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Raquel Martins

Raquel Martins

Quando for grande quero ser... Escolher a vocação profissional no 9.º ano faz sentido?

No 9.º, os alunos de 15 anos têm de escolher pela primeira vez um percurso académico. A decisão será mais fácil e informada se forem preparados para isso desde muito cedo, defende psicóloga.

“Se fosse como no meu tempo, e sou do século passado, tinha de levar até ao fim aquilo que escolhia. Agora não é bem assim. Há muita flexibilidade — não em termos de currículo, mas em termos administrativos — em relação a variações que os estudantes possam fazer.” Filinto Lima, 53 anos, é diretor do agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, e é professor há 31. É também presidente da ANDAEP, a associação que representa os diretores de agrupamentos e escolas públicas. A pergunta era se escolher uma área de estudos no 9.º ano, determinante para o curso superior e carreira que um jovem pretende seguir, é (ou não) demasiado cedo. Na sua opinião, não é.

“Hoje em dia, os miúdos podem começar numa área e, se perceberem que não é exatamente o que querem, podem mudar com equivalências dadas a algumas disciplinas. Já não ficam presos à decisão. Atendendo a esta flexibilidade administrativa, não vejo problemas em terem de fazer essa escolha no final do 9.º ano”, salienta o presidente da ANDAEP. No entanto, ressalva que haverá exceções: “Claro que há alunos que no 12.º ano não sabem que área querem escolher. Mas, de uma forma geral, os serviços de psicologia e orientação que funcionam nas escolas — e todas têm pelo menos um psicólogo —, fazem muito bem esse trabalho. A maioria dos estudantes está capacitada para fazer essa escolha. Os que não estiverem poderão, ao longo do percurso no secundário, fazer uma correção à ideia inicial que tinham”, acredita Filinto Lima.

Para ajudar a fazer essa correção, Pedro Dominguinhos, que é desde 2014 presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, defende que os estudantes deveriam ter a hipótese de experimentar o que é o ensino superior antes de se candidatarem. “Os serviços de psicologia e de orientação vocacional nas escolas são muito importantes, mas os alunos têm de poder experimentar as suas escolhas e isso só se consegue indo ao ensino superior, por exemplo, nas academias de verão”, defende o também presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP).

Na sua opinião, esse é o caminho a seguir e que poderia evitar algumas escolhas erradas que os alunos fazem: “Isto é real e acontece, são casos que nos passam pelas mãos, em que temos pessoas que concorrem a terapia da fala e a marketing. Faria sentido que, no caso da terapia da fala, uma outra opção fosse, por exemplo, fisioterapia. Marketing? Provavelmente, foi uma escolha aleatória”. Felizmente, defende Pedro Dominguinhos, os alunos do secundário começam a estar mais próximos das instituições de ensino superior.

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“Há projetos que já estão a acontecer nas escolas e que passam por trazer alunos do ensino profissional às instituições de ensino superior. Quando chegam ali, têm algumas aulas, desenvolvem projetos em conjunto, sentem um pouco o que é o ensino superior. E é interessante ver o papel que muitas câmaras estão a ter e o apoio que estão a dar aos alunos neste sentido, porque há uma nova geração de autarcas que percebe que pode ter um papel interessante na formação das suas populações”, detalha o professor.

“Temos de deixar de centrar as questões vocacionais e do trabalho de intervenção no 9.º ou no 12.º ano, que é quando os alunos têm de se fazer opções em termos de curso. Há esta ideia errada de que a intervenção é feita nesse momento. Esse trabalho deve ser sistemático, deve ser uma intervenção mais longitudinal, e que pode ser iniciado no pré-escolar, desde muito cedo.”
Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos

Os projetos de vida começam no pré-escolar

É errado pensar que é no 9.º ano, ou no 12.º, que os jovens fazem a sua escolha vocacional. E é errado pensar que o trabalho junto dos estudantes deve começar apenas nessa altura. Esta é a ideia defendida por Sofia Ramalho, vice-presidente e representante para a área da Educação da Ordem dos Psicólogos — e que, por isso mesmo, não considera que seja demasiado cedo escolher um caminho aos 15 anos, idade com que a maioria dos estudantes finaliza o 9.º ano.

