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"Plan 9 From Outer Space". O pior filme do mundo chegou aos cinemas há 60 anos

Filmado nas traseiras de um hotel, com cenários de cartão, "Plan 9 From Outer Space" tornou-se, após a morte do seu realizador, num filme de culto. 60 anos depois, o Motel X presta-lhe homenagem.

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Já lhe chamaram uma obra prima da ficção científica, um triunfo da vontade sobre o talento e a melhor comédia não intencional, mas foi como o pior filme de todos os tempos que “Plan 9 From Outer Space” ficou para a história do cinema. Realizado em 1956, num armazém nas traseiras de um hotel de prostitutas em Hollywood, o magnus opus de Ed Wood sobre mortos-vivos e conspirações alienígenas acabaria, nas décadas seguintes, por cair no esquecimento. Só em 1980, quando os irmãos Medved o incluíram no livro The Golden Turkey Awards, é que se estabeleceu com “o rei dos filmes de culto” da Série Z. Passados 60 anos da sua chegada aos cinemas, no verão de 1959, esta obra falhada ocupa finalmente um lugar entre as estrelas maiores de Hollywood, um sonho de que, apesar de todas as contingências, o seu realizador nunca desistiu. E essa é talvez a grande lição da história de Wood — é preciso nunca deixar de sonhar.

Ed Wood sempre quis ser realizador. Nascido a 10 de outubro de 1924, em Poughkeepsie, em Nova Iorque, Edward Davis Wood Jr. apaixonou-se cedo pelo cinema. Aos fins de semana, era habitual encontrá-lo no cinema local, onde, aos sete anos, viu pela primeira vez a adaptação de 1931 de Drácula. O filme e a interpretação de Bela Lugosi, então uma estrela em ascensão, marcaram-no profundamente e viriam a exercer uma grande influência na sua futura carreira. Os pais, Edward e Lillian, apercebendo-se da sua paixão pelos filmes, ofereceram-lhe uma câmara de filmar, uma Kodak Cine Special, quando tinha 12 anos. Foi com esta que filmou, em 1936, o zeppelin Hidenburg a voar sobre o rio Hudson, em Poughkeepsie, pouco antes de se despenhar em New Jersey quando tentava aterrar.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Ed Wood foi um dos muitos jovens norte-americanos que se alistou no exército após o ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Com o fim do conflito armado, Wood decidiu perseguir o seu sonho de infância — o cinema. Aos 24 anos, saiu de Poughkeepsie e mudou-se para a longínqua Los Angeles, para “encontrar o que tivesse de encontrar em Hollywood”, iniciando assim uma longa carreira de mais de 30 anos, durante a qual produziu, escreveu e realizou sete filmes, entre eles “Plan 9 From Outer Space”, e contribuiu com cinco guiões para projetos de outros realizadores.

Bela Lugosi ficou conhecido por interpretar Drácula, na produção de 1931 da Universal Studios

Ed e Bela, uma amizade de outra dimensão

Um dos momentos mais importantes da carreira de Ed Wood foi o encontro com Bela Lugosi. Os dois conheceram-se pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, quando Wood já se encontrava em Hollywood, graças “a poderes negros de outras dimensões”, como ele próprio dizia. Lugosi não gostou dele, mas os dois acabaram por se entender. Wood convenceu-o a entrar no seu primeiro filme, “Glen or Glenda” (1953), que conta a história de um homem que gosta de usar roupa de mulher (sobretudo camisolas de angorá). Baseado na vida do próprio Wood, “Glen or Glenda” é um misto de documentário e de produção sci-fi, no qual Lugosi surge como uma espécie de marionetista malvado que comanda os seres humanos. Numa das cenas mais famosas do filme, o ator húngaro fala sobre as pessoas, sempre atarefadas nas suas vidas, enquanto olha para uma imagem de uma multidão a caminhar na rua. “Puxa a corda!”, grita Lugosi, sem se perceber exatamente o que quer dizer com isso.

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A partir de “Glen or Glenda”, Bela Lugosi tornou-se na estrela das produções de Wood. Na seguinte, “Bride of the Monster” (1955), uma espécie de “Frankenstein” da era atómica, o “Drácula” desempenhou o papel de Eric Vornoff, um cientista louco com um polvo gigante de estimação que quer criar super-humanos a partir da energia nuclear. Este foi o último filme falado de Lugosi. Depois de “Bride of the Monster”, a sua voz não se voltou a ouvir no cinema.  Antes de morrer, em 1956, o ator participou apenas num filme mudo, chamado “Black Sheep” (1956), e gravou as famosas cenas que viriam a ser incorporadas por Wood em “Plan 9”.

