Considera que a crescente contestação social é uma inevitabilidade, desvaloriza as sondagens que dão pouco mais de 2,2% ao PCP, critica a exploração exaustiva dos pequenos, médios e grandes escândalos que vão afetando o Governo e deixa uma certeza: os comunistas não vão desaparecer do mapa parlamentar.”Não é um cenário que se esteja a colocar”, diz.
Em entrevista ao Observador, durante as jornadas parlamentares do PCP, em Beja, Bruno Dias critica o Governo socialista por ser incapaz de dar resposta aos problemas do país. E deixa um aviso: “Fica mais à vista que há uma falta de resposta e uma falta de vontade política para avançar com soluções necessárias. A contestação é inevitável, não é telecomandada. É uma resposta incontornável. Aquela expressão antiga de ‘comer e calar’ não é solução para ninguém”.
Nas primeiras jornadas parlamentar do partido na era pós-Jerónimo de Sousa, Bruno Dias não poupa elogios a Paulo Raimundo, o novo secretário-geral comunista. “Paulo Raimundo tem um percurso também riquíssimo com muita história para contar. Nós que o conhecíamos não ficamos surpreendidos. E tenho recebido reações de surpresa muito positiva e de bom acolhimento à forma de estar, à intervenção e à própria capacidade em diversas áreas”, garante.
E numas jornadas onde a guerra na Ucrânia mal foi tema — apenas Paulo Raimundo a referiu e para acusar o Governo de ser “porta-voz daqueles que alimentam a guerra e adicionam gasolina ao fogo” –, Bruno Dias rejeita que o partido, que passou meses a tentar justificar a sua posição sobre conflito, seja um “gato escaldado com medo”. “Enquanto alguns países continuarem, inclusive o nosso e para nossa vergonha, a enviar armamento para um conflito em curso, não será possível encontrar uma resolução pacífica.”
“Comer e calar não é solução para ninguém”
Estamos em Beja, nas jornadas parlamentares do PCP, as primeiras de Paulo Raimundo enquanto secretário-geral do partido. Como correu a estreia do líder comunista?
Correu muito bem. Houve um enquadramento político muito importante.
Que enquadramento foi esse?
A observação real dos problemas que as pessoas enfrentam e da exigência que a realidade está cada vez mais a impor de uma viragem nas políticas que estão a ser levadas a cabo. Os problemas estão aí, são indisfarçáveis e incontornáveis e por isso exigem respostas com opções políticas que requerem coragem: investimento público, desenvolvimento, produção nacional, criar riqueza e distribuir riqueza.
E foi a constatação desses problemas, no distrito de Beja, que serviu como bitola para criticar as opções políticas do Partido Socialista.
Usou uma expressão particularmente feliz: “bitola”. Tem o exemplo perfeito logo na primeira iniciativa que fizemos, que foi a viagem de comboio. Viemos desde a Área Metropolitana de Lisboa até aqui, sendo confrontados com os problemas concretos de trabalhadores e utentes. Quando falamos de opções políticas não estamos a falar de abstrações, de doutrina. Estamos a falar da vida concreta — do comboio que precisa de ser substituído, do hospital que precisa de meios e trabalhadores, trabalhadores e agentes culturais que precisam de ter um modelo político diferente. Os contactos que fizemos com a realidade vieram confirmar a necessidade de intervir nestas diferentes vertentes.
Voltemos a Paulo Raimundo, que apontou fortes críticas a António Costa. O secretário-geral do PCP disse que o Governo “ou cede, ou sai”. Um ano depois de o PS conquistar a maioria absoluta, o PCP está a subir de tom nas críticas?
Acho que sobem de tom as dificuldades das pessoas e sobe de tom a falta de resposta. Torna-se mais evidente. Sobem de tom os problemas e fica mais à vista que há uma falta de resposta e uma falta de vontade política para avançar com soluções necessárias. A contestação é inevitável, não é telecomandada. É uma resposta incontornável que as pessoas acabam por ter — nuns setores de forma mais rápido do que noutros. Aquela expressão antiga de “comer e calar” não é solução para ninguém.
“Sondagens são usadas para fabricar consciências”
O que é que Paulo Raimundo traz agora ao PCP que Jerónimo de Sousa já não trazia?
Cada pessoa tem a sua maneira de ser. Cada pessoa tem o seu percurso. As experiências são diferentes, as origens e as razões de classe são as mesmas. O projeto de futuro, o método de olhar para a realidade e intervir é o mesmo. Depois há uma experiência geracional que é necessariamente diferente. A geração de Jerónimo de Sousa tem uma experiência própria e um percurso da história do país que marcou muito — e ainda bem. Paulo Raimundo tem um percurso também riquíssimo com muita história para contar. Nós que o conhecíamos não ficamos surpreendidos. E tenho recebido reações de surpresa muito positiva e de bom acolhimento à forma de estar de Paulo Raimundo, à intervenção e à própria capacidade em diversas áreas.
As jornadas acontecem numa altura em que as sondagens não têm sido simpáticas para o PCP. A mais recente, da Pitagóricas dava apenas 2,2% ao PCP e colocava em risco a permanência no Parlamento. É por causa disso que Paulo Raimundo afastou ontem o cenário de eleições antecipadas?
