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Desde o início do segundo período que os protestos dos professores se intensificaram, com a convocação de várias greves e manifestações

SOPA Images/LightRocket via Gett

Desde o início do segundo período que os protestos dos professores se intensificaram, com a convocação de várias greves e manifestações

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Pior do que a pandemia ou problema que se resolve rapidamente? Alunos estão a perder tempo de escola, mas a greve não afeta todos por igual

Segunda-feira, 6 de fevereiro, completam-se 42 dias úteis desde que a greve dos professores arrancou. Ninguém nega que haja perda de aprendizagens, falta consenso sobre a sua dimensão e importância.

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Há uns anos, lia-se num cartoon de um jornal norte-americano: “Hoje, no telejornal, temos más notícias, muito más notícias e o tempo.” Em 2023, em vez de um desenho rabiscado no velho papel cinzento que sujava as mãos, a frase poderia ser lida num meme nas redes sociais. A sustentá-la estaria a greve dos professores por tempo indeterminado. Mais do que o protesto, a pergunta que tem zero boas notícias associadas é esta: o fecho das escolas está a prejudicar as aprendizagens dos alunos? 

Pedagogos, investigadores, psicólogos, professores, diretores, dirigentes sindicais, nenhum deles, ouvidos pelo Observador, consegue fugir ao “sim” quando a pergunta é direta. Sim, escolas fechadas afetam os alunos. Sim, escolas fechadas durante muito tempo afetam ainda mais os alunos. As respostas têm, porém, vários tons de cinzento: “Sim, mas…” E é a seguir à conjunção adversativa que as opiniões dos vários especialistas se dividem.

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A primeira divergência é sobre a dimensão da perda. Há quem defenda que, em alguns casos, elas podem ser superiores à da pandemia, como refere a investigadora Isabel Flores. Em contrapartida, há quem lembre que não é só na escola que se aprende, como o professor David Rodrigues.

A mancha dos protestos ao longo do país também tem de ser analisada. Se durante a pandemia houve localidades que tiveram cordões sanitários, tal era o número elevado de infeções, agora há igualmente casos extremos. Aconteceu no Agrupamento Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, que esteve fechado três semanas consecutivas ou na Escola Secundária de Silves, que poucos dias abriu desde 4 de janeiro, início do primeiro período. 

Há outras realidades, como no Liceu Camões, em Lisboa, onde os professores fazem escalas sobre quem protesta e quem dá aulas, para tentar minimizar as perdas dos alunos e não se repetirem faltas à mesma disciplina. Já em Cinfães, o diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto conta que só teve a escola fechada um dia. Manuel Pereira revela que tem professores em casa a ajudar os estudantes com os trabalhos, apesar de terem feito greve.

As greves começaram a 9 de dezembro de 2022, uma delas, a convocada pelo STOP, marcada por tempo indeterminado

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

“Não é verdade que os alunos como um todo tenham deixado de aprender durante dois meses”, argumenta Rodrigo Queiroz e Melo, conselheiro nacional de educação. Para já, até para se poder atuar, é preciso um levantamento, defende Isabel Flores, para se saber onde e quem sofreu mais com os dias de greve. O Observador perguntou ao Ministério da Educação se esse levantamento existe, mas não obteve resposta.

Também há quem diga que as perdas são pequenas, quando comparadas às dos alunos que não têm professores desde o início do ano, ou que, mesmo sem fazer greve, professores desmotivados não estarão a prestar o melhor serviço aos seus alunos. 

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“Os problemas estão todos muito intricados. O que está à frente dos olhos é a greve. E se não houvesse greve estava tudo bem? Não, não estava”, sublinha o pedagogo José Morgado.

O impacto das greves: há “anos críticos” e “crianças mais vulneráveis”

Quando as greves se prolongam, as estrias que ficam nas crianças fazem sulcos de diferentes tamanhos. “Há um impacto no desenvolvimento das aprendizagens”, começa por dizer Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, efeito esse que varia consoante a faixa etária.

