nas Forças Armadas ou nas forças e serviços de segurança ou até nos corpos de bombeiros. Permitia trazer os jovens para uma dimensão cívica que eu acho que é absolutamente fundamental. Não há dúvida que estas novas gerações têm acesso a coisas absolutamente fantásticas que, no meu tempo, não tínhamos. Mas também noto, pessoalmente, uma certa descolagem daquilo que é a comunidade, os valores da sociedade. E, portanto, esta nova sociedade pode também gerar problemas de egoísmo, de isolamento, naquilo que são os meus interesses individuais, do meu grupo pequenino.

Tem esses valores e a ética militar e falava nessa crise de valores nos jovens, mas também não a choca quando sabe que, na estrutura de Proteção Civil, houve uma secretaria de Estado que fez ajustes diretos a uma empresa próxima do adjunto?
Questões políticas obviamente não estou em condições de me pronunciar. Eu percebo a questão, mas esse assunto já foi suficientemente debatido. Não me vou obviamente pronunciar, até porque não acompanhei esses processos. E, portanto, não estaria em condições de o fazer.

Se quiser que eu alargue o âmbito, pode até nem ser apensa na estrutura atual da Proteção Civil, mas foi noticiado que ao longo dos anos o nepotismo e a nomeação de boys afetaram a Proteção Civil.
A mensagem que gostava de passar aqui é que temos um sistema de Proteção Civil que é quase único na Europa, que terá os seus aspetos eventualmente menos positivos, mas que no cômputo geral é um sistema que funciona muito bem, que está muito integrado quer no patamar local, quer distrital, quer nacional, que envolve parceiros da sociedade civil, da comunidade científica, dos diferentes agentes de proteção civil, das diferentes áreas governativas do Estado. Acho que se tem feito um trabalho excecional, que tem dado frutos. Muitas das coisas não correm às vezes à velocidade a que gostaríamos que corressem. Agora, acho que é importante sobretudo passar uma mensagem de tranquilidade, de que estamos atentos àquilo que se está a passar e que estamos todos os dias, desde o bombeiro que apaga o fogo, que vai na ambulância socorrer a pessoa que tem uma doença súbita. Grande parte das ocorrências não são notícia, porque correm bem, porque têm um desfecho positivo, porque se consegue garantir socorro na esmagadora das situações. Portanto, é esta mensagem que eu gostava de deixar aqui.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

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Portugal já utilizou meios do Sistema Europeu de Proteção Civil?
Não. Este ano ainda não foi necessário. Não foi necessário ainda solicitar ou fazer nenhum pedido de assistência internacional no âmbito da União Europeia.

Mas já vieram aviões de Espanha.
Sim, ao nível bilateral houve uma situação em que pedimos ajuda efetivamente porque era um caso muito pontual. Os meios de Espanha estavam aqui mais próximos e, portanto, acionámos o mecanismo bilateral, o protocolo que nos permite solicitar ajuda a Espanha sem ter que abarcar o universo da União Europeia. A nível europeu ainda não foi necessário. O sistema RescUE é o primeiro ano que está em funcionamento. Foi agora ativado pela primeira vez para a Grécia. Tivemos meios de Espanha, Croácia e de Itália, que responderam positivamente a este pedido de Itália. É o primeiro ano que esta nova dimensão do mecanismo europeu está a funcionar. E tenho a firme convicção que no futuro próximo e nos anos seguintes será possível consolidar, de forma cada vez mais estruturada, esta capacidade de intervenção conjunta e estes mecanismos de solidariedade em termos de resposta a catástrofes.

Defendeu no painel do SummerCEmp ser favorável a uma capacidade Europeia de Proteção Civil. Se já nos próprios comandos, muitas vezes há confusão dentro do país, centralizar um combate numa autoridade europeia não ia aumentar a confusão?
Nunca foi isso que esteve em causa, nem nunca isso se debateu.

