Para quem ainda é pequenino, a rampa que está ali mesmo à frente — e que um crescido subiria em dois tempos — pode parecer intransponível. Carolina terá pouco mais de metro e meio, as probabilidades não são muito favoráveis, mas ela atira-se sem hesitação, mãos cravadas no plástico do insuflável e, a custo, chega lá.
Nesse momento de vitória improvável, Assunção Cristas aproxima-se e fica ali por momentos a ver as crianças brincar. Por entre os microfones, e as máquinas fotográficas, as câmaras de televisão e os jornalistas, talvez a líder do CDS não tenha apanhado a metáfora. Também é só mais uma, que ali, tudo é metáfora.
A começar no nome escolhido para o evento com que o CDS quis abrir a nova temporada política. “Festa das Famílias” vai bem com a identidade do partido e remete para temas que lhe são caros, em especial a natalidade que os centristas querem assumir como uma das prioridades. Em bom rigor, há mais militantes e “jotas” do que famílias propriamente ditas, mas não faltam balões, nem mantas de piquenique, bifanas, cerveja, matraquilhos e pinturas faciais. É uma encenação, claro, como todas as festas partidárias, e aqui com uma mensagem simples: no CDS há gente feliz e otimista, que faz política a comer pipocas.
Não é, aliás, difícil imaginar alguns dirigentes do partido sentados no sofá, de balde na mão, a assistir ao que se passa no PSD. E é essa imagem que interessa aos centristas fazer passar: uma casa onde há entusiasmo em torno da líder, por oposição ao parceiro do lado, onde há sempre discussão em cada jantar de família. O CDS, que noutros tempos era convidado habitual no repasto, entretém-se agora a dar fortes caneladas debaixo da mesa. “Estamos unidos, todos a remar para o mesmo lado”, disse Cristas este sábado.
Mas disse mais e disse pior para o antigo parceiro de coligação. “Somos o único partido que recusa servir de muleta a António Costa”. Num apelo a uma espécie de voto útil ao contrário, insistiu: “Um voto em nós não viabilizará um Governo de António Costa”. E depois deu a estocada final quando colou o atual PSD à “geringonça”:”Quem quer António Costa, quem consente António Costa, tem muitas opções”.
Não faltaram ataques ao governo, claro, nem o inevitável soundbite das “esquerdas encostadas” que Cristas quer ver se pega. No CDS assume-se que o que aí vem é um combate ideológico e que importa fazer marcação cerrada à governação socialista e aos parceiros do PS. Cristas fez isso, mas não de forma tão ácida como Nuno Melo, o cabeça de lista do partido às próximas europeias que partilhou o palco com a líder.
Figura muito popular entre a militância do CDS, Melo surpreendeu ao entrar na festa com ar de quem não tinha sido informado do dress code. Chegou de fato e sapatos formais, contrastando com o estilo desportivo da presidente do partido e da maioria dos dirigentes que se sentaram na primeira fila (Nuno Magalhães, Adolfo Mesquita Nunes, João Almeida, Cecília Meireles, Telmo Correia, Ana Rita Bessa).
“O Nuno que tire o blazer”, dizia-se à entrada. O Nuno não tirou. Entrou no recinto e fez o percurso ao lado de Cristas, distribuindo beijinhos e apertos de mão, parou para beber uma cerveja e depois recolheu-se discretamente num café para alinhavar o discurso que faria daí a minutos. “Ainda não tive tempo de olhar para isto como deve ser”, explicou.
Já de mangas de camisa, faltava-lhe apenas dar o toque pessoal ao guião que já estava escrito: carregar nos ataques ao Partido Socialista — referiu-se aos imigrantes que Costa quer trazer de volta com promessas de descida do IRS como os “espoliados do PS” –, encostar Costa à esquerda radical (“o Bloco entrou no PS, tal como o PS entrou no Bloco”) e explorar as recém descobertas fragilidades do Bloco de Esquerda, o que fez recuperando o caso Ricardo Robles. “Ainda não a vi Mariana Mortágua correr para o prédio do camarada milionário e a grafitar “Aqui há facho””.
A plateia riu-se da piada. Mas esta não era ainda a punchline. Toda a narrativa estava montada para uma conclusão final, que era a de que a esquerda não serve, mas à direita também não há mais alternativa. E, com isso, lá veio traulitada no PSD outra vez: “Nenhum voto (no CDS) servirá para acordos ou coligações com o partido socialista. Cristas é hoje, de facto, a líder da oposição”.
Desta vez a plateia não riu, aplaudiu com entusiasmo para mostrar que o CDS acredita mesmo que entrou para a mesa dos crescidos e que Assunção Cristas é a candidata da direita a Primeiro-Ministro. Uma imagem que talvez até agrade ao PS que, logo a seguir, escolheu dar-lhe importância suficiente para reagir no Largo do Rato.
O problema é que falta ainda um ano para as legislativas. Cristas ganhou embalo com a surpresa que conseguiu em Lisboa nas autárquicas e quer replicá-la em outubro. A última sondagem diz que está muito longe disso, ainda que a subir. Mas desta vez, jogará noutro campeonato e com outros adversários. E Rui Rio, apesar dos problemas que tem em mãos, não dá sinais de querer atirar a toalha ao chão como, de certa forma, o PSD fez na capital.
Referindo-se a outro assunto no discurso, Nuno Melo dizia em Ermesinde que “a política não é feita de imagens nem de símbolos. É feita de factos”. E, de facto, um insuflável é uma excelente metáfora para mostrar felicidade e confiança e expetativas lá em cima. Mas é também uma brincadeira de crianças que acaba num instante se tiver um furo. Os números do passado dizem que as probabilidades não jogam a favor desta nova ambição do CDS. Mas o partido vai insistir: “Queremos ser os vencedores improváveis”, dizia o líder da JP.
Tipo a Carolina, de metro e meio. Uma vencedora improvável que conquistou a rampa do barco de piratas e que por lá continuava, para cima e para baixo, indiferente ao comício da rentrée do CDS.