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©Gonçalo Villaverde

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Pedro Soares: "Os vinhos da Bairrada voltaram a ser de confiança"

Companheiro musical de José Cid, Pedro Soares é também o presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada, região calejada pela má fama que, agora, dá provas de força.

Tocou e ainda toca numa banda chamada “Meninos da Sacristia”, que na década de 1990 arrecadou o sexto lugar na edição portuguesa do Festival da Canção. Tocou e ainda toca com José Cid, sempre que o vinho não se intromete na agenda musical. Aos 44 anos, Pedro Soares podia ser apresentado enquanto artista com queda para os palcos, mas é a devoção que tem pela Bairrada (e o vinho que aí se produz) que o leva a sentar-se no bar do Le Consulat, em Lisboa, para uma entrevista com o Observador.

Pedro Soares, enólogo e produtor (a marca de espumante chama-se “Aplauso” e a de vinhos de mesa “Vinil”), é há cerca de seis anos o presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada (CVB), o homem que quer elevar os espumantes produzidos na região que nem sempre gozou de boa fama e dar protagonismo à casta tinta Baga, que o famoso produtor Luís Pato já antes garantiu ao Observador ser uma variedade “tanto amada como desamada”.

A vista pode ser para a Praça Luís de Camões, em Lisboa, mas Pedro Soares recorda a paisagem vinhateira bairradina para falar das categorias de vinho em que a comissão está a investir — “Bairrada Clássico” e “Baga Bairrada” — e para projetar o futuro que ambiciona para a região que o viu nascer.

Pedro Soares é há cerca de seis anos o presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada.

© Gonçalo Villaverde

Antes de avançarmos, é preciso fazer uma pequena contextualização histórica da Bairrada, que nem sempre esteve na mó de cima. A região está agora em fase de recuperação?
A região não tem ainda 40 anos de demarcação, ou seja, 40 anos em que existem regras muito definidas. Antes, existia uma cultura de comércio, de engarrafamento. As empresas que só engarrafavam entenderam, em finais de 1970, que era importante dominarem a vinha e algumas delas começaram a adquirir vinhas e a concentrar aquilo que eram as suas marcas nas uvas que vinham das propriedades que detinham. Isto faz com que surjam novas tecnologias e novos técnicos, e que se comece a trabalhar mais em prol de algo que só poderia ser feito na Bairrada, com uvas da Bairrada, que é a construção da marca coletiva. O caminhar destas empresas comerciais de base para o sector da produção foi também acompanhado de um caminho inverso, do sector cooperativo, muito representativo da região, que se desvia da produção em direção ao comércio — este sector não teve tanto sucesso, de cinco ou seis cooperativas, temos apenas duas ativas, incluindo a Adega Cooperativa de Cantanhede, que é um exemplo bom ao nível nacional. Nos anos 1990, a região fez alguns erros estratégicos, no sentido em que vendeu produtos com a marca coletiva Bairrada que, eventualmente, não teriam a qualidade que o mercado pedia. Há também aqui outra questão: estamos a falar de um período em que surgem no mercado regiões como o Alentejo, que praticamente não existiam até então. E também aparece um novo gosto dos consumidores em relação aos produtos vínicos. Portanto, tudo isto fez com que tivesse de existir um pensamento diferente sobre o futuro da Bairrada.

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Quando é que o paradigma começou, efetivamente, a mudar?
Depois de 2000, as unidades que começaram a ter vinhas começaram, também, a produzir os primeiros vinhos de quinta e alcançaram muito mais consistência na qualidade dos seus produtos. Acho que é nesta fase em que estamos, de crescente de notoriedade, quer a nível nacional, quer internacional. Precisamos agora de popularizar um pouco mais. Quando se fala em Bairrada, e se colocarmos de lado o espumante, o consumidor não entende os seus produtos como algo popular, mas antes de nicho. Acho que isso é importante para a valorização da região, mas temos de alargar o espectro para fazer com que as pessoas percebam que as marcas da Bairrada voltaram a ser marcas de confiança.