O programa do PSD às Europeias propunha claramente uma Autoridade Europeia de Proteção Civil.
Ao nível da União Europeia, naquilo que são os documentos e todas as propostas legislativas que têm sido apresentadas em termos de proteção civil na área europeia, essa questão nunca se levantou. Aquilo que se tem debatido, isso sim, é o reforço da capacidade de resposta no âmbito do mecanismo europeu de Proteção Civil. Ou seja: não se fala ao nível das estruturas de decisão ou de comando porque essa continua a ser uma prerrogativa nacional de cada país. É a eventual necessidade de uma capacidade verdadeiramente europeia. Porquê? Porque o mecanismo de Proteção Civil até 2019 basicamente contava com o quê? Com as disponibilidades voluntárias que cada país, a cada momento, confrontado com um determinado pedido de assistência decidia ou não disponibilizar para ajuda ao próximo. E, portanto, havia momentos em que isto corria muito bem, em que tínhamos vários países com disponibilidade para ajudar. No ano passado, Portugal conseguiu projetar dois aviões para a Suécia. Suécia, um país que nunca tinha tido uma situação como aquela que tinha tido em termos de incêndios florestais.

Mas foi no âmbito do mecanismo?
Sim. O RescUE ainda não estava implementado, mas o mecanismo já existia e continua a existir. Aliás, o mecanismo não se alterou, apenas viu reforçada a sua capacidade. E, portanto, nesse momento em que a Suécia estava a confrontar-se com uma situação terrível de incêndios florestais, o resto da Europa, sobretudo a zona sul da Europa, estava mais folgada. Ou seja: tivemos a sorte de aquilo acontecer numa janela meteorológica que permitiu aos países do sul, que são também os países que detêm este tipo de capacidades, de se projetarem durante quase uma semana na Suécia para apoiarem aquelas autoridades no combate àqueles incêndios. Agora, imagine que isto tinha acontecido no momento em que Portugal, Espanha, França, Grécia e Itália também tinham incêndios florestais. Nós jamais poderíamos ter acedido.

Daí a importância de haver meios próprios europeus?
Meios suplementares.

Que já existem, ou não?
Não existem. Estamos numa fase transitória em que este ano houve seis países que disponibilizaram meios nacionais.

Isso significa que haveria helicópteros ou aviões da própria União Europeia e não dos países?
Essa era a proposta inicial, que acabou por não ser aprovada. Como isto hoje vai funcionar, o que está aprovado é que os países que assim o desejem vão poder adquirir meios, com uma elevada taxa de cofinanciamento da União Europeia em três áreas para já consideradas críticas: combate a incêndios florestais, situações envolvendo agentes NRBQ (Nucleares, Radiológicos, Biológicos e Químicos) e emergência médica. São as três áreas consideradas pelos países da União Europeia como prioritárias. E é nessas que estão previstas áreas de cofinanciamento para apoiar os países a adquirir meios complementares de resposta a eventos que se encaixem nessa tipologia de emergências, digamos assim. Portanto esses meios que venham a ser adquiridos com fundos comunitários, vão ficar propriedade dos Estados-membros, mas com a condição de estarem disponíveis sempre para intervenção europeia, caso ela venha a ser necessária, sem prejuízo de serem também utilizados ao nível nacional.

Em maio, a época oficial de incêndios falou-se que dois terços dos meios que deviam estar disponíveis não estavam. E depois no incêndio de Vila de Rei também houve um deputado na televisão que disse que havia três helicópteros Kamov que estavam também parados. Neste momento é possível garantir aos portugueses que todos os meios que existem estão ao serviço e estão disponíveis se houver um incêndio de grandes dimensões?
O dispositivo neste momento está completo. Todo o dispositivo especial de combate a incêndios florestais está operacional, está no terreno. Felizmente não tem havido constrangimentos de maior, houve algumas situações, acidentes com algumas aeronaves que aconteceram, mas isso são incontornáveis e ninguém consegue prever se vão ou não vão acontecer. A garantia que vos posso deixar é que neste momento temos o dispositivo todo operacional.

"A garantia que vos posso deixar é que neste momento temos o dispositivo de combate aos incêndios todo operacional".

