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Florence Rivières/Ana Moreira /Observador

Florence Rivières/Ana Moreira /Observador

"Perdemos muito tempo a tentar tranquilizar os homens de que não os odiamos"

Em entrevista, Pauline Harmange reitera a mensagem do título que escolheu para o seu bestseller, "Detesto os Homens". A autora francesa quer "destruir o patriarcado e todos os sistemas de opressão".

“Detesto os homens”, escrito a roxo sobre um fundo amarelo, como se as palavras não fossem chamativas o suficiente. O polémico livro feminista, da autora Pauline Harmange, chegou a Portugal em meados de junho. Antes, o bestseller internacional gerou uma onda de controvérsia pelos mercados por onde passou, a começar por França, onde foi originalmente publicado. Ironicamente, se não tivesse sido a intervenção de um homem, o curto ensaio com pouco mais de 100 páginas poderia ter passado despercebido.

A edição original, através da editora Monstrograph, teve apenas direito a 400 cópias. O número suficientemente irrisório contrariou as probabilidades quando, no dia em que foi publicado, em agosto de 2020, um funcionário do ministério francês para a Igualdade, Ralph Zurmély, enviou um email aos editores a ameaçá-los com um processo. Sem ler o livro, considerou-o “uma ode à misandria” e comparou-o à “incitação ao ódio com base no sexo”. De acordo com o The New York Times, pediu ainda que o livro fosse retirado do catálogo sob ameaça de um processo legal.

A ameaça — feita através da conta do governo — alimentou o interesse pelo livro e, já dizia o ditado, virou-se o feitiço contra o feiticeiro. A popularidade do pequeno livro foi tanta que outra editora, com maior capacidade de tiragem, entrou em cena (em janeiro deste ano, tinham sido vendidos os direitos de tradução para 17 idiomas). O ensaio publicado agora em Portugal sob a chancela da Pergaminho serve, segundo esta, “de desafio às leitoras para tomarem consciência das limitações que lhes são impostas por um sistema desigual e discriminatório, e aos leitores para se juntarem à sua luta pela igualdade, a bem da dignidade humana de todas e todos”.

Em entrevista ao Observador, feita por email em dois momentos distintos, Pauline Harmange não adoça as palavras e reitera a mensagem do título que escolheu. Advoga um feminismo que “quer destruir o patriarcado e todos os sistemas de opressão”, que não quer ser igual aos homens e que, regra geral, não quer nada com eles (mesmo sendo casada com um). A par do discurso por vezes polémico, Harmange pretende chamar a atenção para a violência contra as mulheres e usa a misandria como forma destas se revelarem, ao não procurarem mais a validação dos homens.

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“Vejo na misandria uma saída. Uma maneira de recusar estas normas, um meio de dizer não a cada passo. Detestar os homens, enquanto grupo social e frequentemente também na qualidade de indivíduos, enche-me de alegria… e não apenas porque sou uma bruxa velha, louca por gatos. Se todas nos tornássemos misândricas, poderíamos levantar um enorme e belo sarilho. Ficaríamos cientes (e isso seria talvez um pouco doloroso, de início) de que não precisamos efetivamente deles. Poderíamos, julgo, libertar um poder insuspeitado: o de, planando bem longe e bem acima do olhar dos homens e das exigências masculinas, nos revelarmos a nós próprias.” (“Detesto os homens”, páginas 15 e 16)

O livro chegou ao mercado nacional no passado dia 17 de junho

O título do livro foi uma escolha deliberada para causar impacto?
Claro. Mas não é esse o propósito de qualquer título de livro? As pessoas parecem esquecer o que significa um bom título. Este título em particular é perfeito: não mente sobre o conteúdo do livro e resume a sua tese de uma forma agradável e atraente.

Como é que este livro mudou a sua vida?
O livro permitiu-me entrar em contacto com uma rede maravilhosa de irmandades. Nunca teria imaginado o tipo de apoio que recebi de mulheres de todo o mundo. Também me deu grandes oportunidades no que diz respeito à minha carreira. Vou publicar o meu primeiro romance em setembro e pretendo escrever muitas mais histórias.