[A famosa cena de “Glen or Glenda”, em que Bela Lugosi fala em puxar “a corda”:]

Ao longo dos anos, muitos têm defendido que Ed Wood se aproveitou da fragilidade do ator húngaro para o convencer a entrar em filmes que não estavam à sua altura. É esta a opinião do filho de Bela Lugosi, Bela Lugosi Jr., que considera o realizador de “Plan 9 From Outer Space” um “aproveitador e um falhado” que “bebia demasiado”. “Cruzou-se com o meu pai no final da sua vida, nos últimos anos. Na altura, o meu pai estava desesperado pela dignidade de poder trabalhar, precisava de dinheiro. Ed Wood filmou-o e arrastou-o para o nível dos filmes pelos quais é vergonhosamente conhecido”, declarou no documentário “The Haunted World of Edward D. Wood, Jr.”, defendendo que os papéis que Wood deu a Lugosi “estavam ao nível do fundo do poço”.

Quem trabalhou de perto com Wood e Lugosi tinha, no entanto, uma opinião diferente. A atriz Maila Nurmi, em “Flying Saucers Over Hollywood”, um documentário sobre “Plan 9”, disse que achava que a relação entre os dois tinha começado por ser estritamente profissional, transformando-se depois numa “amizade muito bonita”: “O Ed conseguiu agarrar um ator de renome por três tostões. Ele estava a trabalhar praticamente a troco de nada, e era tudo o que ele [Ed Wood] conseguia pagar. Depois transformou-se numa amizade muito bonita. O Ed estava lá para ele, tinha bom coração. Aquele homem estava doente e a morrer. Estava velho, não tinha amigos ou dinheiro e precisava de comprar medicamentos”, disse. Nurmi não era a única a elogiar a compaixão e dedicação do realizador — quem o conheceu, garantiu sempre que era “uma das melhores pessoas” que havia.

Ed Wood e Bela Lugosi no cenário de "Glen or Glenda", um filme autobiográfico sobre um homem que gostava de vestir roupa de mulher

Getty Images

Nenhum filme retratou melhor esta relação complexa de dependência como “Ed Wood”, de Tim Burton. A produção de 1994 mostra como Wood, fã incondicional de Lugosi, o conheceu numa altura particularmente delicada da sua vida. Envelhecido, cansado e dependente de morfina, o “Drácula” tinha sido totalmente esquecido pela indústria que o tinha transformado numa vedeta e abandonado por todos os que lhe eram próximos. É certo que Lugosi se apresentava como o grande nome que possibilitaria a Wood vingar no mundo do cinema, mas não é menos verdade que o ator viu no jovem realizador uma última oportunidade de voltar a ser a estrela. Quando os dois se conheceram, Lugosi estava reduzido a alguns papéis em filmes de segunda categoria e em ações de publicidade a produções onde nem sequer tinha entrado, como “House of Wax” (1953), realizado por  André De Toth. Quando mais precisou, Wood estendeu-lhe a mão.

[O trailer de “Ed Wood”, de Tim Burton:]

Quando Bela Lugosi morreu na sua casa em Los Angeles, a 16 de agosto de 1956, Ed Wood ficou devastado. De acordo com Carl Anthony, que fez de polícia em “Plan 9”, o ator de 73 anos era “provavelmente o seu melhor amigo naquela altura”. Desenrascado como sempre, Wood decidiu usar as gravações que tinha de Lugosi — nomeadamente a famosa cena à porta de casa do wrestler sueco Tor Johnson, em Sylman, em Los Angeles — num novo filme. Estas tinham sido captadas pouco antes, de forma mais ou menos improvisada e sem nenhuma história em mente, com um orçamento de apenas 900 dólares, que, na altura, não dava para quase nada. Porém, viriam a ser a base daquele que ficaria conhecido como “o último filme de Bela Lugosi”, inicialmente apelidado de “Grave Robbers From Outer Space” (só mais tarde é que o nome foi alterado para “Plan 9 From Outer Space”9.