E a Europa não falha? O comissário Christos Stylianides admitiu que a União Europeia falhou a Portugal em 2017 nos incêndios de Pedrógão. Não há aqui o risco de se colocar demasiada confiança na Europa e depois falhar quando é precisa?
Falei pessoalmente com o comissário europeu várias vezes sobre esta questão e é óbvio que acho que seria inevitável um certo sentimento de frustração em 2017 por ver o que estava a acontecer e sentir que não era possível ajudar mais do que aquilo que efetivamente se fez. Mas isto é um sentimento que eu penso que é partilhável não só pelas instâncias da Comissão Europeia, mas também pelos restantes países que gostavam seguramente de ter podido ajudar mais, como Portugal também gostaria sempre de ver ajudar quando vê outros países neste tipo de situações. Não sei se falhanço é um termo justo para aquilo que se passou efetivamente em 2017. Porque eu só falho quando podia ter feito. Se considerarmos aquilo que são os procedimentos adotados ao nível da UE, se considerarmos as capacidades que existem, não sei se houve um falhanço. O que podemos dizer é que era bom que as coisas fossem diferentes. O importante é retirar aquilo que se retirou: a clara noção de que trabalhámos, de que identificámos um problema e que rapidamente em dois anos tentámos, num fórum cujo processo de decisão não é fácil, porque estamos a falar de compatibilizar vontades de 28 países, criar aqui uma mudança de paradigma.

Também impulsionada por Portugal e pela tragédia de 2017.
Sem dúvida. Lá está, 2017 não teve nada de bom, mas se pudermos tirar daqui alguma coisa de positivo, esta é uma delas. A clara noção de que temos de fazer mais, temos de fazer melhor. Essa noção foi agarrada, essa conclusão foi retirada. E, quer ao nível nacional, quer ao nível da UE, estamos a trabalhar no sentido de melhorar aquilo que é possível. Esse processo de negociação não foi fácil. Nós temos países que olham para isto dentro da UE de forma muito diferente. Os países do sul têm uma visão sobre aquilo que é os incêndios florestais, sobre aquilo que é a Proteção Civil. Os países do norte têm uma visão um pouco diferente da nossa. E portanto, compatibilizar isto e ter-se conseguido adotar aquilo que se adotou no quadro do RescUE. Foi, eu diria, uma pedrada no charco. Eu acompanho os assuntos da União Europeia desde 2003 e garanto-lhe que foi muito o que se conseguiu fazer. Pode parecer que ficámos aquém das expectativas, mas face ao que tínhamos,  foi um passo muito importante.

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Há pouco disse que as fake news perturbam o trabalho da Proteção Civil e que ajudam a descredibilizar o trabalho da ANEPC. Até disse, por graça, que às vezes lhe apetecia criar um perfil falso para responder a algumas pessoas. Este tipo de situações tem aumentado?
Eu não tenho estatísticas. Não sei quantas fake news já existiram à volta da Proteção Civil. E isto não começou em 2017, começou antes. Quando entrei para a Proteção Civil no ano 2000, não era tema de batalha, não era um assunto corriqueiro. A Proteção Civil veio um bocadinho para a ordem do dia, fruto daquilo que foi também o verão de 2003, absolutamente complexo e com impacto grande na vida dos portugueses e a partir daí tem vindo em crescendo. E, portanto, a Proteção Civil tem tido uma dimensão e tem ganho um palco na esfera política, na esfera social, na esfera do país que não tinha no passado. Isto é bom, por um lado, porque nos permite granjear audiência para poder fazer passar uma mensagem importante, para poder trazer os portugueses para aquilo que são as matérias de proteção civil, mas tem outros efeitos. O facto de ser uma área em que muita gente opina, muita gente tem opinião.

"Peço desculpa pela simplicidade da expressão, mas é uma área com muitos treinadores de bancada. É uma área em que de repente toda a gente virou perito. E, portanto, há literalmente muitas coisas erradas, escritas e ditas sobre a Proteção Civil. Muitas. E isto leva-nos muitas vezes a um sentimento de grande frustração."