Como é que o livro foi recebido em França e no mundo?
Posso dizer que foi bem recebido para quem foi criado. Mulheres em todo o mundo estão a procurar-me para dizer como este pequeno livro as ajudou de uma forma ou de outra.

Como assim? Quais são as principais conclusões que estas mulheres tiram do livro?
As mulheres estão cansadas de lidar com as expectativas e os egos dos homens. Ao ler o livro, elas sentem-se vistas e compreendidas. Acho que o livro lhes dá força para seguirem uma vida com cada vez mais liberdade.

Continua a receber insultos por causa do livro e ameaças de morte?
Fui forçada a contratar um moderador online para ter a certeza de que posso experimentar a Internet com segurança. Ainda sou alvo de violência online, embora agora esteja protegida contra ela. De cada vez que o livro sai num outro idioma, sou insultada nessa nova língua por hordas de homens furiosos que aparentemente não se dão ao trabalho de ler um livro.

Questiono-me se os jornalistas percebem como esta pergunta é rude. Você realmente espera que eu, por meio de e-mails antigos e mensagens diretas, encontre as ameaças mais horríveis e cruéis que já recebi? Só posso encorajar todos os que me leem a assistir ao documentário #UglyBitch na Arte.TV. É preciso mergulhar profundamente nos meandros da violência online contra as mulheres.

"De cada vez que o livro sai num outro idioma, sou insultada nessa nova língua por hordas de homens furiosos que aparentemente não se dão ao trabalho de ler um livro."

O que quis dizer foi que deve ser difícil lidar com isso. Vê alguma mudança de paradigma ou as pessoas ainda não estão cientes de como podem ferir os outros?
Os homens que gostam de intimidar as mulheres na internet são os homens que gostam de magoar as outras pessoas. Eles estão muito cientes do que fazem.

Já aconteceu algum homem pedir desculpa depois de ler o livro, identificando-se com o que a Pauline escreveu?
Aconteceu algumas vezes. Mas eles não pedem desculpas a mim, isso não seria de interesse já que não fui eu que sofri com o comportamento deles. Eles dizem que entenderam algumas coisas. E isso é ótimo. Precisamos de mais homens capazes de se questionarem e mudarem para melhor.

Muitas feministas tentam argumentar que não odeiam os homens. Como é que o feminismo — que promove a igualdade de género — pode coexistir com a misandria?
A sua definição de feminismo não é a minha. O meu feminismo quer destruir o patriarcado e todos os sistemas de opressão. Eu não quero ser igual aos homens e acho que muitas mulheres, quando pensam sobre isso, também não o querem. Perdemos muito tempo a tentar tranquilizar os homens de que não os odiamos e que precisamos deles. O que é que isso trouxe de bom? Os homens mudaram ou melhoraram? Porque é que ainda devemos esperar por eles?

"O meu feminismo quer destruir o patriarcado e todos os sistemas de opressão. Eu não quero ser igual aos homens e acho que muitas mulheres, quando pensam sobre isso, também não o querem. Perdemos muito tempo a tentar tranquilizar os homens de que não os odiamos e que precisamos deles."

Está a dizer que as mulheres devem concentrar-se nelas mesmas e não se preocuparem tanto com o que os homens pensam sobre o assunto?
Exatamente. Incito as mulheres a considerarem a opinião dos homens em geral, em todos os aspetos das suas vidas e ainda mais quando se trata de feminismo, como “provavelmente uma merda, até prova em contrário”.

A certa altura, escreve no livro que os homens são “seres violentos, preguiçosos e cobardes”. O que se ganha com generalizações?
Acho muito interessante apontar essa generalização específica, quando o meu livro contém um capítulo inteiro cheio de generalizações sustentadas por estatísticas e estudos. Eu escolhi generalizar porque, em algum momento, temos de reconhecer que o patriarcado como um conceito abstrato, contra o qual lutamos, é sustentado por pessoas reais — homens — que fazem coisas horríveis, violentas e cobardes.