Não. Não é por causa de sondagens mais favoráveis ou menos favoráveis que colocamos esse tipo de cenários. No PCP não temos essa forma de olhar e intervir no quadro político. Paulo Raimundo sintetizou de forma particularmente feliz as nossas prioridades: muito mais do que o quadro político, a nossa preocupação é o quadro económico e social do país. Ou seja, podemos passar o dia de manhã à noite a discutir sondagens, a discutir problemas de secretários de Estado e diretores gerais — e mesmo não desvalorizando essas situações — não é isso que vai fazer com que passem os problemas do aumento dos preços, do salário que não chega até ao fim do mês… As sondagens valem o que valem e temos alguns casos — bem recentes — de terem sido usadas como forma de combate político-partidário para fabricar consciências.
Está a falar das últimas eleições, onde António Costa conquistou maioria absoluta apesar de algumas sondagens chegarem a mostrar o PSD bem próximo?
Essas coisas depois dão para escrever livros e são casos de estudo. Como dizemos, as sondagens valem o que valem. Relativamente à nossa preocupação com o quadro político tem a ver com uma coisa que temos como muito importante: que as pessoas participem; mas participem agora e não só daqui a três anos ou o que for. Estamos a dar o incentivo e o desafio para que se transformem as injustiças em força para lutar.
“Queremos mais votos e mais mandatos na Madeira”
Intervenção mais consequente é mais fácil de ter na Assembleia da República. Sente o risco do PCP deixar de estar representado nas próximas eleições?
A minha resposta é não. Não é um cenário que se esteja a colocar. Quando falei em intervenção ativa estava a referir-me ao conjunto de pessoas que se juntam a nós no dia a dia. Têm vindo muitos e de vários setores do trabalho, de várias gerações, e que vêm com esta ideia: quero fazer parte deste partido e desta luta. É um fator enorme de confiança e alegria. Aí, a ação política ganha outro sentido. Não é uma ação política em função de sondagens ou de resultados eleitorais que possamos pensar para daqui a quantos anos.
Vão ter dois novos desafios, as eleições na Madeira e as Europeias. Quais são os objetivos?
A CDU/Madeira tem feito um trabalho excecional. Não só na Assembleia Legislativa, mas também no terreno a ouvir as pessoas, onde não fica uma rua por contactar, para que a autonomia não seja uma palavra vã. Não é uma questão de ficar à espera do tiro de partida da campanha eleitoral. Daqui por uns tempos vamos ficar a ouvir falar muito da Madeira, mas só por uns dias. Queremos mais votos, mais mandatos e mais reforço da CDU. O trabalho político é de sensibilizar e mobilizar as pessoas para a luta, deixar sementes na terra que não florescem só no dia das eleições, vão florescer no futuro.
Mas o cenário é diferente em Bruxelas, ou não?
Há um trabalho notável dos nossos eurodeputados, João Pimenta Lopes e Sandra Pereira. Têm feito jornadas parlamentares do Parlamento Europeu em todo o país. Mesmo antes de virmos para o distrito de Beja, estiveram em Viana do Castelo a falar com pescadores, antes estiveram nos Açores, e antes disso em Setúbal. Estão a correr o país, para mostrar um trabalho muito sólido que fazem para os debates complexos em Bruxelas e Estrasburgo.
“Envio de armamento para a Ucrânia merece a nossa vergonha”
A guerra na Ucrânia foi apenas mencionada uma vez — no discurso de Paulo Raimundo — e para acusar o Governo de ser “porta-voz daqueles que alimentam a guerra e adicionam gasolina ao fogo”. Tirando isso, o conflito passou completamente ao lado destas jornadas. É caso para dizer que gato escaldado de água fria tem medo?
Se o gato não somos nós medo nunca tivemos. Já nos escaldámos muitas vezes ao longo de 102 anos. Temos aliás tido a coragem e frontalidade de tratar deste assunto com uma seriedade que muitas pessoas têm vindo a reconhecer de forma silenciosa, e com o tempo acabando por convergir.
O tempo vai dar razão ao PCP?
Acho que o tempo está a dar razão ao PCP. Não é preciso sermos historiadores. As posições que o PCP tem assumido, embora possam ter parecido incompreensíveis e ainda hoje podem parecer para muitas pessoas, tem uma lógica: enquanto humanidade, vamos precisar de criar condições para a resolução pacífica dos conflitos. Se alguém me demonstrar que a situação na Ucrânia tem uma solução militar, estou pronto a ouvir esse argumento. Que é com tanques, ou com mísseis, ou com aviões, ou com armas químicas ou nucleares que a situação se vai resolver. O caminho não pode ser esse. Enquanto alguns países continuarem, inclusive o nosso e para nossa vergonha, a enviar armamento para um conflito em curso, não é só o povo ucraniano que está a pagar com muitas vidas e muita tragédia este conflito; são também, por outras formas, os povos da Europa. Não se deve insistir num caminho de intensificação do conflito. De acrescentar guerra à guerra. Essa guerra infinita não vai resolver nada.