“Temos de deixar de centrar as questões vocacionais e do trabalho de intervenção no 9.º ou no 12.º ano, que é quando os alunos têm de se fazer opções em termos de curso. Há esta ideia errada de que a intervenção é feita nesse momento. Esse trabalho deve ser sistemático, deve ser uma intervenção mais longitudinal, e que pode ser iniciado no pré-escolar, desde muito cedo”, defende a psicóloga que durante 14 anos coordenou o serviço de psicologia no Colégio de Nossa Senhora do Rosário, no Porto, com oferta educativa do pré-escolar ao 12.º ano.

E é possível trabalhar a vocação de uma criança que está no pré-escolar? Sofia Ramalho tem a certeza que sim. “No pré-escolar há uma área curricular que se chama desenvolvimento pessoal e social onde questões de profissão e de género são trabalhadas. Há um trabalho que, se for feito de forma intencionalizada desde o princípio, ajuda na própria construção da identidade da criança e dos seus projetos de vida — e nestes entra também a carreira”, defende.

Falar de carreira com uma criança entre os 3 e os 6 anos de idade não será o mesmo que conversar com um adolescente, ressalva. “Na fase do pré-escolar, a perspetiva das crianças é mais exploratória. Depois, no 1.º ciclo, vão-se ensaiando na experimentação de papéis relacionados com as diferentes carreiras e é nessa altura que surgem as profissões mais estereotipadas: os rapazes querem ser astronautas e as meninas hospedeiras do ar. Por outro lado, também é muito comum associarem o seu desejo por uma profissão por ser a do pai ou a da mãe”, detalha.

“Quando uma criança diz que quer ser astronauta está a experimentar esse papel. Quanto mais alternativas forem exploradas mais facilmente irão tomar decisões informadas", diz a psicóloga Sofia Ramalho

Getty Images

Nestas faixas etárias, trabalhar com as crianças de forma intencional “ajuda-as a colocar em dúvida, questionar, e a rever os modelos profissionais que são influenciados em função do género e da família”, defende a psicóloga.

Quando este trabalho é feito de forma sustentada ao longo do tempo, a tomada de decisão no 9.º não cai do céu. “Esta é uma mensagem importante de passar e cada vez mais os serviços de psicologia e de orientação nas escolas estão preparados para fazer este trabalho preventivo. Funcionam numa perspetiva de desenvolvimento de competências pessoais e sociais, permitem o auto-conhecimento, a definição progressiva de projetos de vida e vão apoiar as tomadas de decisão dos jovens num determinado momento”, defende Sofia Ramalho.

Ou seja, muito antes de terem de escolher um percurso vocacional, já as crianças devem ter sido levadas a pensar nas profissões que têm à sua volta. E quando mais escolherem e experimentarem melhor será para elas, pois tomarão decisões mais informadas e seguras. “Quando uma criança diz que quer ser astronauta está a experimentar esse papel. Quanto mais alternativas forem exploradas e lhes proporcionarmos, mais facilmente irão tomar decisões informadas. Se não forem criadas as condições prévias isso vai dificultar esses momentos e vai fazer com pareçam mais determinantes do que realmente são. Um aluno que não explorou as diferentes alternativas vai estar num estádio de maior imaturidade para tomar uma decisão informada.”