Acha que não se dá atenção suficiente à violência contra as mulheres? Que existem outros fatores que nos distraem dessa conversa?
A violência contra as mulheres é, ainda hoje, alvo de muitas piadas. Não é [um assunto] levado a sério. Eu moro num país onde uma mulher é morta pelo seu companheiro ou ex-companheiro a cada 3 dias e o presidente deste país, que declarou que a violência contra as mulheres seria o seu foco durante o mandato, nomeou um homem acusado de violação para ministro do Interior. Se isso não é uma piada de mau gosto, não sei o que é.

Eu não sei o que nos está a distrair deste assunto urgente, além do facto de que muitas pessoas realmente não se importam com o que acontece com as mulheres — e com outras pessoas marginalizadas, como crianças, pessoas negras, pessoas pobres, etc.

Florence Rivières

Um ponto interessante do livro reflete sobre a construção social da mulher no sentido de ser validada pelo homem. Sente que há mais abertura nesta conversa, em França e no mundo?
Esta conversa está a regressar aos holofotes. Mas isto acontece há décadas nos círculos feministas. Bell Hooks escreveu sobre isso em 2000, referindo-se à sua experiência nos anos 1980. Estamos a dar voltas e mais voltas, revelando as mesmas verdades a cada poucas décadas, esperando que desta vez isto ganhe relevo e desperte uma revolução.

Escreve que a misandria é uma forma de as mulheres se revelarem. Como?
Exatamente ao não procurarmos mais a validação dos homens. Depois de percebermos que os homens são um lixo e que a sua opinião sobre as mulheres não significa nada, podemos continuar a viver a nossa própria vida, procurando a validação das pessoas que nos respeitam e que nós respeitamos. Mais importante, procurando validação dentro de nós mesmas.

"É realmente hilariante como tantas pessoas querem que eu adoce as minhas próprias palavras. Como regra geral, não quero nada com os homens porque a maneira como todos eles estão a ser criados e autorizados a funcionar nesta sociedade é prejudicial para mim, para aqueles que amo e para os valores que estimo." 

No livro, parece defender que o que “odeia” não são os homens em geral, mas aqueles que gozam dos seus privilégios sem os questionar… É isso?
É realmente hilariante como tantas pessoas querem que eu adoce as minhas próprias palavras. Como regra geral, não quero nada com os homens porque a maneira como todos eles estão a ser criados e autorizados a funcionar nesta sociedade é prejudicial para mim, para aqueles que amo e para os valores que estimo. Posso fazer exceções, mas elas terão de ser muito conquistadas.

Acha que as futuras gerações de homens poderão agir e pensar de forma diferente? A educação desempenha um grande papel e os futuros pais podem ter abordagens diferentes.
Espero que as futuras gerações de meninos e homens sejam diferentes. Quero enfatizar que a educação não é apenas um fardo dos pais (que até hoje, na maioria das vezes, significa “a mãe”). A socialização é um processo muito complexo e contínuo. Cada lugar onde as pessoas interagem de acordo com as regras sociais desempenha um papel na maneira como os jovens aprendem a comportar-se. A família é um desses lugares, mas não o único e não podemos pensar que mudar a maneira como os homens crescem e se tornam no que são hoje seja o único resultado de como os pais criam os seus filhos.

Os homens não têm o direito de ser feministas?
Eles já não têm direitos suficientes? Porquê tão gananciosos?

Os homens estão a tentar roubar os holofotes das mulheres na luta do feminismo?
Tem sido a minha experiência, e a de inúmeras mulheres com quem conversei, que quando os homens executam o feminismo da maneira mais barulhenta e chamativa, eles estão a roubar os holofotes de mulheres mais merecedoras e a causar-lhes danos reais nos bastidores. Tudo que eu digo é: cuidado com homens feministas e barulhentos. Fique de olho nas mulheres ao seu redor.

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