Estima-se que em todo o mundo, 48,5 milhões de casais não conseguiram ter um filho após 5 anos de tentativas. Em Portugal, são cerca de 300 mil os casais inférteis. As causas podem ser várias, mas a medicina tem evoluído para poder dar resposta a quem faz parte destes números, aos quais importa ainda juntar os casos de casais de duas mulheres, que, sem a ajuda da medicina reprodutiva, teriam apenas como opção a adoção, sem conhecerem o (muitas vezes) desejado processo de gravidez.

“(In)fertilidade: positivo — desde o primeiro momento” foi o mote da talk que o Observador e a Zippy, realizaram para abordar um tema tão sensível. Para o debater, do painel de oradores fizeram parte Eduardo Sá, psicólogo clínico e psicanalista; Catarina Godinho, ginecologista obstetra no IVI Lisboa e especialista em medicina da reprodução; Gabriela Oliveira, responsável de comunicação da Zippy; e a Rainbow Family (Ana e Isa), pacientes do IVI Lisboa. O resultado foi uma conversa tão realista quanto informada sobre o papel que todos temos perante a infertilidade.

O momento da (possível) gravidez

“A gravidez é, de facto, um momento muito bonito na vida das pessoas, mas não é tão sossegadinha, tão direitinha como às vezes as pessoas desejam. Nessas circunstâncias, tem sobressaltos, destapa muitos fantasmas: destapa os pais que tivemos, os pais que gostávamos de ter tido e não tivemos, os pais que nós nos imaginámos ser, os filhos que nós idealizamos (…) e neste pacote todo, de algumas coisas mais ou menos opacas, a infertilidade é uma delas”, começou por referir Eduardo Sá. Para o psicólogo, quando as famílias se confrontam com um diagnóstico de infertilidade, nem sempre a assumem, precisamente pela pressão que a sociedade tende a fazer no casal para a criação de um filho.

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Na visão do psicanalista, a fertilidade é algo violento do ponto de vista psicológico: “Em primeiro lugar, porque, de facto, nós nunca estamos preparados para uma realidade como essa; depois, porque começa a ser uma gravidez muito comparticipada, toda a gente a dar palpites, toda a gente a querer intervir — com a melhor das intenções, mas torna-se tudo um bocadinho claustrofóbico —; e depois, as estratégias relacionadas com a medicina da reprodução acabam por ser muito escorregadias, às vezes.” A tudo isto, junta-se-lhe, ainda, o facto de nem sempre o processo de fertilidade com recurso à medicina de reprodução obter o resultado desejável. Um lado menos feliz da gravidez que por ser tão pouco falado, quem passa por ele acaba por se sentir um pouco mais sozinho, o que poderia não acontecer se este não fosse um assunto tão pouco abordado.

Será infertilidade?

Mas quando essa gravidez não acontece, a questão que muitos casais colocam é: quando saber que estão perante um caso de infertilidade? Não existe um momento certo para se perceber quando se precisará de ajuda para se conseguir engravidar. “Do ponto de vista técnico, é considerada uma situação de infertilidade se um casal mantém relações durante 1 ano e não consegue uma gravidez. Mas, na realidade, há circunstâncias em que o próprio casal percebe que precisa de procurar ajuda mais cedo. Ou outro casal precisa de dar 2 anos para recorrer a ajuda técnica”, explica Catarina Godinho, ginecologista obstetra. Contudo, a especialista refere que existem algumas regras que, por norma, se têm em conta: “Se é um casal cuja mulher tem uma idade mais avançada, se calhar um ano [de tentativas] é demais. Depois dos 40 anos, 1 ano é demais; tem de ser 6 meses. Se é uma situação em que o casal percebe que não tem possibilidade de engravidar, por exemplo, uma senhora que não menstrue regularmente sabe de antemão que eventualmente terá alguma dificuldade, e, portanto, procura ajuda mais cedo. Ou se há já alguma história para trás, porque, muitas vezes, são segundas relações, em que já se sabe que de uma história anterior não se conseguia por algum motivo, acabam por vir [à clínica] mais cedo.”