Há muitos especialistas em Proteção Civil nas redes sociais?
As fake news são aqui uma realidade. Peço desculpa pela simplicidade da expressão, mas é uma área com muitos treinadores de bancada. É uma área em que de repente toda a gente virou perito. E, portanto, há literalmente muitas coisas erradas, escritas e ditas sobre a Proteção Civil. Muitas. E isto leva-nos muitas vezes a um sentimento de grande frustração porque depois muitas destas mensagens que passam são sensacionalistas e, portanto, fazem eco com muita facilidade. As redes sociais são um ambiente altamente viral em que tudo isto ganha uma dimensão brutal.

"Tenho pena de não ter guardado parte das mensagens privadas que recebi na minha conta de Facebook pela obscenidade que aquelas mensagens tinham. Até a morte me desejaram. Quando nenhuma daquelas histórias que eram relatadas correspondiam à realidade."

Já a afetou pessoalmente?
Dou-lhe um exemplo pessoal. O que se passou comigo em Monchique. Eu assumi o comando do incêndio de Monchique em agosto de 2018 e ao fim de um dia e meio no terreno começam a surgir notícias de que eu teria impedido o salvamento animal em Monchique. Tenho pena de não ter guardado parte das mensagens privadas que recebi na minha conta de Facebook pela obscenidade que aquelas mensagens tinham. Até a morte me desejaram. Quando nenhuma daquelas histórias que eram relatadas correspondiam à realidade. Nunca houve travamento nenhum de salvamento animal em Monchique. Não houve nenhuma organização proibida por mim enquanto comandante das operações de socorro de atuar no terreno. Zero. Uma completa e tamanha falsidade. Que nunca se conseguiu inverter. Aquilo foi sendo passado, passado, passado. Continuei cada vez mais a receber mensagens. Até a minha filha me telefona a chorar a dizer: “Mãe, estão a dizer mal de ti na internet”. Isto é, de facto, um ambiente de difícil controlo e com danos muitas das vezes irreversíveis para as pessoas e para as instituições. É uma realidade recente, com a qual as instituições vão ter de aprender a lidar. Vamos ter de aprender a mitigar. Vamos ter de aprender a combater de alguma forma.

"Não podemos deixar como portugueses, todos, temos a responsabilidade de garantir que este programa não fica manchado por este episódio das golas."

Pode acontecer aqui uma situação ingrata de lhe fazer uma última pergunta que fica sem resposta. Se pudesse, teria evitado a distribuição das golas no programa Aldeia Segura?
Quanto a isso eu posso dizer duas coisas. Em relação à questão das golas, eu não vou falar mais sobre esse assunto. Até porque há um processo em curso, portanto não seria correto da minha parte estar a falar nisso. O que de mais importante me parece relacionado com este tema tem a ver com o programa Aldeias Seguras Pessoas Seguras, foi das coisas mais bem feitas neste país nos últimos anos. Todos temos a responsabilidade de garantir que este programa não fica manchado por este episódio das golas. Foi a primeira vez, na nossa história recente, em que se conseguiu efetivamente, pela primeira vez, chegar à pessoa individual. Chegar ao senhor Manuel, à dona Francisca, da aldeia não sei de onde. Fruto do que, infelizmente, tinha acontecido em 2017, houve disponibilidade para que as pessoas aceitassem fazer parte desta iniciativa. Eu própria estive em algumas aldeias com este programa. Está a dar frutos.

É um sucesso, portanto.
Há muito trabalho ainda por fazer. Não estamos nem de longe, nem de perto, próximos do fim de tudo isto. Aliás, isto nunca vai ter fim. Vai ser uma coisa para levar para todo o sempre. Não podemos como portugueses, sinceramente, como pessoas responsáveis, permitir que aquele episódio estrague tudo o que de bom este programa teve. E pedir a todas as pessoas que entraram para este programa, que continuem a acreditar nele, que continuem a seguir as mensagens de alta proteção que estão associadas a este programa. E que possamos todos continuar juntos a contribuir para tornar Portugal, sobretudo aqui, em zonas mais seguras.

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