Para o guião, Ed Wood baseou-se nas poucas filmagens que tinha reunido de Lugosi, que mostravam o ator à porta da casa de Tor Johnson, um antigo wrestler transformado em ator de filmes de Série B que tinha entrado em “Bride of the Monster” (fazia de Lobo, ajudante do cientista malvado), a chorar num funeral e a visitar uma campa, vestido de Drácula, ao entardecer. A ideia era reciclá-las e incorporá-las na produção, uma história sobre extraterrestres que, para impedirem que os terráqueos construam no futuro uma máquina capaz de destruir o universo, viajam até à Terra para pôr em prática um plano que passa por ressuscitar os mortos e espalhar o terror entre os vivos. Foi com esta ideia em mente que Wood convenceu alguns membros da Igreja Batista a financiarem o projeto e convenceu vários atores a participarem nele. Todos aceitaram porque queriam ter um papel, mesmo que pequeno, no último projeto de Lugosi.

“Cruzou-se com o meu pai no final da sua vida, nos últimos anos. Na altura, o meu pai estava desesperado pela dignidade de poder trabalhar, precisava de dinheiro. Ed Wood filmou-o e arrastou-o para o nível dos filmes pelos quais é vergonhosamente conhecido.”
Bela Lugosi Jr. sobre Ed Wood

Mas havia um problema — as gravações eram demasiado curtas (pouco mais de três minutos) e Wood queria que a personagem de Lugosi, um homem (sem nome) que sofre a perda da sua mulher e que acaba por morrer de tristeza, fosse uma das principais. A solução encontrada foi arranjar um duplo. O escolhido foi Tom Manson, o quiroprático da mulher de Tor Johnson, que interpretou o papel do “Drácula” em todas as novas cenas de “Plan 9”. Só que Manson não tinha qualquer semelhança com Lugosi (até era mais alto), e teve de esconder a cara com a capa de vampiro. Ainda assim, é bastante evidente que o Lugosi-vampiro-zombie das cenas posteriores (o homem de luto é uma das vítimas da dupla extraterrestre, Eros e Tanna, que ressuscita os mortos de um cemitério de Hollywood para evitar um mal maior) é muito mais novo do que o velho ator das cenas iniciais.

[Uma das cenas gravadas à entrada da casa de Tor Johnson, em Los Angeles:] 

Vampira, rainha do terror e dos “falhados” de Hollywood

Para o elenco de “Plan 9”, Ed Wood reuniu alguns dos seus atores favoritos, como o veterano Lyle Talbot e o ex-cowboy Tom Keene, os amigos que tinham entrado em “Bride of the Monster”, uma velha glória de Hollywood entretanto falecida e alguns atores ligados ao cinema de terror e de ficção científica que tinham perdido o comboio em direcção ao estrelato. Entre estes contava-se o wrestler Tor Johnson, conhecido como “Super Anjo Sueco”, que fez carreira no cinema depois de deixar o ringue nos anos 60, e Jeron Criswell King, conhecido por The Amazing Criswell. Amigo próximo de Mae West, Criswell tinha ganho alguma fama em Hollywood graças à rubrica de premonições Criswell Predicts. É ele que surge a falar sobre o futuro — que interessa a todos porque é nele que “vamos passar o resto das nossas vidas” — na primeira cena de “Plan 9 From Outer Space” e é a sua voz que se ouve durante todo o filme. No topo deste estranho grupo encontrava-se Maila Nurmi, uma antiga apresentadora de televisão desempregada que tinha conhecido grande sucesso e um total fracasso entre 1954 e 1955 graças à sua personagem Vampira. “Nós éramos os falhados de Hollywood”, admitiu Nurmi, em “Flying Saucers Over Hollywood”.

Maila Elizabeth Syrjäniemi, conhecida por Maila Nurmi, nasceu na Lapónia, em 1922. Quando tinha dois anos, os pais emigraram para os Estados Unidos da América, onde passou toda a sua vida. Fascinada pelos antigos filmes mudos, ganhou alguma experiência como atriz, antes de ser descoberta, em 1953, pelo produtor de televisão Hunt Stromberg Jr. durante o anual baile de máscaras do coreógrafo Lester Horton. Nurmi estava vestida de Morticia Addams, personagem da banda desenhada de Charles Addams que saía na The New Yorker (a primeira adaptação televisiva da Família Addams só aconteceu nos anos 60), mas Stromberg Jr. não estava interessado “no resto da família”. No dia seguinte, Maila Nurmi criou a personagem Vampira, misturando pela primeira vez sexo e morte, “uma boa combinação”, como ela própria considerava.