Há anos que são críticos, esclarece a psicóloga, como os de início de ciclo, de transição, os que têm provas de aferição ou exames nacionais. “Por exemplo, o 1.º ano, por ser um período de aprendizagem da língua, por ser o início da escolaridade, é absolutamente essencial.” Nessa idade, assim como com as crianças que estão no pré-escolar, as rotinas diárias são essenciais e perturbá-las, como acontece com um período prolongado de greve, tem efeitos negativos.

"A greve tem impacto na própria alteração da rotina dos alunos. No 1.º ciclo, uma parte substancial da aprendizagem não formal na sala de aula passa por questões como as rotinas, a disciplina, o comportamento, que se respeitem regras para manter períodos de atenção/concentração. Ou seja, uma parte significativa da aprendizagem não formal é bastante afetada quando se alteram as rotinas, que é o que acontece agora."
Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos

“No 1.º ciclo, uma parte substancial da aprendizagem não formal na sala de aula passa por questões como as rotinas, a disciplina, o comportamento, por respeitar regras para manter períodos de atenção/concentração. Ou seja, uma parte significativa da aprendizagem não formal é bastante afetada quando se alteram as rotinas, que é o que acontece agora”, explica Sofia Ramalho. Para algumas crianças, o simples facto de ir até à escola e voltar para trás, ou ter de passar o dia no trabalho dos pais, ou com um cuidador diferente do habitual pode ter implicações negativas.  

O período atual é crítico, defende Sofia Ramalho, já que vivemos um período pós-pandemia, de guerra e de uma crise social e económica gerada por vários fatores. “O aumento das desigualdades sociais é elevadíssimo e temos crianças que quando as escolas estão fechadas não têm sequer acesso à alimentação”, argumenta. É por isso que as repercussões são mais sentidas por grupos específicos de crianças.

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As crianças mais vulneráveis são as mais penalizadas. “Quanto maiores vulnerabilidades prévias existirem, maior a perda. As crianças afetadas nos períodos pandémicos — dificuldade de aprendizagem, desmotivação, isolamento, menos saúde psicológica, ansiedade, depressão, alterações de comportamento e de desenvolvimento — podem voltar a apresentar esses sintomas”, conclui a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos.

A outra face da moeda são as crianças e jovens mais resilientes, que têm fatores de proteção, “competências pessoais, familiares, suficientes para responder com alguma proatividade” aos problemas, o que fará com que não sejam tão afetadas.

Pior que a pandemia? “Se estão consistentemente sem aulas”, sim

Isabel Flores, co-autora do estudo “Porque melhoraram os resultados PISA em Portugal?”, começa por defender que nos últimos 50 anos, Portugal tem feito uma boa progressão no sistema educativo, que há índices de abandono escolar muito baixos, “impensáveis há meia dúzia de anos”, e uma percentagem de alunos a chegar ao ensino superior na faixa dos 50%.

Primary School Class

Crianças mais novas são afetadas também pelo corte nas rotinas a que estão habituadas, além da ausência de aulas

Universal Images Group via Getty

“Quando eu era miúda e andava na escola, ali no princípio dos anos 1980, às vezes começávamos as aulas em dezembro. O ano escolar atrasava-se imenso. E chegava ao Carnaval e as escolas fechavam porque os alunos eram uns vândalos”, recorda. “Eram meses e meses sem aulas. Tínhamos um sistema escolar péssimo, só chegava à faculdade uma percentagem baixíssima e o sistema era feito para excluir. E ninguém se preocupava se aprendíamos ou não aprendíamos.”

Feita a comparação entre as duas realidades, Isabel Flores diz-se “muito contente por nos preocuparmos com os miúdos que ficam para trás”. No entanto, nada disso torna os alunos de agora imunes a períodos prolongados de greve. “Não sei se há alunos em Portugal que estejam sem aulas desde 9 de dezembro”, frisa a diretora executiva do Instituto das Políticas Públicas e Sociais do ISCTE. Se houver, o caso é grave.