À especialista em medicina da reprodução já chegaram vários casos: os que já tentaram outros tratamentos, os que foram ao médico assistente, os que foram acompanhados pelo ginecologista… e cada um deles traz uma nova história. É por isso que Catarina Godinho refere a importância da adequação das técnicas de reprodução assistida a cada indivíduo, tratando cada caso como único.

Os tratamentos

Se há alguns anos a medicina reprodutiva parecia ser coisa do futuro, a verdade é que ela faz parte dos nossos dias de hoje. E é graças aos tratamentos de reprodução assistida que é possível ajudar casais com problemas de fertilidade, ou casais do mesmo sexo que querem passar por um processo de gravidez, a realizarem o desejo de serem pais/mães. De entre os tratamentos disponíveis, existem duas grandes técnicas de reprodução: “As mais simples, ditas de primeira linha, que é a inseminação artificial, que consiste em colocar uma amostra de sémen preparada dentro do útero, no momento de ovulação da mulher. E depois há o processo de fertilização in vitro, que é um processo em que, num primeiro momento, são recolhidos os óvulos, são gerados os embriões, e depois o embrião é colocado dentro do útero”, explica Catarina Godinho. Se ao longo dos anos não têm surgido novas técnicas, o mesmo não se pode dizer do aprimorar do que é feito em cada uma destas duas. “Hoje em dia, já temos formas de cultura embrionária mais desenvolvidas; já conseguimos ter câmaras que nos permitem avaliar os embriões de forma mais adequada; conseguimos mais informação de qualidade; conseguimos otimizar mais a seleção seminal; conseguimos estudar melhor os embriões do ponto de vista cromossómico”, enumera a médica ginecologista. São estes avanços na medicina reprodutiva que permitem uma melhor e mais detalhada informação sobre cada caso, que pode levar a uma maior taxa de sucesso no tratamento.

Um processo em gestão contínua

“Há muito a ideia de que a fertilização in vitro cura todos os males de infertilidade. E não é verdade. Na melhor das hipóteses, um processo de fertilização in vitro tem uma taxa de gravidez de 60%”, refere Catarina Godinho. A este valor, importa adicionar a carga psicológica que pequenos obstáculos que aparecem no processo podem ter. Na verdade, gerir expectativas faz parte de todo o processo de reprodução assistida. “Dizer que há uma probabilidade de 30% para um casal é dizer que tem mais probabilidade de não conseguir engravidar do que conseguir. E isto, do ponto de vista racional, os casais percebem tudo. Do ponto de vista emocional, é muito difícil, porque cada vez que há um resultado negativo, é uma frustração. E esta gestão de expectativas é algo que tem de se ir fazendo”, realça a especialista.

Os mitos

Se é certo que a infertilidade tem vindo — ainda que a pouco e pouco — a deixar de ser um assunto tabu, também não é menos verdade que ainda subsistem alguns mitos sobre as técnicas de reprodução assistida. É o caso dos procedimentos de estimulação ovárica que, amiúde, são associados a uma antecipação da menopausa ou ao gasto dos ovários, ou ainda a efeitos negativos na saúde em geral (como maior risco de cancro). “Isto são mesmo mitos”, ressalva a ginecologista Catarina Godinho. “Eu costumo dizer muitas vezes: as crianças que nascem de processos de reprodução assistida são exatamente iguais às outras. Não têm nenhuma marca a dizer que são diferentes. E são bebés tão saudáveis quanto os outros”, refere. Felizmente, estes mitos começam, agora, a ser ultrapassados, tornando o processo de fertilidade mais aceite socialmente.

