Não se compromete com uma posição sobre o aumento das pensões que PS e Chega se preparam para aprovar no Parlamento contra a vontade do Governo, acusa os socialistas de estarem a tentar usar os reformados para criar “uma dinâmica política” artificial e argumenta que Pedro Nuno Santos e André Ventura serão responsabilizados se as contas vierem a derrapar.
Em entrevista ao Observador, no programa “Sofá no Parlamento”, Hugo Carneiro, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, acusa o PS de estar a “tentar governar a partir do Parlamento” e de revelar uma “tremenda hipocrisia” na questão dos pensões.
Ao mesmo tempo, e apesar de reconhecer que não foi possível ir tão longe como a Aliança Democrática prometeu durante a campanha eleitoral, sobretudo na questão da reforma fiscal (IRS Jovem e IRC), o social-democrata recusa a ideia de que a coligação tenha metido o programa eleitoral “na gaveta” as suas ideias. E atira as culpas para a oposição. “Há uma impossibilidade óbvia que é não conseguirmos, no Parlamento, viabilizar todas as propostas sem existir um processo negocial”, justifica-se.
Quanto à votação final global do Orçamento do Estado, Hugo Carneiro foge da dramatização e não especula sobre o que fará o Governo se o documento vier a ser desvirtuado, como a coligação chegou a temer que fosse. Ainda assim, deixa uma aviso: “Há muitas propostas que faltam ainda serem votadas e, portanto, devemos aguardar serenamente para fazer a avaliação final”.
[Ouça aqui a entrevista a Hugo Carneiro, no Sofá do Parlamento]
“O PS usa os pensionistas para tentar criar dinâmica política”
O PSD atirou o passado de bancarrota contra o PS para alertar para os riscos de um aumento extraordinário das pensões. Isto não é contraditório face à análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que diz que não há nenhum risco para o excedente?
Temos que perceber esta proposta do PS no contexto de todas as outras que já apresentaram. O PS, sem ter qualquer preocupação, por exemplo, com o saldo orçamental, aprovou juntamente com o Chega, uma eliminação de portagens em várias autoestradas e uma redução do IVA da eletricidade, num valor que ascende a qualquer coisa como 300 milhões de euros. Ao juntar agora as pensões, o PS está a acrescentar às decisões que também tomou recentemente. Mesmo na redução do IRS discriminou muitos portugueses, cerca de 35%, que estão no sexto, no sétimo e no oitavo escalão e que foi deixada de fora da redução do IRS.
Mas quando a UTAO diz que esta proposta é irrelevante para o excedente, isso não vos deveria deixar descansados?
Prevemos para o próximo ano um excedente de 0,3% do PIB. O que a UTAO diz é que a proposta do PS ou a do Chega tenha um custo ligeiramente superior ao que esses próprios partidos tinham previsto. Pode representar cerca de 0,1% do saldo orçamental. Mantendo tudo o resto constante, como os economistas costumam dizer, se nada acontecesse e corresse tudo exatamente como esperamos que corra, o saldo orçamental poderia acabar em 0,2%. Mas não podemos esquecer que este Governo já aprovou, em 2024, entre Complemento Solidário para Idosos (CSI), isenção de medicamentos para os beneficiários do CSI e o pagamento suplementar das pensões mais 470 milhões de euros, mas de forma a que isso não condicione, de sobremaneira, principalmente por causa do pagamento suplementar, o futuro do país ou da estabilidade da segurança social. O que o PS quer com a sua proposta é criar uma despesa permanente, que admito que possa ser legítima.
Há alguma hipótese de o PSD se abster nesta proposta?
No momento certo, declararemos o nosso sentido de voto. É importante dizer isto: a 1 de janeiro de 2025, as pensões todas, por força da lei, vão aumentar 674 milhões de euros e o que o PS quer fazer é criar uma despesa permanente, que é inferior ao pagamento suplementar que nós fizemos no final do ano. O PS diz que o aumento legal é devido mas foi no final de 2022 que o PS tentou cortar mil milhões na base da atualização das pensões e foi a oposição que impediu que isso acontecesse.
Mas caso seja aprovado este aumento extraordinário e permanente das pensões, o que é que o Governo deve fazer? Vai assegurar o cumprimento da medida sem mais mexidas ou vai abdicar de alguma proposta no âmbito da segurança social para assegurar esse financiamento?
Os cerca de 300 milhões, entre o IVA da eletricidade e das portagens, mais esta medida para as pensões, começam a corresponsabilizar o PS e o Chega pela evolução do saldo orçamental durante 2025. Portanto, se isto reduz o saldo orçamental de 0,3 para 0,2, mantendo tudo o resto constante, não sabemos o que é que vai acontecer. Ainda há pouco via uma notícia a dizer que Donald Trump equaciona implementar medidas protecionistas da economia americana. Desengane-se quem pense que isso não pode ter reflexos no comércio internacional e nomeadamente no crescimento europeu e no de Portugal. O que apresentamos no Parlamento foi que este pagamento suplementar que fizemos em 2024, estamos na disposição de o repetir em 2025, se o país tiver condições financeiras para o fazer.
E qual é a bitola mínima para que o Governo possa garantir novamente esse aumento extraordinário?