O programa de filmes de terror que a tornou famosa, The Vampira Show, estreou no ano seguinte na KABC-TV, um canal regional da zona de Los Angeles. Este começava com Vampira a percorrer um corredor escuro, coberto de nevoeiro. Quando chegava ao fim, a câmara focava a cara da atriz, que gritava, dizendo de seguida: “Gritar relaxa-me tanto…”. Nunca tinha aparecido nada assim na televisão, e o The Vampira Show foi um sucesso imediato. “Até a Life Magazine me veio fotografar”, lembrou Nurmi, décadas depois, no documentário “The Haunted World of Edward D. Wood, Jr.”. Os retratos que lhe tiraram, três semanas após o programa ter estreado, ocuparam cinco páginas. Nesse ano, Nurmi, a nova vedeta de Hollywood, foi nomeada para um Emmy local de “Melhor nova personalidade feminina” e, “quase imediatamente”, foi “renegada para a lista negra”. O The Vampira Show foi cancelado em 1955, cerca de um ano depois de ter ido para o ar. “Nunca mais trabalhei.”

[A abertura do programa The Vampira Show, da KABC-TV:]

A partir desse momento, a vida de Vampira, que chegou a ter três grandes estúdios interessados si, tornou-se difícil. Vivendo de um pequeno subsídio de desemprego, passou os anos seguintes sem trabalhar. Foi neste cenário de grande dificuldade que conheceu Ed Wood em 1956, na festa de 16 anos do filho de Bela Lugosi. Achou-o patético, sem noção da realidade. Nunca mais pensou nele até que, cerca de um ano depois, viu o seu nome num jornal de Los Angeles – estava a preparar um novo trabalho cinematográfico e andava a realizar filmes de Série Z “que custavam menos do que um tostão”. Nunca lhe passou pela cabeça que acabaria por ser uma das grandes estrelas de um desses filmes baratos, feitos com cenários de cartão e atores desconhecidos, mas foi exatamente isso que aconteceu.

A proposta para participar em “Plan 9 From Outer Space”, que na altura ainda se chamava “Grave Robbers From Outer Space”, chegou ainda em 1956. Certo dia, Paul Marco, ator e amigo de Wood que Nurmi conhecia “um bocadinho” e que tinha sido responsável pela contratação de Criswell, bateu-lhe à porta e estendeu-lhe um guião. A atriz ficou surpreendida — naquela altura ninguém lhe enviava “o que quer que fosse”. Marco explicou-lhe que era “um filme do Edward D. Wood Junior” e Vampira disse-lhe imediatamente que “não”. Recusava-se a trabalhar para aquele “idiota”. A questão só ficou resolvida quando Marco lhe mostrou uma nota de 200 dólares – “desesperadamente pobre”, Maila Nurmi disse que sim. O que a atriz nunca imaginou foi que o guião fosse tão mau. Quando Paul Marco voltou, perguntou-lhe se podia fazer o filme sem falar. Seria uma “espécie de vampiro em transe, como um zombie”. O ator disse-lhe que podia fazer como achasse melhor desde que pudessem usar o nome da sua personagem. Vampira concordou, e é por esta razão que, em “Plan 9”, nunca se ouve a sua voz.

Vampira é uma das mortas-vivas que assombram o cemitério de Hollywood no filme de Ed Wood. A atriz aceitou o papel na condição de não falar

Para protagonizar “Plan 9 From Outer Space”, Ed Wood convidou o ator Gregory Walcott, que já tinha entrado nalguns filmes, nomeadamente em “Mister Roberts” (1955), um clássico de guerra com Henry Fonda. Ao contrário de muitos dos que participaram nas produções de Wood, o ator veio a ter uma carreira recheada, com colaborações

em produções de alguns importantes realizadores, como Clint Eastwood, com quem trabalhou durante longos anos, e um jovem Steven Spielberg. A sua última aparição no cinema foi em 1994, no filme de Tim Burton sobre Ed Wood. Durante vários anos, Walcott arrependeu-se de ter participado em “Plan 9”, mas perto do final da vida parece ter feito as pazes com o autor do “pior guião” que leu na vida. Numa entrevista ao Los Angeles Times, em 2000, o ator reformado disse: “Não queria ser lembrado por isso, mas é melhor ser lembrado por alguma coisa do que por nada, não acha?”.