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“Esses, se estão consistentemente sem aulas, vão ter perdas muito grandes, agravadas pelo facto de ninguém lhes estar a ligar nenhuma”, sustenta a investigadora, que representa Portugal no Centro de Investigação e Inovação Educacional da OCDE. “Na pandemia sempre havia um esforço e uma atenção sobre o que iríamos fazer com esses miúdos. Agora não há nada, ninguém lhes liga nenhuma. O professor está de greve.” Na sua opinião, nestas circunstâncias, vão ter perdas acentuadas, comparadas com as da pandemia, mas estes alunos “serão certamente uma franja do total”.

Exemplos desses, são as escolas já referidas de Silves e Portimão, onde o número de dias de aulas perdidos foi grande. Continuando a estabelecer um paralelo com o que aconteceu durante a pandemia, Isabel Flores lembra literatura recente, publicada há poucos dias, que mostra que os alunos perderam cerca de um terço das aprendizagens que deviam ter alcançado no período da pandemia. 

Nos 92 mil quilómetros quadrados de Portugal, haverá espaço para tudo, até para situações opostas. “Quem tem filhos em escolas privadas não sente a greve, mas quem tem filhos em escolas públicas de elite também não a sente. Sei que há algumas escolas em Lisboa que não tiveram uma única interrupção desde que a greve começou”, diz Isabel Flores.

“Não são as greves dos professores que têm prejudicado os alunos.” Sindicatos não chegaram a acordo com o Governo

Generalizar é errado. “Não é verdade que os alunos como um todo tenham deixado de aprender durante dois meses”, defende, por seu turno, Rodrigo Queiroz de Melo, professor auxiliar da Universidade Católica Portuguesa, onde coordena o Mestrado em Ciências da Educação. “Temos todos a perceção de greve total desde o início de janeiro, mas quando vamos ver ao detalhe, há escolas onde não houve impacto nenhum, e há escolas com imenso impacto durante uma semana.”

"Não sei se há alunos em Portugal que estejam sem aulas desde 9 de dezembro. Esses, se estão consistentemente sem aulas, vão ter perdas muito grandes, agravadas pelo facto de ninguém lhes estar a ligar nenhuma. Na pandemia sempre havia um esforço e uma atenção sobre o que iríamos fazer com esses miúdos. Agora não há nada, ninguém lhes liga nenhuma. O professor está de greve. Acho que vão ter perdas acentuadas comparadas com a pandemia, mas serão certamente uma franja do total de alunos."
Isabel Flores, diretora executiva do Instituto das Políticas Públicas e Sociais do ISCTE

Para o professor, é difícil fazer a ligação da greve com perdas de aprendizagem, embora reconheça que se perde tempo de escola. “Continuamos com um problema estrutural das aprendizagens em Portugal: há um número demasiado grande de alunos com resultados muito fracos.” Além disso, “quando há muita falta de aprendizagem nos tempos normais, os tempos anormais não impactam muito porque eles já não estão a aprender de qualquer maneira”.

Para Queiroz e Melo é fundamental “fazer muito melhor” nos tempos sem greves e pandemias: “A minha preocupação não é tanto o que estão a perder, é o que não estão a ganhar porque estão a perder há décadas.” 

Isabel Flores também aponta para um problema grande de iniquidade nas escolas. “Vamos ver o que nos dizem os resultados do PISA, mas continuamos a ter uma percentagem muito grande de alunos que chegam aos 15 anos a fazer muito pouco, que são analfabetos funcionais.” Isso, defende, é sinal de que a escola não é igual para todos e serão eles os primeiros a sofrer com greves prolongadas, tal como explicou a psicóloga Sofia Ramalho ao falar dos mais vulneráveis.

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Têm havido várias manifestações, locais e nacionais, estando mais uma convocada para 11 de fevereiro em Lisboa

Corbis via Getty Images

Mesmo sem fazer greve, professores não estarão na melhor forma

Antes de fazer qualquer análise, é preciso contextualizar, diz José Morgado, membro do Centro de Investigação em Educação do ISPA — Instituto Universitário. “Há um contexto que atravessamos, de reivindicação da classe docente, em que há um conjunto de problemas dos professores que são problemas nossos.” O pronome possessivo refere-se ao conjunto de habitantes de Portugal. E porquê? “Porque uma classe docente envelhecida, com problemas de motivação, não estará nas melhores condições para prestar um serviço educativo de qualidade.”

