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Os desafios já vinham de trás, mas a pandemia veio dar-lhes outra dimensão. Antes da crise provocada pela Covid-19, as poupanças para a reforma já representavam “desafios significativos” para todos os países da OCDE, incluindo Portugal. E o envelhecimento, a par do baixo crescimento de salários, “pesavam fortemente” no sistema de pensões. “A Covid-19 amplia alguns desses desafios e cria outros”, escreve a OCDE no relatório “Pensions Outlook 2020”, sobre os sistemas de pensões e o impacto da pandemia, publicado esta segunda-feira.
A organização liderada por José Ángel Gurría diz que a crise económica e sanitária está a dificultar as poupanças para as reformas, mas desaconselha que se recorra aos planos de poupança reforma (PPR). “O objetivo dos planos é financiar a reforma“, pelo que o acesso antecipado “deveria ser uma medida de último recurso”, sob o risco de se diminuir demasiado a ‘almofada’ para a velhice.
Mas há trabalhadores para quem, já antes da pandemia, poupar para a reforma não era uma opção. Não por não querem mas por não conseguirem — têm carreiras mais fragmentadas, contratos precários ou menor proteção social. A pandemia só os tornou mais desprotegidos, perante um sistema de Segurança Social agora mais pressionado com a redução das contribuições sociais. Os impactos “difíceis e incertos” nos sistemas de pensões, segundo a OCDE.
Poupanças para a reforma caíram quase 20%
A Covid-19 trouxe um “grande choque” às poupanças para a reforma na generalidade dos países analisados da OCDE e, em particular, em Portugal. “Os tempos difíceis e incertos podem desviar as pessoas de poupar para a reforma, e alguns países registaram uma redução nas contribuições para os planos de poupança e reforma”, lê-se no relatório.
Foi o caso de Portugal, onde as transferências diminuíram 19,6% no segundo trimestre do ano face ao mesmo período do ano anterior. Também a Polónia (-16,5%), a Letónia (-4,7%) e a Austrália (-1,4%) viram as poupanças cair. Esta evolução, segundo a OCDE, pode ser explicada pelo impacto da pandemia no mercado de trabalho. “Algumas pessoas podem enfrentar mais dificuldades em acumular ativos para a reforma se perderam os seus empregos ou viram o número de horas de trabalho diminuir“, escreve a organização. Em termos globais, as poupanças nos países da OCDE caíram 10% no primeiro trimestre de 2020, passando de 49,2 biliões de dólares no final de dezembro de 2019 para 44,3 biliões em março de 2020.
Porém, esse efeito no mercado de trabalho é contrabalançado com uma redução do consumo, suscitada pelo confinamento. Daí que nalguns países, como a República Checa, Hungria ou os Países Baixos, as contribuições para os planos de poupança e reforma até tenham subido.
Resgate de PPR reduz almofada futura. Deveria acontecer só em “último recurso”
A OCDE nota que muitos países facilitaram o resgate dos planos de poupança reforma (os PPR) durante a pandemia — como Portugal, onde o Governo alargou as condições em que é possível retirar dinheiro das poupanças, até 438,81 euros por mês, sem penalização, para as situações de doença ou isolamento, assistência à família, layoff, desemprego e cessação de atividade. Aliás, essa possibilidade vai manter-se até setembro de 2021, depois de duas propostas, do PS e do PSD, terem sido aprovadas no âmbito das votações na especialidade do Orçamento do Estado para 2021.
Porém, a OCDE não vê com bons olhos este acesso antecipado às poupanças. Embora retirar dinheiro das poupanças possa “permitir que as pessoas financiem a perda de rendimento” resultante da pandemia, “pode levar a menores saldos acumulados” na altura da reforma.
“A redução da poupança decorrente de um resgate de 10% ao longo de um ano pode variar de 2% a 9% dependendo da duração do horizonte de contribuição, com os idosos a terem um impacto maior porque podem ter acumulado saldos maiores para resgatarem rendimento”, exemplifica a OCDE. Austrália, Chile, França, Islândia, Peru, Espanha e EUA também eliminaram temporariamente a penalização pelo resgate antecipado, ou alargaram as condições de acesso para responderem aos “desafios a curto prazo da Covid-19 nas finanças pessoais“.
A OCDE deixa, por isso, alertas aos governos: “O objetivo dos planos de poupança reforma é financiar a reforma“, pelo que o acesso antecipado “deveria ser uma medida de último recurso“. Ainda assim, admite que haja espaço para uma “flexibilidade em circunstâncias pessoais excecionais”.