À data, um vinho da Bairrada tinha de estagiar obrigatoriamente três anos antes de ir para o mercado. Por norma, eram vinhos muito ácidos e com baixa graduação alcoólica. Foi preciso mudar um pouco e é aí que entram as castas internacionais [ditas melhoradoras] na Bairrada. Houve um sentimento de que estas castas poderiam ajudar a afinar os produtos em função de determinados mercados. O que se sabe hoje é que, mais do que estar na moda, devemos procurar ser fieis a nós próprios no setor do vinho, principalmente quando estamos numa região que nunca vai produzir volume. Chegou-se a um momento de equilíbrio, entre a tradição e a inovação.

"Quando se fala em Bairrada, e se colocarmos de lado o espumante, o consumidor não entende os seus produtos como algo popular, mas antes de nicho. Acho que isso é importante para a valorização da região, mas temos de alargar o espectro para fazer com que as pessoas percebam que as marcas da Bairrada voltaram a ser marcas de confiança."

Ainda há lugar para as castas internacionais na Bairrada?
Dentro da Bairrada temos várias Bairradas. Há uma grande discussão hoje em dia sobre o peso que essas variedades tiveram e que têm ainda hoje na Bairrada. Penso que devemos ter conhecimento suficiente antes de tomar decisões sobre excluir ou não esta ou aquela casta. Podemos cometer o risco de tirar a casta errada do local errado. Agora, como é que acho que a região se pode valorizar mais? Com a bandeira das variedades que são nossas. Mas não esquecer que na Bairrada existem variedades internacionais há muitos anos porque o espumante trouxe técnicas e castas francesas. Acho que não devemos ostracizar, mas sim promover aquilo que nos faz ser diferente e isso passa pelas nossas variedades.

O novo charme da Bairrada

Foi a pensar nisso que a Comissão Vitivinícola da Bairrada criou a categoria “Bairrada Clássico”?
O “Bairrada Clássico” é algo que vem muito detrás, de 2003, mas que na altura não terá sido promovido como devia, quando a Bairrada estava no pico do problema. Estávamos numa fase em que se alguém falasse na casta Baga, todos davam um passo atrás antes de comprar um vinho, embora isto não acontecesse internacionalmente. À data, há uma série de agentes económicos com assento no Conselho Geral da CVB que decidem abrir a porta às tais castas ditas melhoradoras ou complementares, castas que já estavam na região e que davam provas de serem parte da solução. Por outro lado, havia que preservar aquilo que era a identidade da região. O que é que na altura fizeram e bem? Abriram a porta da legislação a um maior número de variedades, mas criaram o “Bairrada Clássico” que, no fundo, não era mais do que o Bairrada do tempo antigo. Só que não houve uma promoção correta desta categoria de produto e ela ficou esquecida, tão esquecida que passados 14 anos só tínhamos três “Bairradas Clássicos”. [Mais recentemente] procurámos incentivar os produtores a utilizarem a categoria. Estamos a fazê-lo há cerca de dois anos. De lá para cá já temos mais clássicos do que tivemos em 14 anos.

Messias Bairrada Clássico branco 2012 e Aliança Baga by Quinta da Dôna Bairrada Clássico 2011 são os novos "Bairrada Clássico" em garrafa.

© Gonçalo Villaverde

A categoria “Bairrada Clássico” é tida como um selo de garantia para o consumidor?
É importante que o consumidor que queira um vinho com a identidade da Bairrada possa encontrá-lo no “Bairrada Clássico” — o vinho precisa de ter 50% de Baga, sendo que os outros 50% dizem respeito a castas tradicionais da região; tem de ter um estágio mínimo de 30 meses, dos quais 12 em garrafa. Estamos a falar de um perfil de vinho que se fazia há mais de 20 anos. O “Bairrada Clássico” é, à partida, um vinho com uma componente de Baga muito importante. Falamos de vinhos com uma capacidade de guarda muito grande e com uma capacidade de harmonização com a comida fabulosa, com pujança. São, se quisermos, os vinhos que mais identificam a região.