Como muitos daqueles que acabaram por participar em “Plan 9”, Gregory Walcott (nome artístico de Bernard Mattox) concordou em entrar no filme porque este seria o último de Bela Lugosi. Foi nestes termos que Ed Wood lhe fez a proposta, convencendo-o o ator que, apesar de Lugosi estar morto, havia “muito material” para ser usado. Quando leu o guião, Walcott ficou chocado com a sua qualidade. “Achei que uma criança de sete anos podia fazer melhor”, admitiu, no documentário “The Haunted World of Edward D. Wood, Jr.”. O ator tentou convencer J. Edward Reynolds, líder da Convenção Batista do Sul em Beverly Hills e um dos produtores do filme, a cancelar o projeto. Mas Reynolds “queria ser o homem que tinha produzido o último filme de Bela Lugosi” e os seus apelos não surtiram efeito. Walcott acabou por aceitar o papel do piloto Jeff Trent, o herói de “Plan 9”.

Três dias (e muito cartão) para filmar o rei dos filmes de culto

As gravações arrancaram em novembro de 1956, num armazém que ficava nas traseiras de um hotel em Santa Monica Boulevard, onde viviam “todas as prostitutas de Hollywood”. Era um espaço pequeno, que “parecia uma garagem abandonada”. Apesar da aparente profundidade, a famosa cena do cemitério, onde Vampira e Tor Johnson caminham como zombies, foi filmada num espaço com menos de um metro quadrado.  Maila Nurmi, que vivia ali ao pé, costumava ir a pé até ao “estúdio” vestida de Vampira. “Não havia limusinas nem nada”, e a atriz não sabia guiar. Aquela mulher nórdica vestida de preto era uma visão estranha em meados dos anos 50.

“No primeiro dia, apercebi-me de que tinha cometido um erro”, recordou Gregory Walcott em “The Haunted World of Edward D. Wood, Jr.”. “O cenário parecia saído de uma peça de escola. As lápides eram feitas de cartão. Parecia tudo tão amador.” E era. Os atores, “a entourage de Ed Wood, gente estranha”, tinha pouca ou nenhuma experiência, o orçamento era tão baixo que o cenário era construído na hora. Os discos voadores eram brinquedos de criança, a banda sonora uma colagem de diferentes sons de arquivo feita pelo responsável musical, Gordon Zahler, e a caracterização dos atores o mais simples possível. O make up artist, Henry Thomas, que sempre insistiu para quem se tentasse pelo menos diferenciar os alienígenas dos seres humanos, quase abandonou as gravações devido à recusa de Wood de melhorar as suas condições de trabalho. Não o fez pela amizade que tinha pelo realizador de “bom coração”.

“No primeiro dia, apercebi-me de que tinha cometido um erro. O cenário parecia saído de uma peça de escola. As lápides eram feitas de cartão. Parecia tudo tão amador. (...) Posso dizer que foi uma experiência única."
Gregory Walcott sobre as gravações de "Plan 9 From Outer Space"

O filme foi terminado em apenas três dias. “Posso dizer que foi uma experiência única”, admitiu Walcott. A última cena a ser gravada foi “a do cockpit”, quando um avião (do qual só se vê precisamente o cockpit) se cruza com um bando de discos voadores. Gregory Walcott, que fazia de piloto, lembrou a gravação da cena em “The Haunted World of Edward D. Wood, Jr.”: “Cheguei antes do tempo naquele dia. Tentava chegar antes do tempo para ver como é que as coisas iam ser feitas. Perguntei ao Ed Wood onde é que estava o cockpit e ele disse-me que o estavam a construir noutro lado”. Cerca de 45 minutos depois, apareceram dois homens com dois grandes pedaços de cartão, que foram dobrados e fixados ao chão. Levou-se algum material eletrónico que tinha sido usado na nave espacial. “Parecia tão amador que o operador de câmara se limitava a abanar a cabeça”, contou o ator, acrescentando que, para disfarçar, a cena foi gravada com uma “má focagem”. O guião também era um problema. Norma McCarthy, que tinha sido casada com Wood e que o tinha abandonado depois de descobrir que ele vestia roupa de mulher, tomou a iniciativa de alterá-lo com a ajuda de Walcott. “Ele muitas vezes não escrevia como as pessoas falaram”, recordou a atriz, que fez de hospedeira.