Isabel Flores diz quase o mesmo, uma vez que acredita que professores preocupados com reivindicações e com os problemas da carreira, não estão com cabeça para dar aulas. “Em algumas escolas, os professores estarão mais resignados. Noutras, as pessoas estão muito zangadas”, e esse ambiente, quanto mais hostil for, mais irá influenciar o que se passa (e se perde) nas salas de aula.

“A perda de aprendizagens é pontual relativamente ao efeito da greve, mas o sistema educativo perde qualidade se não tiver professores valorizados”, sublinha José Morgado, doutorado em Estudos da Criança. Professores valorizados, defende, é o que se encontra nos sistemas educativos mais eficientes e de melhor qualidade. “Temos professores cansados, envelhecidos, desmotivados. Se eu estou mal disposto não é possível fazer um exercício de dupla personalidade e estar completamente empenhado. Ninguém é de ferro”, acrescenta.

Falando em nome da ANDE, Manuel Pereira reconhece que o ambiente não é bom. “Há descontentamento na escola. Ponto. Há uma sensação de instabilidade, não é latente, é sentida, há um desconforto enorme por parte dos profissionais de educação e tudo isto tem de se refletir no trabalho que os professores fazem e na concentração das crianças. Isso é visível.”

Isabel Flores diz que o país precisa de professores que estejam pacificados, e que possam centrar-se naquilo que é o seu trabalho, que possam pensar em estratégias para ajudar os alunos. “Estamos com dois meses de turbulência e não vejo qualquer sinal de acordo. Os sindicatos estão muito aguerridos. O Governo não está com vontade de, neste ambiente crispado, ceder a pressões. Não sei como se vai desmobilizar. Os dois lados têm de baixar as armas.”

"Uma classe docente envelhecida, com problemas de motivação, não estará nas melhores condições para prestar um serviço educativo de qualidade. Ou seja, a perda de aprendizagens é pontual relativamente ao efeito da greve, mas o sistema educativo perde qualidade se não tiver professores valorizados."
José Morgado, membro do Centro de Investigação em Educação do ISPA - Instituto Universitário

Júlia Azevedo, líder do SIPE, sabe que os professores estão desmotivados e isso acaba por ser o que “torna a luta tão forte”. A possibilidade, “realista e imediata” de não haver professores vai, na sua opinião, fazer com que haja um enorme retrocesso das aprendizagens. Era nisso que o Ministério se devia focar, considera.

“Será muito grave se tivermos um retrocesso na educação. Travar as greves e não corresponder às exigências dos professores é enterrar a cabeça na areia. Sem professores, como é que ficam as aprendizagens? Não ficam. Os alunos que puderem vão para as escolas privadas, onde não faltam professores e explicações. Os nossos filhos, os filhos de Portugal, serão alvo de uma desigualdade muito grande. Serão mais prejudicados, como sempre”, conclui a professora.

O problema é estrutural e antigo, concorda Filinto Lima, presidente da associação nacional de diretores, ANDEP, e que se recorda de ter alertado Nuno Crato, então ministro da Educação, para a dificuldade, nessa altura, de arranjar professores de geografia. “Eu, no Norte, ficava admirado porque aqui havia professores a rodos. Mas já se sentia. Foi-se agravando e não houve governo que se interessasse em resolver um problema que é estrutural. Não é de hoje. É de sucessivos governos. Veio tudo ao de cima agora, empurraram com a barriga para a frente, empurraram, empurram e chegamos  a este estado calamitoso.”

E as aprendizagens? Ficam perdidas para sempre?