Onde se encaixa, então, o projeto “Baga Bairrada”?
No caso da categoria “Baga Bairrada” há uma abordagem diferente. Começámos por pensar qual era, no fundo, a bandeira da região. Daquilo que conseguimos perceber, através dos produtores e dos consumidores, o espumante é o que identifica a região. Portugal pode não estar muito avançado tecnologicamente em relação ao espumante, mas se há algum sítio que tem know how é a Bairrada, daí que coloquemos no mercado mais de 60% do espumante nacional — há muitos anos que o fazemos. Temos 27 castas no nosso estatuto, das quais é possível fazer espumante. Das nossas pequenas incursões no mercado externo, de cada vez que nos comunicávamos enquanto uma região de espumantes, a pergunta surgia: “Qual é o perfil do vosso espumante?”. Temos influência atlântica e temos solos argilo-calcários, mas depois o espumante pode ser elaborado a partir de 27 variedades — é muito difícil defini-lo.

Percebemos que tínhamos aqui um problema. Podíamos fechar isto às três ou quatro variedades que são mais utilizadas, mas aí estávamos a fazer o que foi feito no passado de uma forma empírica. Então, pensámos na Baga, nessa variedade tinta que dá para fazer espumantes brancos, que tem características ótimas para se posicionar tal qual o Pinot Noir. Pensámos, então, num produto que juntasse Baga, que é uma variedade que todos vão ligar diretamente à Bairrada, e o espumante, que é uma coisa que nós dominamos. Todos os produtores que fazem espumantes “Baga Bairrada” têm de colocar esse logotipo na rotulagem de forma evidente e com base em regras definidas. Porquê? Sabemos que há muito produtores que, consoante este ou aquele mercado, esta ou aquela variação de moda, colocam ou tiram a palavra “Bairrada” dos rótulos, passando-a apenas para os contrarrótulos. A esse primeiro desafio responderam afirmativamente cinco produtores. Hoje temos 23 produtos de 17 produtores. Passaram apenas 3 anos. O crescimento é interessante.

Há “Baga Bairrada” ou “Bairrada Clássico” à venda na grande superfície?
Não lhe consigo responder a isso. Do que me lembro, há um [“Bairrada Clássico”]. Não podemos fazer concertação de preço, mas houve uma aposta face ao posicionamento deste produto para colocá-lo num valor superior àquilo que é a média dos espumantes que se vendem na região — estamos a falar dos 7, 8 euros. Por isso, talvez comece a chegar de forma mais evidente às grandes superfícies, mas qualquer garrafeira minimamente especializada tem um “Baga Bairrada”. Isso posso afirmar.

Bairrada também é sinónimo de bons vinhos brancos…
Durante muito tempo fomos, e ainda somos, deficitários em vinho branco. O que tínhamos de bom era muitas vezes canalizado para o espumante, daí a não valorização do vinho branco. Também houve um período em que se dizia que o vinho branco não era vinho. Do ponto de vista da saúde também era comunicado como algo que fazia pior do que o vinho tinto, o que não é verdade. Hoje em dia, acho que há uma cultura que nos permite chegar a este ponto. Outro produto que a região produz muito bem é o vinho rosé, não é à toa que temos algumas das referências em Portugal com adegas na Bairrada. No fundo, a região está muito apta a produzir tudo aquilo que sejam perfis de vinhos com frescura e alguma acidez.

Ortigão Baga Bairrada Blanc de Noirs branco 2015, um dos novos "Baga Bairrada".

© Gonçalo Villaverde

Prevê alguma casta Baga nos vinhos brancos?
Não diria isso. Vou falar-lhe de uma preferência muito minha, que é o Bical. Acho que é uma casta que vai reaparecer como a grande variedade do vinho branco na Bairrada. Sei que aí a região não me acompanha, mas acho que os vinhos brancos da região vão ser sempre vinhos mais de lote. Acredito que temos um triunvirato muito interessante — Bical, Arinto e Cercial –, variedades que foram plantadas devido ao espumante. E também Maria Gomes, ainda que noutro estilo, que é uma variedade muito mais aromática — as outras três são variedades que emprestam ao vinho uma capacidade de guarda muito maior e, por isso, muitas vezes lotadas com a Maria Gomes.

"Durante muito tempo fomos, e ainda somos, deficitários em vinho branco. O que tínhamos de bom era muitas vezes canalizado para o espumante, daí a não valorização do vinho branco. Também houve um período em que se dizia que o vinho branco não era vinho. Do ponto de vista da saúde também era comunicado como algo que fazia pior do que o vinho tinto, o que não é verdade."

