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Pedro Graça: “O sal mata mais do que o açúcar”

Pedro Graça esteve seis anos à frente do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável. No Dia Mundial da Alimentação, conta quais devem ser as preocupações dos portugueses quanto ao que comem

Portugal tem sido pioneiro na adoção de medidas para combater os maus hábitos alimentares e na lei da publicidade de produtos pouco saudáveis dirigida a crianças. “E até nos estão a copiar”, diz Pedro Graça, que foi o responsável do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável desde o seu surgimento, em 2012. Inglaterra, por exemplo, aprovou a taxação de bebidas açucaradas pouco depois de Portugal.

Em 2012, na Direção Geral de Saúde, Pedro Graça fazia da alimentação saudável uma bitola. Esteve na origem da redução do açúcar nos pacotes de oito para cinco gramas, criou a “Taxa Coca Cola” — para tarifar refrigerantes com elevado teor de açúcar —, modificou a composição das máquinas de vending nos hospitais e centros de saúde para alimentos mais saudáveis, acordou com a indústria panificadora reduzir a quantidade de sal do pão e proibiu a publicidade dirigida a crianças de produtos alimentares ricos em sal e açúcar.

Desde o início do ano que Pedro Graça se passou a dedicar a tarefas menos mediáticas,na Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto. Agora, no Dia Mundial da Alimentação, explica ao Observador os riscos daquilo que os portugueses comem.

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Saiu no início do ano do cargo de diretor do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável. O que ficou por fazer?
Há uma medida, que penso que a minha colega, professora Maria João Gregório, deverá implementar em breve: a uniformização da rotulagem alimentar. Os rótulos dos alimentos são uma coisa extremamente difícil. Estão lá uns númerozinhos pequeninos que ninguém vê em que se diz que 30 gramas de um produto têm 0,3 gramas de sal.

É chinês para muita gente?
É. Eu gostava que existisse um sistema de cores, tipo semáforo, que facilitasse as escolha das pessoas.

O governo não anda tão depressa nestas políticas como gostaria?
Eu acho que nestes últimos anos Portugal deu um salto enorme. Já passámos por uma alternância de legislaturas, tanto de esquerda como de direita, que identificaram ser necessário para o país termos uma estratégia alimentar e nutricional. Temos conseguido fazer coisas interessantes em pouco tempo e penso que há espaço para continuarmos a ser um exemplo a nível europeu.

Quando foi diretor do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável, da Direção Geral da Saúde, teve duas grandes lutas: o sal e o açúcar. Qual ganha a corrida?
Mal por mal, eu diria que o sal nos mata mais do que o açúcar. Isto porque tomar açúcar com o café no fim de uma refeição equilibrada tem menos impacto do que tomar o mesmo açúcar com o mesmo café a meio da manhã. Por outro lado, o sal é quase sempre um agressor.

Aliás, defende até uma alimentação sem sal adicionado.
Sim, por uma razão simples: o sal já está presente naturalmente em muitos alimentos. Se nós não adicionarmos sal aos alimentos, mesmo assim, já estamos quase a ultrapassar o valor máximo permitido.

Há dois anos, exatamente nesta data, estabeleceu-se que o sal no pão ia ser reduzido progressivamente. Estamos agora mais próximos dos cinco gramas máximos de sal recomendados pela OMS?
Em relação ao pão, sim. Mas ainda ultrapassamos largamente esse valor no consumo diário. Ainda adicionamos muito sal quando cozinhamos; quando comemos fora, de um modo geral, a nossa comida continua a ser muito salgada.

Em outubro de 2017, ficou definido que o pão passaria a ter cada vez menos sal.

Antonio Cotrim/LUSA

Mas também partiu de si reduzir o açúcar nos pacotes e taxar as bebidas com grande quantidade de açúcar.
Curiosamente, quando nós taxámos as bebidas açucaradas o objetivo era que as bebidas com grandes quantidades de açúcar ficassem mais caras. Mas o que aconteceu foi que a indústria, como não queria perder mercado, acabou por reformulá-las para que elas não fossem taxadas. Muitas das bebidas hoje têm um terço menos açúcar do que tinham e o mesmo nome. Isto só foi mau para o Ministério das Finanças.