O suporte

Isa e Ana, conhecidas no mundo do Instagram como a Rainbow Family, recorreram à reprodução assistida para alargarem a sua família. Dois anos depois de iniciarem o tratamento, nasceu a pequena Carlota. O processo, esse, não foi simples, mas o apoio da família, dos amigos e da comunidade médica fê-las chegar a bom porto. “A Carlota acaba por ser um bocadinho de todos, porque estavam todos a torcer para que esta bebé vingasse. Foram 2 anos muito duros, com quatro tratamentos”, refere Isa. Ana, por sua vez, refere a importância de nunca culpabilizar a comunidade médica quando os problemas e as perdas surgem. “É porque não tinha de ser. Eu cheguei a dizer à Isa que era o último tratamento que ia fazer, porque se calhar não era esta a minha missão. São hormonas, o corpo muda, é dinheiro, é a ansiedade, é a frustração de não conseguir”, relembra. Foi o tratamento para o qual foi mais descontraída que resultou com Ana, depois de o médico que a seguia lhe perguntar, imediatamente a seguir a um período de tratamento, se era para seguir com novo ciclo. Apesar de o casal não esperar tamanho imediatismo, acreditou no médico e seguiu. É muito importante “confiarmos em quem nos assiste”, reforça Ana.

Apesar da experiência da Rainbow Family, nem sempre todos os casos são idênticos. “Quando há técnicas de procriação medicamente assistida, as gravidezes têm outra dimensão e têm outros tipos de constrangimentos. Os pais e os amigos, às vezes, assumem, por descrição, por delicadeza, por bondade, uma atitude muito pouco interventiva. Põem a coisa mais ou menos neste registo: se o casal não quer falar disso, é porque provavelmente estão aconchegados com aquilo que se está a passar. O que não é bem verdade”, refere Eduardo Sá. O psicólogo admite, até, que, muitas vezes, estes casais estão “ávidos de terem alguém a legendar em tempo real os medos que eles guardam só para eles”.

Combater a infertilidade: um processo democrático?

O impacto que os tratamentos hormonais têm na vida do casal pode ser grande. Mas “mais do que o tratamento e as injeções, o tempo de espera dos resultados é sempre o pior”, refere Catarina Godinho, com Ana e Isa a corroborar. Além da limitação do controlo do processo, da frustração e da angústia, do desgaste físico e emocional, a especialista em medicina de reprodução salienta outro desgaste: o financeiro. “Acaba por ser muito limitativo para o sucesso, porque às vezes é preciso persistir, e nem sempre há essa capacidade financeira para o fazer”, refere. Por outro lado, Catarina Godinho reconhece que está a haver uma evolução: “Estamos, cada vez mais, numa sociedade um bocadinho mais aberta a este tipo de processos. Mesmo os serviços públicos já são serviços muito mais sensíveis a estas temáticas — não só de casais heterossexuais, mais de casais homossexuais, mulheres individuais —, já abrem muito as portas a estas técnicas, e isso é muito salutar, porque todos temos de ter as mesmas oportunidades”, adianta.

Eduardo Sá concorda com a pouca democratização do processo de reprodução assistida, apontando-o como um “privilégio de classe médica, que não deveria ser”.

Foi precisamente para o tornar mais democrático que a Zippy criou a Bolsa Baby Zippy, que permite o acesso a tratamentos de fertilidade com condições especiais. “Percebemos [Zippy], ao longo destes anos que nos dedicamos às famílias, que a gravidez ou o processo de engravidar não começa apenas nos nove meses ou no primeiro mês de gravidez, mas muito antes. Nós, como family partner como nos posicionamos, temos de estar ao lado das famílias desde o momento menos nove. Daí surgir esta vontade de ajudar as famílias que têm esta dificuldade em engravidar”, explica Gabriela Oliveira, responsável de comunicação da Zippy. “A Bolsa Baby Zippy contempla condições especiais em parceiras clínicas, como o IVI e também a clínica CETI, com 10% de desconto em tratamentos nas clínicas”, explica Gabriela Oliveira. Mas a marca de roupa infantil pretende também sensibilizar para o tema, trazendo-o, assim, para a agenda do dia, de modo a que a infertilidade deixe de ser definitivamente um tabu, e para que a sociedade se torne mais informada relativamente a esta temática. E a talk(In)fertilidade: positivo — desde o primeiro momento” foi apenas um dos momentos da marca para atingir esse seu objetivo. Afinal de contas, todos temos o direito a alargar a família.