O que tenho ouvido da parte do Governo, até do Ministro das Finanças, é que aguardando até ao início do verão estaríamos em condições de perceber exatamente com que linhas é que nos podemos coser. E isto demonstra o quê? Prudência.
Temos que aguardar pela Festa do Pontal, como diz o PS?
Gosto de ouvir essa expressão do PS porque nunca mais me esqueço que em determinada altura, em 2022, quando o PS decidiu fazer um pagamento extraordinário para compensar o corte de mil milhões na base da atualização das pensões, foi por altura do Natal e muitas pessoas perguntavam se era o presente que o PS colocava no sapatinho dos pensionistas. Isso é entrar na lógica de quem não tem argumentos. Não vou entrar por aí porque isso não faz sentido absolutamente nenhum. Acho que é importante que as pessoas saibam que há uma grande hipocrisia em toda esta questão. O PS usa os pensionistas para tentar criar uma dinâmica política que até agora foram incapazes de conseguir.
Que é qual?
O PS queria que o Governo não governasse. Tem tentado governar a partir do Parlamento.
“PS viabilizou a descida do IRC, apesar de ser uma linha vermelha durante muitos meses”
Há alguma margem para que a trajetória de descida do IRC que a AD queria e que fosse mais pronunciada possa continuar a ser discutida com o PS?
Este Governo é dialogante. Tentou dialogar com todas as bancadas no Parlamento e vários partidos fecharam a porta. O único que mostrou elevação nessa negociação foi o PS, que como é sabido, culminaram sem um acordo formal mas, ainda assim, viabilizaram a redução de um ponto percentual do IRC, apesar de ser uma linha vermelha ao longo de muitos meses. Devo destacar o comportamento do PS que é mais positivo do que o comportamento de todos os outros.
Para dissipar essa linha vermelha ao longo dos próximos anos, se for necessário, o PSD está disposto a ceder para descer o IRC, por exemplo, mediante certas condições seletivas, que é uma trajetória que o PS prefere?
Essas condições seletivas, se formos ver o relatório da despesa fiscal, são valores muito reduzidos para que signifiquem um verdadeiro incentivo ao desenvolvimento da nossa economia. Portanto, este é o Orçamento de 2025, vamos primeiro concluir este processo — acho que já nenhum português consegue ouvir falar sobre o Orçamento do Estado, andamos a discutir isto desde junho. Quando se iniciar a negociação do Orçamento para 2026, lá estaremos com a mesma atitude dialogante, negociando com os partidos que tiverem essa disponibilidade, porque reconhecemos que não temos uma maioria e temos que negociar. Veremos se há disponibilidade dos outros partidos.
“Parlamento não pode impedir o Governo de governar”
Além desta questão das pensões, tivemos da RTP, com o Governo a ser derrotado pela oposição. A partir de que momento é que o Orçamento do Estado fica desvirtuado face à proposta do Governo?
Vi esse título na imprensa, no Observador mas também no Público e noutros jornais, a dizer, Governo sai mais uma vez derrotado na questão da RTP. Gostava de lembrar que o debate da RTP aconteceu a nosso pedido porque, na especialidade, foi aprovada a proposta do Bloco de Esquerda que impede qualquer corte de publicidade na RTP. E essa proposta ia passar sem discussão? Era o que faltava. Quem permitiu que a discussão acontecesse foi a AD.
A pergunta era se o Orçamento não fica desvirtuado com, por exemplo, o aumento extraordinário das pensões?
Acho que devemos esperar até quinta-feira. Há muitas propostas que faltam ainda serem votadas e devemos aguardar serenamente para fazer a avaliação final. Nesta questão da RTP, o ministro Pedro Duarte chamou a atenção, e bem, que esta é uma matéria que vai ser colocada em cima da mesa na renegociação do contrato de concessão com a RTP. Não pode o Parlamento estar a impedir o Governo de governar, de renegociar com a administração da RTP. É absolutamente irresponsável.
“AD não meteu as ideias na gaveta”
O PSD mudou a proposta do IRS Jovem e cedeu na ambição do IRC. Não está a mentir aos eleitores face à campanha eleitoral?
Temos uma postura de muita humildade e de respeito pelo voto dos portugueses. Apresentamos um programa eleitoral que venceu as eleições, mas não com uma maioria absoluta. Há uma impossibilidade óbvia que é não conseguirmos, no Parlamento, viabilizar todas as propostas sem existir um processo negocial ou conversações com os outros partidos.
Por isso meteram as ideias na gaveta?
Não, não metemos as ideias na gaveta. Gostava de recordar que o PS, desde março, que anda a dizer que o IRC é uma linha vermelha, ‘não nos chateiem mais com o IRC porque nunca iremos aceitar uma redução’… Afinal de contas, viabilizaram a redução do IRC em um ponto percentual. Pergunto: isso é desistir das ideias do programa da AD? Não é. Não conseguimos os dois pontos percentuais, não temos maioria, conseguimos um ponto percentual e isso é importante para pôr a economia a crescer, atrair empresas que paguem salários melhores para os nossos jovens e todos os trabalhadores que sonham e desejam legitimamente melhorar a sua vida.