O filme foi exibido alguns meses depois, em março de 1957, numa sessão privada no Carlton Theatre, em Los Angeles. Os direitos de distribuição foram comprados um ano depois pela Distributors Corporation of America (DCA) com a intenção de o fazer chegar, ainda sob o título “Grave Robbers From Outer Space”, aos cinemas. Isso acabou por não acontecer. A produção só estreou a 22 de julho de 1959, através da Valiant Pictures, já com o título “Plan 9 From Outer Space”. Não sei sabe ao certo porque é que Ed Wood decidiu mudar o nome. A história que circula é a de que o realizador teria sido pressionado por alguns dos membros da Igreja Batista que financiaram o filme, mas, em entrevistas posteriores, vários envolvidos negaram que isso tivesse acontecido.

Dudley Manlov e Joanna Lee, os extraterrestres Eros e Tanna que ressuscitam os mortos de Hollywood para evitar a destruição do universo, junto a Duke Moore, o tenente John Harper

Nos anos seguintes, Ed Wood continuou a escrever e a realizar filmes que misturavam elementos de terror e de ficção científica, temas que lhe eram queridos desde a infância passada em Poughkeepsie. Mas as dificuldades financeiras, cada vez mais acrescidas, acabaram por arrastá-lo para a indústria pornográfica. A partir dos anos 60 e até meados de 70, o realizador dedicou-se à escrita de contos e romances eróticos (estima-se que tenha escrito cerca de 80) e à realização de filmes pornográficos. Com o sonho do cinema cada vez mais distante, Wood, que sempre bebeu em demasia, caiu no alcoolismo e na depressão. Os últimos anos da sua vida não tiveram nada de glorioso, muito pelo contrário — em 1978, foi despejado da casa onde vivia com a segunda mulher, Kathy, também ela alcoólica. O casal foi acolhido pelo amigo Peter Coe, que vivia na zona norte de Hollywood. Foi aí que, a 10 de dezembro de 1978, Wood morreu de ataque cardíaco, depois de ter passado o fim de semana a beber vodka. O seu corpo foi cremado e as suas cinzas atiradas ao mar.

[O trailer de “Plan 9 From Outer Space”, em que se anuncia o regresso da “maior estrela” do cinema de terror:]

Da obscuridade da Série Z para as luzes da ribalta

Em 1978, eram poucos aqueles que conheciam a obra cinematográfica de Ed Wood. Quando, nesse mesmo ano, os críticos de cinema Harry e Michael Medved escreveram com Randy Dreyfuss The Fifty Worst Films of All Time, “Plan 9 From Outer Space” não foi incluído. Uma falha que, felizmente, não passou despercebida aos cerca de 400 fãs que contactaram os irmãos Medved para se queixarem da omissão. Harry e Michael redimiram-se dois anos, quando lançaram The Golden Turkey Awards, uma espécie de remake do livro anterior, e declararam a obra-prima de Ed Wood como “o pior filme alguma vez feito”. Wood tornou-se finalmente famoso.

No ano que se assinalam 0s 60 anos da chegada aos cinemas de “Plan 9”, o Motel X decidiu homenageá-lo. O festival de cinema de terror de Lisboa preparou, para este sábado, uma sessão especial do filme, que será comentado ao vivo pelo autor do podcast “À Beira do Abismo”, Rui Alves de Sousa (que promete não desestabilizar a sessão). À exibição, marcada para as 21h30 na Sala 2 do Cinema São Jorge, seguir-se-á uma conversa com Rui Zink, Susana Romana e Tiago R. Santos. A entrada é livre para as duas sessões. Os bilhetes (dois por pessoa) para o “pior filme de sempre” poderão ser levantados na bilheteira do cinema a partir das 12h30 deste sábado.

Mas será que “Plan 9 From Outer Space” é realmente o pior filme de sempre? Claro que a opinião dos Medved pode ser questionada, mas uma coisa parece ser consensual — se Ed Wood não é o pior realizador de sempre, andará lá perto. Quem trabalhou com ele, quer tenha sido porque foi levado ao engano (como Gregory Walcott), porque precisava do dinheiro (como Vampira) ou porque gostava demasiado dele para lhe dizer que não, não tinha dúvidas de que Wood não tinha qualquer talento para a realização, embora tivesse outras qualidades. Foram essas, nomeadamente a persistência com que perseguiu um sonho que lhe escapava insistentemente das mãos, que Tim Burton tentou salientar na sua comédia biográfica de 1994. E eram essas que os amigos viam sobretudo em Wood. Para C. John Thomas, que conheceu Edward D. Wood, Jr. quando este tinha 18 anos e que fundou com ele uma empresa de produção cinematográfica, a história do realizador “sintetiza, de várias formas, o Sonho Americano”. E essa é a sua grande lição: a vida não vale de nada sem o sonho.

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