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Pinto Monteiro, o "beirão de cepa velha" que chegou a temer ser escutado enquanto era Procurador-Geral da República

Foi apontado por José Sócrates para Procurador-Geral da República e acabaria a ele associado mesmo quando o antigo primeiro-ministro foi detido. Pinto Monteiro recusou sempre que o tivesse protegido.

Dias antes de tomar posse como Procurador-Geral da República, Fernando Pinto Monteiro, que morreu esta quarta-feira aos 80 anos, telefonou ao seu antecessor a marcar um almoço. Até aí Souto de Moura mal o conhecia, mas percebeu logo que era um “um beirão de cepa velha que apreciava a vida”, conta agora ao Observador.

Depois deste encontro, Souto de Moura afastou-se e procurou não “imiscuir-se”, tal como Cunha Rodrigues, seu antecessor, lhe tinha feito. Ainda almoçou com Pinto Monteiro pontualmente e privou com ele em eventos, mas a última vez que o viu terá sido ainda antes da pandemia de Covid-19, que começou em 2020. “A sua morte para mim foi uma pena”, disse o antigo Procurador-Geral da República ao Observador.

Aos 44 anos, o vice-reitor da Universidade Coimbra, João Nuno Calvão da Silva, também recorda Pinto Monteiro como um  “beirão genuíno e bondoso, que gostava de falar com todos, do mais rico ou mais pobre”. Calvão da Silva recorda-se dos encontros do falecido pai, que chegou a ser ministro da Administração Interna, com o irmão de Pinto Monteiro, António, que é professor catedrático em Coimbra. “Sou de uma geração diferente mas recordo-me dele como um homem bom e genuíno, muito preocupado com o irmão, e um antigo estudante da Universidade de Coimbra que chegou ao topo da magistratura, um cargo particularmente difícil”, diz. “É com pena que o vemos partir”.

Pinto Monteiro nasceu em Porto de Ovelha, no concelho de Almeida, e licenciou-se em Direito na Faculdade de Coimbra. Tem dois filhos. O juiz e ex-ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, foi um dos nomes sonantes que com ele estudou, a par de outros como Correia de Campos, Gomes Canotilho e Proença de Carvalho. Aliás, uma das últimas aparições públicas de Pinto Monteiro foi precisamente há dois meses no lançamento do livro de memórias Daniel Proença de Carvalho, “Justiça, Política e Comunicação Social”, num evento que juntou personalidades como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues, Pinto Balsemão ou Ramalho Eanes, como então noticiou o ECO.

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Laborinho Lúcio descreve o colega como um homem “de convicções”, mesmo que diferentes das dele. “A convergência é um bem na sociedade democrática”, avisa. Aliás, o próprio Pinto Monteiro viria a defender o mesmo numa entrevista à RTP, em 2017, cinco anos depois de deixar de ser PGR, ao afirmar que concordava quem tivesse uma opinião diferente da dele, só discordava dos que mudavam de posição “consoante o interesse do momento”. “Respeito a posição dos outros como espero que respeitem a minha”, dizia.

"Sou de uma geração diferente mas recordo-me dele como um homem bom e genuíno, muito preocupado com o irmão"
João Nuno Calvão da Silva,

Apesar de, depois do curso, Laborinho Lúcio e Pinto Monteiro terem seguido caminhos diversos — Pinto Monteiro começou por ser delegado do Ministério Público em Idanha-a-Nova, Anadia, Porto e Lisboa e só mais tarde seria juiz, passando por Pinta do Sol, Álcacer do Sal, Loures, Torres Vedras e Lisboa — , os dois voltariam a cruzar-se, mas em Lisboa.

“Tive uma relação mais próxima quando estive no Centro de Estudos Judiciários e no Ministério da Justiça. Pinto Monteiro tinha uma relação com a ASJP [Associação Sindical de Juízes Portugueses onde foi secretário geral] e conversámos muito sobre como a justiça devia funcionar. Mais tarde acompanhei o seu trabalho como PGR, já mais à distancia, até porque tínhamos perspetivas diferentes do funcionamento da magistratura”, explicou, sem querer concretizar. “O silêncio vale mais que as palavras. Era uma divergência de pensamento e para mim não é a ocasião [para concretizar]. O silencio é sempre muito mais eloquente”, justifica.

O juiz Laborinho Lúcio estudou Direito com Pinto Monteiro

UNICEF

Luta contra a corrupção

Naquele dia 9 de outubro de 2006, numa cerimónia no Palácio de Belém, em Lisboa, para o então Presidente da República, Cavaco Silva, lhe dar posse, Pinto Monteiro fez um discurso dominado pela necessidade de combater a corrupção. “Várias leis foram elaboradas com o fim de combater a corrupção, várias experiências foram tentadas, várias iniciativas tomadas, mas a corrupção está aí, tão viva como sempre, minando a economia, corroendo os alicerces do Estado democrático”, dizia. Segundo o então novo PGR, que tinha sido Alto Comissário Adjunto na Alta Autoridade Contra a Corrupção, “não havendo essa consciência moral e a certeza de que todos serão tratados de igual forma, existindo antes a convicção de que todos se governam e de que a corrupção é um mal menor e inevitável, os esforços contra a corrupção serão sempre votados ao fracasso”.