"Temos hoje uma esperança de vida média muito elevada, mas acabamos por ter uma quantidade de anos doentes superior à média."
Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto

Dados revelados pela UNICEF indicam que, no mundo, uma em cada três crianças com menos de cinco anos sofre de subnutrição ou de excesso de peso.
Parece uma coisa muito diferente mas não é. Podem coexistir perfeitamente situações de obesidade e de desnutrição. Há obesidade porque há um excesso de consumo energético mas, ao mesmo tempo, há um défice de nutrientes. São alimentos ricos energeticamente mas pobres nutricionalmente. Geralmente os produtos com estas características — ricos em açúcar, gordura e sal — são muito apelativos para as crianças.

E viciam?
Há ainda uma certa discussão sobre se estes alimentos viciam. O que se sabe é que dão muito prazer num curto tempo.

E são baratos.
Geralmente são porque com estes aditivos, ao mesmo tempo saborizantes e conservantes, os produtos tornam-se menos perecíveis. Ao demorarem mais tempo na prateleira, conseguem ser vendidos a preços mais baixos. Normalmente são produtos com um custo de produção baixo e um sabor muito interessante. Acresce ainda à equação o facto de, por serem normalmente rentáveis, gerarem dinheiro que pode ser investido em marketing e publicidade.

Em 2016 foi introduzida uma taxa para as bebidas açucaradas.

Antonio Cotrim/LUSA

A publicidade é outro dos problemas da nossa alimentação?
É, porque ela passou dos jornais para uma esfera impossível de controlar. São os influencers, a jogarem um jogo e a beberem uma bebida que supostamente os faz estar mais concentrados; são os chamados advert games, que são jogos com cores semelhantes a produtos alimentares…

Daí também a lei para impedir publicidade dirigida a crianças?
O que se fez foi proibir anúncios sobre alimentos com quantidades grandes de açúcar e de sal em jogos, filmes ou canais dirigidos a crianças. Acho que foi um marco importante porque as empresas perceberam claramente que havia aqui um stop.

"O homem é omnívoro. É o tipo que come tudo para sobreviver. Vamos arranjar maneira de sobreviver quando o planeta der sinais de que já não nos consegue alimentar da forma tradicional."
Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto

É em casa que começa a alimentação saudável?
Há imensas teorias sobre como se deve educar. Eu costumo dizer: diz-me o que comes, dir-te-ei de que é que o teu filho gosta. As crianças são imitadores puros. Não vale a pena ensiná-los a comer sopa se lá em casa naturalmente não se come sopa.

Estamos a educar mal o gosto das nossas crianças?
Sim. Enquanto que nos primeiros meses as crianças estão protegidas, porque bebem o leite da mãe, se depois disso os pais, as escolas e os jardins de infância não tiverem a preocupação de reduzir o açúcar e o sal na alimentação das crianças, elas vão ficar desde muito cedo com uma apetência programada para o doce e para o sal. A Direção-Geral de Saúde, em conjunto com uma série de investigadores, lançou um manual destinado a crianças muito pequeninas. Os mil primeiros dias da alimentação das crianças é uma área de trabalho muito importante no futuro porque sabe-se que é nestes mil dias que as preferências e os gostos das crianças são construídos. Mais uma pincelada sobre isto é dizer que hoje também sabemos que a obesidade, a diabetes e a hipertensão são muito mais prevalentes em famílias de estatuto socio-económico mais baixo.

Tiago Petinga/LUSA

O que nos leva novamente ao estudo da UNICEF. O problema é o preço dos alimentos — os bons estão mais caros e os maus mais baratos?
Sim. Mas há outros fatores. Por exemplo, o tempo. Ao contrário do que poderíamos pensar, uma família sócio-economicamente mais desfavorecida tem menos tempo para comprar, escolher e cozinhar.

Porquê?
Porque essas famílias precisam de trabalhar mais horas para ganhar o mesmo.

"Temos hoje uma esperança de vida média muito elevada, mas acabamos por ter uma quantidade de anos doentes superior à média."
Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto

Chama-lhe situação de “quase calamidade”.
É porque temos uma em cada três crianças com obesidade, temos um em cada dez portugueses com diabetes, em cada dez portugueses adultos, três ou quatro com hipertensão. Temos milhões de portugueses doentes.

