O peso ainda é “modesto”, mas o melhor é “ter cautela”. A história e a experiência dos outros países europeus mostram que esse é o melhor caminho a seguir quando se fala da variante do vírus da Covid-19 que foi identificada no Reino Unido. A variante já está em Portugal, sobre isso não há quaisquer dúvidas, e a sua curva de crescimento imita a de Inglaterra e da Irlanda — o que mostra que a qualquer momento a sua propagação pode ficar descontrolada. Os avisos foram feitos pelo microbiologista João Paulo Gomes, um dos nove oradores que esta terça-feira passaram pelo Infarmed para participar na reunião entre Governo e especialistas, onde se discutiu a evolução da pandemia em Portugal. Esta quarta-feira, a Assembleia da República debate a renovação do estado de emergência.
Sobre a tendência desta variante, também não restam dúvidas: é crescente. “Sobrepõe-se perfeitamente com a linha das primeiras semanas do Reino Unido e agora recentemente da Irlanda”, disse o investigador do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) — uma situação que considera ser “expectável, não surpreendente e normal” dentro daquilo que se tem observado ser a evolução do novo coronavírus.
“Se me perguntarem qual o peso relativo desta variante do Reino Unido nos números atuais eu diria que ainda é modesto”, afirmou. Em seguida, ilustrou as palavras com alguns números recolhidos nas últimas semanas. Os dados enviados ao INSA pelo laboratório Synlab, que faz testes em aeroportos, mostram que entre os dias 6, 7 e 8 de janeiro foram feitos 1.674 testes, dos quais 444 tiveram resultado positivo. Destes, 69 eram potencialmente da variante do Reino Unido, o que corresponde a 15,16%.
Pedido idêntico foi feito à Unilab, laboratório do Porto que opera em todo o país. Ao longo de seis semanas, a começar a 1 de dezembro, num total de 16 mil testes, 4.610 deram positivo. Destes, 371 eram potencialmente da variante do Reino Unido, ou seja, cerca de 8%.
“Temos de ter cautela porque a linha de tendência está a acompanhar a linha do Reino Unido e da Irlanda e, portanto, temos obviamente que a parar para não irmos parar ao mesmo cenário”, argumentou. No entanto, o microbiologista explicou que os testes feitos não são garantia exata de que se trate da variante do Reino Unido. Os laboratórios usam como diagnóstico um teste que deteta o vírus simultaneamente através da deteção de três porções, uma delas o chamado gene S, presente na variante britânica. E é esse gene que os laboratórios nacionais têm procurado, e encontrado, e que permitem a análise preliminar apresentada ao Governo.
A variante portuguesa que veio de Milão
Durante a sua apresentação, João Paulo Gomes lembrou que Portugal também já teve a sua variante, quando, no início da pandemia, dois voos provenientes de Milão traziam a bordo vários industriais do Norte do país que foram infetados na feira de calçado daquela cidade italiana.
“Nessa altura, a variante portuguesa — a que chamamos 8.3.9 — teve uma disseminação massiva no norte e no centro do país”, explicou o microbiologista. “No fim de abril, um em cada quatro casos eram dessa variante.” Acontece que, por essa altura, Portugal entrou em confinamento total e a variante desapareceu, detalhou o especialista.
Numa análise recente a amostras de 113 concelhos do país, “não foi possível encontrar a variante numa única delas”, explicou o investigador do INSA.
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Esta terça-feira, o Centro Europeu para Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC) lançou um alerta sobre a variante do Reino Unido, apelando a que os países europeus adotem medidas mais restritivas para impedir a sua propagação. O pedido já tinha sido feito aquando da descoberta e antes da época festiva de Natal e Ano Novo.
Desde então, o receio só se tornou maior, admitiu o especialista principal do ECDC para o novo coronavírus, Pasi Penttinen, numa entrevista à agência Lusa. “Penso que será muito difícil conter esta nova variante do vírus. Sabemos que o vírus antigo já é difícil de controlar e que são necessárias medidas apertadas para o controlar e esta nova variante é ainda mais fácil de se propagar”, alertou.
Apesar de a variante ter maior carga viral do que outras anteriores, não há evidências de que cause doença mais grave. No entanto, a proporção de casos graves e óbitos tenderá a aumentar se subir o número de diagnósticos positivos.