Mas seria um processo de corrupção que à data estaria a ser investigado que acabaria por marcar não só o mandato de Pinto Monteiro e a sua relação com magistrados e investigadores, como os anos que se seguiram. E muito por causa do homem que sugeriu o seu nome a Cavaco Silva para dirigir o Ministério Público: o então primeiro-ministro, José Sócrates, detido na Operação Marquês mais de um ano depois de Pinto Monteiro deixar o cargo de Procurador Geral, mas por factos alegadamente cometidos quando este ainda estava no cargo.

Em 2006, quando chegou à PGR, a investigação ao caso Freeport estava parada há dois anos. Naquele caso, analisavam-se alegadas luvas pagas  para a construção deste centro comercial em Alcochete, mas como José Sócrates era então primeiro ministro, a sua responsabilidade enquanto ministro do Ambiente não fora sequer escrutinada. No despacho de acusação que viria depois a ser proferido, a procuradora Cândida Almeida — que o Observador tentou agora contactar sem sucesso — fez questão de incluir as duas dezenas de perguntas que nunca foram  feitas a José Sócrates, o que mereceu críticas públicas do procurador Pinto Monteiro, que chegou a considerar o processo uma “fraude”. “Não comento decisões judiciais, mas o processo é uma fraude. O maior problema que o MP tem é a contaminação entre a Justiça e o poder político. E, mesmo que se apure que não há nada, fica sempre a suspeição. E o pior é que já há magistrados a fazer política”, disse em outubro de 2012 numa entrevista ao Expresso, pouco depois de deixar a PGR.

Pinto Monteiro sucedeu a Souto de Moura

D.R.

Os inimigos: o sindicato do MP e a PJ

As declarações viriam a tornar mais profundo o fosso que criara já com os magistrados, sobretudo com o  Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a quem sempre avisou que não podia “substituir instituições”, criticando a sua influência. Numa entrevista à Rádio Renascença, Pinto Monteiro explicou mais tarde que a rutura com o sindicato, que na sua opinião poderia estar relacionado com o facto de ser juiz, começou meses depois de tomar posse quando dirigentes do organismo lhe terão proposto quem deveria escolher para vice Procurador-Geral. “O presidente então do sindicato indicou-me quem é que queria para vice. Eu disse: ‘Só me faltava essa! O vice sou eu que indico’. A partir daí a guerra foi aberta. Chumbaram sem nenhuma razão invocada o vice [que indiquei], que era o procurador mais antigo, com as melhores classificações; e não queriam ninguém que os punisse. Sabe porquê? Porque um dos problemas que nós temos na justiça é o Ministério Público, porque o MP tem magistrados excecionais, magistrados bons e magistrados medíocres. O que acontece é que os medíocres chegam onde chegam os excecionais – ou à frente, até”, disse.

O Observador tentou contactar António Ventinhas, um dos ex-presidentes do sindicato, que recusou tecer qualquer comentário sobre a sua morte. João Palma, que também foi presidente do sindicato na altura de Pinto Monteiro, classificou mesmo este período como “o mais negro desde o 25 de abril”, num livro publicado em 2018 sobre a história do MP, acusando Pinto Monteiro de se deixar politizar por José Sócrates e de o proteger.

“Viviam-se tempos muito conturbados decorrentes da política de ostensiva hostilização e despudorada tentativa de manipulação das magistraturas e do poder judicial pelo Governo de Sócrates”, escreveu João Palma, apontando o dedo ao então procurador-geral da República, Pinto Monteiro, segundo o Público.

Também no seio da Polícia Judiciária Pinto Monteiro não cultivou os melhores amigos. O então diretor nacional da PJ, Almeida Rodrigues, que também recusou falar ao Observador sobre a morte do antigo PGR, escudando-se no facto de agora estar no afastado da vida pública, chegou a ter que defender a Polícia Judiciária de declarações de Pinto Monteiro sobre o processo dos submarinos, explicando que tinha tido uma pequena intervenção no caso. Não era raro que o Procurador-Geral apontasse falhas a esta polícia e mostrasse que ainda não estava bem preparada. A verdade é que Pinto Monteiro também nunca teve qualquer prurido em afirmar que o diretor da PJ devia ser escolhido pelo Procurador Geral da República e que a própria PJ devia ser auditada.