Com doenças diretamente relacionadas com a alimentação?
Diretamente e indiretamente. Hoje sabemos que a alimentação inadequada é o principal determinante dos anos de vida saudável perdidos pelos portugueses. Temos hoje uma esperança de vida média muito elevada, mas acabamos por ter uma quantidade de anos doentes superior à média.

Lançou com a Faculdade de Ciências da Nutrição o primeiro site de fact check sobre nutrição em Portugal.
As pessoas procuram quase obsessivamente o que devem comer e como devem comer. Portanto, a alimentação tornou-se um assunto muito interessante nas redes sociais. Há muita gente a ganhar dinheiro com isto. Recorre-se a estudos científicos que apenas deram resultado a meia dúzia de pessoas e que não comprovam nada e aproveitam-se esses trabalhos para dizer que se descobriu que o vinho afinal faz bem ou que o chocolate à noite até emagrece. Há hoje uma enorme quantidade de lixo informativo em circulação.

O Pensar Nutrição vem combater a desinformação?
O que fizemos foi criar faróis de iluminação de referência, evidence based e independentes.

"Eu costumo dizer: diz-me o que comes, dir-te-ei de que é que o teu filho gosta. As crianças são imitadores puros."
Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto

O Estado tem de ter, nestas políticas, um papel preponderante?
A mudança de hábitos tem, cada vez mais, de ser feita por entidades que tenham o poder de agregar um conjunto alargado de competências. Por exemplo, alimentação saudável pressupõe um planeamento urbano adequado.

Para haver água gratuita disponível em locais público, como defendeu?
Exato. Por exemplo, nas praias, em que às vezes uma cerveja é mais barata do que um copo de água. Toda a gente ganha com pessoas bem alimentadas. As autarquias, as empresas ganham, a segurança social paga menos, o sistema de saúde tem menos doentes. Mas também há muita gente que ganha com comida de má qualidade. Uma empresa não pode vender saladas de manhã e hambúrgueres cheios de sal à tarde.

Pedro Graça defende a existência de bebedouros em locais públicos.

ANT

É possível virmos a comer alimentos totalmente feitos em laboratório?
Será uma realidade muito em breve.

Assusta-o?
Não, não me assusta. Quando, no século XX, começámos a industrializar a alimentação, havia quem dissesse que íamos morrer todos de imediato. O homem é omnívoro. É o tipo que come tudo para sobreviver. Vamos arranjar maneira de sobreviver quando o planeta der sinais de que já não nos consegue alimentar da forma tradicional.

Assumiu entretanto o cargo de director da Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação da Universidade do Porto. O que é que faz numa universidade que não se consegue fazer com um país?
A universidade — ainda para mais esta, que é a faculdade de nutrição pública mais antiga do país — tem a obrigação de produzir nutricionistas com uma boa capacidade técnica e científica mas também com uma consciência cívica. A nutrição é muito mais do que reduzir o peso a pessoas.

Pedro Graça considera que a proibição da carne de vaca nas cantinas da Universidade de Coimbra é uma medida que "merece ser discutida".

DR / Volver de Carne y Alma

Como viu a retirada da carne de vaca das cantinas da universidade de Coimbra?
Sentimos que a medida que foi tomada terá muito pouco impacto sobre a saúde. A medida é sobretudo de discussão pública porque sabemos que a produção de carne de vaca tem um grande impacto ecológico. E merece ser discutida. Só que aquilo que pensávamos ser uma discussão científica passou a ser uma discussão ideológica.

Não estamos preparados para esse passo, na sua opinião?
A discussão séria não foi feita. Temos de perceber se no meio deste processo de mudança rápida do planeta e de luta contra ela estamos disponíveis para prescindir de coisas que damos como garantidas. Quase todos os portugueses comem mais do que gastam — e daí o excesso de peso. Dizem-nos que temos de comer diferente mas podemos continuar a comer muito. Não andamos menos de automóvel. Andamos o mesmo, só que agora é elétrico. Será que podemos continuar a manter estes níveis de consumo? É que o planeta anda a dizer que isso não é possível.

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