“Quando falamos da recuperação de aprendizagens é sempre inevitável perguntar: estamos a recuperar em relação a quê? Falamos como se houvesse a figura da recuperação e o fundo fosse a educação”, diz David Rodrigues, conselheiro nacional de educação, desde 2015, que acredita que todo o modelo de educação em Portugal está hoje posto em causa. Quanto às perdas, argumenta que se pensarmos que aprender é exclusivamente aprender o que está no currículo, “é claro que os alunos vão perder alguma coisa, ou algum tempo que teriam para aprender” esses programas. 

“Não gosto do termo recuperação de aprendizagens porque isso é uma coisa de ‘Ó tempo volta para trás’, e isso só acontece na música. O tempo não volta para trás. Se tivermos a preocupação de recuperar as aprendizagens, não vamos trabalhar nas aprendizagens que são necessárias, porque vamos andar sempre atrasados”, defende o professor de Educação Especial. Na sua opinião, o mais importante é perceber onde é que vamos começar a trabalhar para a educação dos jovens. “A ideia não pode ser aprender a galope.”

Em primeiro lugar, a aprendizagem não é uma coisa, é um processo, defende David Rodrigues. “Quando digo recuperar, deveria dizer retomar, reorganizar um processo de aprendizagem. Depois da pandemia, faz sentido voltarmos a pensar como vamos engatar, encaixar as nossas propostas para levar os alunos mais longe.”

Special school for hearing and visually impaired in Oshakati

Crianças vulneráveis sofrem maior impacto, seja por terem necessidades especiais, serem de minorias étnicas ou de famílias mais carenciadas

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Por outro lado, acredita que se os alunos não aprenderam algumas coisas, ganharam outras. “Não temos de pensar que a aprendizagem são as sagradas relíquias, que sem aquilo não se consegue fazer nada. Temos de pensar que a aprendizagem é um processo contínuo: quando estavam sem aulas na pandemia, as pessoas não deixaram de aprender. Aprenderam outras coisas.”

Rodrigo Queiroz e Melo também defende que os alunos não estavam fechados num quarto vazio. “Conversaram com os colegas, estavam online a fazer coisas, a ler, a fazer imensas coisas. Era engraçado tentar perceber em que medida a perda de aprendizagem é assim tão forte por terem ficado em casa, desde que tenham ficado em casa a fazer coisas. Podemos estar a sobrevalorizar o impacto das escolas na aprendizagem dos alunos”, refere, dizendo que se trata de uma hipótese, não de uma certeza.

“Nas greves académicas, dizia-se que era uma geração perdida e não se notou coisa nenhuma.” David Rodrigues, que viveu intensamente as crises estudantis dos anos 1960, acredita que arranjamos maneiras, sobretudo os jovens, de encontrar outros caminhos para chegar a competências muito semelhantes às que se adquirem em aulas completamente formais.

“A geração que levantou Inglaterra foi a que sofreu a Segunda Guerra Mundial. Pensar que estes alunos ficam marcados para a vida é uma perspetiva catastrofista. Como se fosse uma catástrofe não saber a segunda lei de Newton. No meu tempo, o estudo da Revolução Francesa era essencial. Hoje em dia, o que sabemos? Sabemos algumas coisas, mas não sabemos os detalhes”, conclui o conselheiro.

E as soluções são…

As soluções apontadas caminham no sentido de ajustes feitos à medida, e não de um pronto a vestir, igual para todos os alunos. Isabel Flores acredita que passará por ter um ensino mais personalizado. “Com os mesmos recursos tentar fazer melhor, mas os recursos estão um bocadinho esticados”, reconhece. No final, acredita que ter tido uma falha no ensino durante dois ou três meses pode ser compensada ao longo dos 12 anos de escolaridade, acabando por ser esbatida.

Queiroz e Melo fala da necessidade absoluta de reestruturar a fórmula de ensino. “Se alguém descobrir como conseguimos recuperar da ausência de escola durante seis meses, isso não pode ser uma medida one of, tem de ser uma medida estrutural que fique no sistema. Essa é a questão de fundo enquanto andamos a discutir a espuma dos tempos, mais greve, menos greve, quando, na verdade, isto não está a correr bem.”