“Viviam-se tempos muito conturbados decorrentes da política de ostensiva hostilização e despudorada tentativa de manipulação das magistraturas e do poder judicial pelo Governo de Sócrates"
João Palma, ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do MP

A relação com José Sócrates

Pinto Monteiro nunca recusou falar aos jornalistas, mesmo que por várias vezes criticasse a violação do segredo de justiça e dissesse que, enquanto magistrados e jornalistas tivessem contactos diretos uns dos outros, nunca haveria segredo de justiça em Portugal.  Já depois de abandonar o cargo, em 2012, deu várias entrevistas e raramente recusou dar uma palavra a quem o interpelasse.

Dias antes de José Sócrates ser detido, em 2014, esteve mesmo a almoçar com ele. Um almoço que motivou as mais diversas interpretações, sobretudo a teoria segundo a qual Pinto Monteiro saberia da detenção do antigo primeiro-ministro e que lhe estaria a dar informações. Uma interpretação recusada em toda a linha pelo próprio Pinto Monteiro em várias entrevistas.“Um dia recebo um telefonema da secretária de José Sócrates a perguntar se queria almoçar com ele. Eu disse que aceitava e ele marcou um restaurante onde nunca tinha ido, o Aviz. Se eu soubesse o que estava a acontecer nunca tinha aceite e se Sócrates soubesse nunca me devia ter convidado. Falámos de banalidades. Foi a única vez na vida que falei com ele”, justificou numa delas. Aliás, chegou a dizer, nos seis anos em que foi Procurador só recebeu um telefonema do então primeiro-ministro.  “Sócrates ligou-me uma única vez, para me desejar um feliz Natal. Nunca na vida falei com ele em privado”, esclareceu.

“Nunca o engenheiro Sócrates deixou de ser investigado por causa daquilo que nos chegou ao conhecimento. Tudo o que nos chegou ao conhecimento foi investigado"

Ainda assim a alegada falta de ligação não foi suficiente para recusar a presença no lançamento do livro de Sócrates no Museu da Eletricidade mesmo ao lado do amigo Noronha de Nascimento, que foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O livro foi lançado em 2013, já ele não era Procurador-Geral, mas os dois magistrados já tinham estado unidos em prol do mesmo nome no processo Face Oculta. Um caso em que Armando Vara foi escutado a falar com Sócrates sobre a eventual compra da TVI e um plano para controlar a comunicação social. Na altura o procurador de Aveiro, responsável pelo processo, mandou abrir investigações às escutas e considerou que havia indícios de crime de atentado ao Estado de Direito. Mas o então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, ordenou a sua destruição, por considerar que estas tinham sido obtidas de forma ilegal. Pinto Monteiro, então procurador-geral da República, por seu turno, acreditava que as escutas não continham “indícios probatórios” que levassem à instauração de um procedimento criminal. E por isso ele próprio destruiu as escutas recortando do processo, com uma tesoura, as passagens onde estavam as transcrições das conversas entre Sócrates e Vara.

O Observador tentou falar com Noronha de Nascimento, que recusou prestar qualquer declaração por esta altura, recusando mesmo ser “muito próximo” do magistrado.

Pinto Monteiro e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público estiveram sempre de costas voltadas. António Ventinhas, ex-presidente, recusou comentar a sua morte

JOÃO RELVAS/LUSA

Também sobre as escutas Pinto Monteiro teve declarações polémicas. Chegou a afirmar publicamente que em Portugal se faziam escutas ilegais, melindrando assim mais uma vez a Policia Judiciária. Mais tarde esclareceria que também a PSP podia fazer escutas. Chegou também a dizer que suspeitava estar sob escuta, por ouvir ruídos no telemóvel, uma preocupação que, do seu ponto de vista, seria comum a de várias figuras políticas.

Sem deixar de dizer o que pensava e defendia, também se manifestou contra a delação premiada, por considerar que a troca de “um rebuçado” pode levar a declarações falsas e que o próprio ato é comparável aos “tempos da tortura”, embora a contrapartida seja outra. “Entre haver um inocente condenado ou um culpado absolvido, optarei por um culpado absolvido”, chegou a afirmar.

Sempre que lhe perguntavam se não estranhava que os alegados crimes cometidos por José Sócrates por altura do seu mandato não tivessem sido investigados, Pinto Monteiro defendia-se descontraidamente. “Nunca o engenheiro Sócrates deixou de ser investigado por causa daquilo que nos chegou ao conhecimento. Tudo o que nos chegou ao conhecimento foi investigado”, reforçava. “Sócrates foi preso um ano e meio depois de eu ter abandonado e foi preso por um alegado crime que só foi descoberto depois de ter saído”, explicou, dando como exemplo, “os bancos que foram todos investigados” e cujas  investigações até já resultaram em condenações, “como no caso BPN, por exemplo”.

No evento que assinalou a sua despedida da PGR, Pinto Monteiro disse aos jornalistas que nunca se arrependeu de nada do que fez. “Vocês nunca me conseguiram tirar o sono!”, atirou o magistrado que trabalhou ao longo de mais de 40 anos.

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