Numa altura é cada vez mais difícil distinguir os vinhos das regiões, isto é, associar diferentes perfis de vinho aos locais de origem, acha que a Bairrada está no mesmo caminho ou está a ir na direção oposta?
Acho que a Bairrada já fez esse caminho, mas rapidamente percebeu que isso não podia ser a solução. Acho que há um voltar a perceber que não vamos nunca competir por volume, mas sim por diferenciação e que a Bairrada tem de olhar para si própria e pensar em como que é que pode promover essa diferenciação.

Dirk Niepoort: “As pessoas acham que eu sou maluco”

Em entrevista ao Observador, o produtor Dirk Niepoort disse-nos que “adora” a Bairrada, que é “o melhor terroir que temos em Portugal”. O Dirk faz um perfil de vinho na Bairrada muito diferente daquele tipicamente bairradino, que foge ao Bairrada Clássico. Que opinião tem sobre o vinho dele?
Havia um crítico que dizia que a Bairrada tinha uma facilidade no país que poucas regiões tinham, que era a sua plasticidade. Se tivermos a interpretação correta da Bairrada, do local onde temos as nossas vinhas, conseguimos fazer tudo bem. Acho que se há local no país onde se sente a mão humana é na Bairrada. Por isso é que a interpretação do Dirk na Bairrada é aquela, sendo que o vizinho do lado pode ter uma interpretação diferente. Acho que esses produtos, embora diferenciados, respiram um pouco daquilo que é o denominador comum da Bairrada — frescura e capacidade de guarda; não são propriamente vinhos opulentos, que se mastigam, como os que se fizeram em tempos na região.

É muito curioso, aquilo que o Dirk faz na Bairrada… Trabalhei muito no setor cooperativo e há 15/20 anos esse era o estilo de vinho que as cooperativas faziam e que não se vendia, ninguém queria. Obviamente, há uma diferença entre ser um vinho de um produtor que consegue por ele mesmo ser comunicação e aquilo que toda a região da Bairrada faz. Aprecio aquele tipo de vinho, mas não sei se toda a Bairrada o pode fazer. E mesmo se o fizesse, não sei se o vinho valorizaria. Dentro daquilo que é o grupo “Baga Friends”, onde o Dirk se insere, existem várias interpretações da Bairrada. Acho que isso é uma mais valia para a nossa região.

"A maior parte do vinho da Bairrada é vendido na restauração e não na moderna distribuição, algo a que estamos atentos e que gostávamos de inverter." 

Qual é o interesse nacional pela região?
Mais de 80% do vinho da Bairrada é vendido no mercado nacional, o que quer dizer que sobra cerca 20% para exportação. A maior parte do vinho da Bairrada é vendido na restauração e não na moderna distribuição, algo a que estamos atentos e que gostávamos de inverter — gostávamos de entrar mais na grande superfície, mantendo um posicionamento de valor. Mas se nós não temos assim tanto vinho para vender, as grandes superfícies também têm de perceber que não adianta quererem vender mais porque não vão conseguir. Se a região tiver a capacidade de falar com a moderna distribuição a uma só voz, e não houver aquela tentação de um produtor que vai lá e tira 10 cêntimos ao produto, acho que a grande superfície vai ter uma de duas opções: ou quer lá ter, tal e qual uma qualquer garrafeira especializada, vinhos da região da Bairrada a um preço coerente e correto, que possa estar lá durante vários anos, ou vai ter sempre um ou outro produto que vai aparecer e que passados dois ou três anos não o vamos ver porque, entretanto, o produtor faliu porque não teve dinheiro para pagar as uvas.

Portugal, comparativamente com o resto do mundo, não é um país de grandes volumes. Será que a moderna distribuição deveria adaptar-se a essa realidade?
Acho que vai ter de se adaptar mais cedo ou mais tarde. Há até já uma tentativa de tratar o sector do vinho de forma diferente, sobretudo nos centros urbanos. Temos de perceber que o vinho com denominação de origem é um ativo não deslocalizável, é uma atividade que não se pode tirar dali. Se a região produz x número de quilos de uvas, não adianta pensarmos que vamos quadruplicar as vendas porque depois não há uvas. Não é sustentável. Todo o trabalho que se fizer com esse pensamento é uma loucura.

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