"Temos agora a mesma situação em relação às greves dos professores. Temos todos a perceção de greve total desde o início de janeiro, mas quando vamos ver ao detalhe há escolas onde não houve impacto nenhum, há escolas com imenso impacto durante uma semana... Não é verdade que os alunos como um todo tenham deixado de aprender durante dois meses. "
Rodrigo Queiroz e Melo, conselheiro nacional de educação

“Se calhar…” — sugere David Rodrigues — “quando pensamos em retomar a aprendizagem temos de ter em atenção o que é que as pessoas aprenderam e pensar que o retomar das aprendizagens é ir buscar os alunos onde eles estão e não onde eu acho que eles deviam estar.”

José Morgado diz ter confiança na classe docente. “Tenho confiança no sentido ético e deontológico dos professores. Voltando a uma certa normalidade, seja lá isso o que for, acredito que os professores terão em conta o que se passou nestes dias de greve.” Além disso, tal como Isabel Flores, reforça a importância de uma avaliação casuística dos professores nas respetivas turmas, para minimizarem os efeitos que possam ter os dias de paragem.

E a solução, para si, é o tal fato feito por medida num alfaiate. “Temos de ver a idade, a autonomia, o enquadramento familiar. Há uma série de variáveis que podem modelar o impacto que cada aluno pode ter.”

Mário Nogueira, líder da Fenprof, descola-se das greves prolongadas e dos seus efeitos. “As greves que a Fenprof convocou com outras organizações sindicais foram três dias: 2 de novembro, 18 de novembro e agora uma por distrito. Parece-nos que não é uma greve de três dias que faz com que os alunos desaprendam.” A partir daí, e havendo outros protestos que levem a perdas superiores, não se pronuncia para não haver segundas leituras. “Penso que os professores são responsáveis e saberão, quando chegar a altura, compensar essas perdas.”

David Rodrigues lança uma pergunta e dá-lhe uma resposta. “O que funcionaria melhor no retomar da aprendizagem? Temos de reconetar com os alunos, com o que eles são e com o que eles sabem. Não é conectar com o programa, não é conectar com o currículo, é conectar com os alunos, saber quem eles são, o que sabem e os projetos que devemos desenvolver com eles.”

Um segundo aspeto muito importante é melhorar os processos de aprendizagem, melhorar a participação, a motivação dos alunos, para melhorar o sentido que eles querem dar às coisas. “A intencionalidade é muito importante na aprendizagem. Eu quero fazer isto para quê?”, defende o professor.

“Quando eu andava na escola” — diz Manuel Pereira — “e sou suficientemente velho para poder falar à vontade, toda a tecnologia de ponta existente estava lá, era o quadro preto e o giz. A escola era mais apetecível do que aquilo que se tinha em casa. Não havia concorrência. Hoje, muitos miúdos, têm mais em casa, ou na própria mochila, do que a escola tem para oferecer.” O presidente da ANDE acredita que para os alunos é mais interessante estar sentado com um telemóvel do que estar na sala de aula a aprender coisas, situação que é preciso reverter.

“Não tenham dúvidas que o tipo de escola que temos já fomenta a perda de aprendizagens. O tipo de escola que temos é baseada nos professores que temos, que é uma classe envelhecida. Não leve isto à letra, mas não há alunos felizes, com professores infelizes”, conclui o diretor.

A finalizar, David Rodrigues lembra a ideia feita de que as crises são oportunidades. “As movimentações dos profissionais de educação são oportunidades para repensar, por exemplo, o que é ensinar e aprender. Se estiver obcecado com o ensino, posso dar a história de Portugal em duas aulas. A pergunta é o que é que as pessoas aprenderam. Muitas vezes pensa-se que recuperar o ensino, é ensinar mais coisas. E esquece-se que a recuperação é das aprendizagens, não do ensino. O que tenho de fazer é adequar o meu ensino à capacidade, à riqueza, motivação que a aprendizagem pode ter.” Só assim deixará de haver perdas, com ou sem greves.

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