Tendo em conta estas preocupações, a organização salienta, ainda assim, a atuação da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que recomendou às entidades que gerem os fundos de pensões que “monitorizem de perto os resgates antecipados dos fundos de PPR. A ASF recordou a importância de explicar o impacto dos resgates antecipados e o montante da perda aos membros do plano“.
Impacto estimado da mortalidade na despesa com pensões é “limitado”…
É ainda “muito incerta” a forma como a pandemia vai influenciar a mortalidade no médio e no longo prazo. Ainda assim, o impacto estimado do número de mortes sobre a despesa com pensões é “limitado”, refere a OCDE.
De janeiro a setembro, o número de mortes “em excesso” (ou seja, acima da média) em 24 países foi de 220.000, “comparado com 69.000 em 2019 nos mesmos meses”. Para já, a organização conclui que este excesso de mortalidade “tem baixado o pagamento esperado com pensões“, mas “apenas um pouco” e, por isso, “irá reduzir apenas ligeiramente a despesa com pensões no longo prazo”. Por exemplo, aponta a OCDE, uma mortalidade 6% superior resultaria numa quebra de apenas 0,2% no número de pessoas com 65 ou mais anos no final de 2020 e “teria um impacto semelhante na despesa com pensões”. Se essa despesa em percentagem do PIB for de de 8%, uma redução de 0,2% no número de cidadãos acima dos 65 anos representaria apenas um corte de 0,016% do PIB na despesa com pensões.
Por outro lado, este efeito na despesa, por si só já “limitado”, pode “desaparecer rapidamente na maioria dos países porque o excesso de mortalidade em 2020 deu-se em faixas etárias mais velhas, e as pessoas que morreram por Covid-19 provavelmente tinham, antes da doença, uma esperança média de vida mais baixa do que os indivíduos da mesma idade“.
Ainda assim, a OCDE não descarta a possibilidade de a esperança média de vida nalguns recuperados com Covid-19 poder ser mais baixa, “dado que alguns doentes apresentam sintomas persistentes e alguns órgãos, como o coração, os pulmões ou o cérebro podem ser afetados pelo vírus”. Mas volta a sublinhar que o impacto da mortalidade e da redução da esperança de vida é incerto e deverá “variar consoante os países”.
… e pode ser contrabalançado com a quebra das receitas
Não é surpreendente que, durante as recessões económicas, “os sistemas de pensões se deteriorem”, por via de uma redução da receita e um aumento da despesa, por exemplo, com o subsídio de desemprego ou a suspensão das contribuições para a Segurança Social.
“As estimativas preliminares em várias países mostram uma quebra substancial na receita com contribuições e, portanto, um enfraquecimento das finanças dos sistemas de pensões no curto prazo”, conclui a OCDE. Por outras palavras, esta dívida “recém-acumulada” pode representar uma “pressão financeira no sistema de pensões“, que já estava condicionado “pelas mudanças demográficas” (incluindo o envelhecimento populacional).
“Em 2020, a deterioração do mercado de trabalho foi dramática, e a opção de adiar ou suspender as contribuições [sociais]”, como aconteceu em Portugal, foi “generalizada”, o que pesou no sistema de pensões pela quebra da receita contributiva, escreve a OCDE.
As previsões apontam para um desemprego elevado nos próximos anos e um aumento do desemprego de longa duração, o que terá efeito não só nas receitas contributivas como, mais tarde, na pensão do desempregado. A OCDE estima que um trabalhador que esteja cinco anos sem emprego tenha, em média, uma pensão 6% menor do que se não tivesse tido uma quebra na carreira.
Os mais afetados: dos trabalhadores informais aos mais velhos
A OCDE chama ainda a atenção para os trabalhadores “atípicos” — por exemplo, os trabalhadores independentes, com contratos temporários ou da chamada economia informal, que foram “fortemente afetados” pela crise por estarem em risco de perderem rendimentos, e têm menor acesso a esquemas de proteção social. Daí que a capacidade de poupar para a reforma seja também mais reduzida.
“A Covid-19 teve efeitos especialmente mais fortes em setores como a cultura, organização de eventos, serviços pessoais e turismo, onde há muitos trabalhadores independentes”. Na média da OCDE, “após uma carreira completa, os trabalhadores independentes podem esperar receber uma pensão dos sistemas obrigatórios [como o português] ou parcialmente obrigatórios que é cerca de um quinto mais baixa do que a dos outros trabalhadores com rendimentos semelhantes“.
Já os trabalhadores mais velhos que perderam o emprego podem ter dificuldades em encontrar um novo posto de trabalho e sentirem-se “tentados a reformarem-se antecipadamente, o que leva a uma redução permanente” na pensão, alerta a OCDE.