O papel dos pais é também fundamental, mas é preciso ter literacia para ajudar a criança. Quando os encarregados de educação estão perdidos nesta missão, seja porque não têm ferramentas, seja porque nunca consideraram a questão relevante, a escola — mais uma vez — pode ajudar. “A escola pode trabalhar com os próprios pais para que estejam abertos à importância de falar sobre as profissões desde cedo, da mesma maneira que trabalham tantos outros temas. Se não estiverem alerta, podem estar a modelar um conjunto de ideias sem se dar conta: se os pais valorizam o seu trabalho em função da remuneração, estão a passar uma mensagem de que o valor remuneração é mais importante do que o valor motivação. Comunicarem mais ou menos sobre o seu trabalho, passarem uma imagem mais ou menos positiva do dia a dia também influencia a visão dos filhos. Se valorizam o estatuto social de uma profissão — por exemplo, não puderam ser médicos, mas é isso que querem para os seus filhos — podem estar a passar uma mensagem sem ter consciência. E ao fazê-lo não estão a permitir que a criança tenha acesso a todo um conjunto de valores associados à profissão para que possa escolher aquilo que é mais importante para ela”, sublinha Sofia Ramalho.

“Nós preparamos os jovens para uma profissão, quando o sistema educativo e as universidades têm é de preparar os jovens para a vida. Depois, eles farão a sua carreira. Estar a pensar numa profissão no secundário é absurdo.”
Jorge Ascenção, presidente da Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais)

Nada é definitivo, mudar de ideias é possível

A flexibilidade de que fala Filinto Lima é também lembrada pela vice-presidente da Ordem dos Psicólogos. Mas Sofia Ramalho destaca mais a curricular do que a administrativa. “Damos demasiado peso a tomadas de decisão que não são deterministas. Nas novas políticas educativas do ensino básico e secundário, com a flexibilidade curricular, há tendência para haver maior permeabilidade entre disciplinas, áreas e opções. Há também uma tentativa de mudança para não nos centrarmos tanto nos resultados e olharmos mais para os processos de aprendizagem. Nesse contexto, não devia haver uma visão muito determinista na decisão que é tomada no 9.º ano. Na verdade, os percursos estão cada vez mais a ser montados no sentido de haver permeabilidade. Caso não corra bem, há flexibilidade de mudança”, diz Sofia Ramalho.

No entanto, considera que ainda há uma falta de ligação entre o que têm sido as políticas adoptadas ao nível do básico e do secundário e as políticas de entrada no ensino superior. “O acesso ao ensino superior continua a obrigar a obter médias, e comparamos alunos em que a diferença da nota é de uma décima, em que um é condenado ao sucesso e o outro ao fracasso. É preciso repensar o sistema. O modelo de avaliação que inclui as competências devia ser considerado para o acesso ao ensino superior, mas também o modelo de organização e estrutura dos cursos do ensino superior deveria ser diferente. Se cada vez mais nos preocuparmos com as competências e menos com o excesso de especialização teremos um modelo muito mais ajustado àquilo que o mercado laboral pede.”

Falando em nome dos pais, Jorge Ascenção pede maior flexibilização curricular para o secundário, já que acredita que com ela nenhum aluno ficará preso a uma escolha errada, tenha sido ela tomada por falta de maturidade ou por outro motivo. “Até ao 9.º ano acho que o sistema está bem, mas a partir do 10.º ano defendo uma maior flexibilização. Em vez de oferecermos pacotes — porque é isso que vendemos aos alunos: ou vai para ciências-tecnológicas, ou para humanísticas, ou económicas —, ele escolheria um conjunto mínimo de matérias, que lhe permitiria no 12.º ano decidir se queria ir para letras ou ciências”, defende o presidente da Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais).

“Hoje em dia, os miúdos podem começar numa área e, se perceberem que não é exatamente o que querem, podem mudar com equivalências dadas a algumas disciplinas. Já não ficam presos à decisão. Atendendo a esta flexibilidade administrativa, não vejo problemas em terem de fazer essa escolha no final do 9.º ano”
Filinto Lima, presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP)

No final do 9.º ano, os estudantes têm que decidir se seguem o ensino regular, através de um dos quatro cursos científico-humanísticos (Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades ou Artes Visuais), o ensino profissional ou o artístico. Os cursos científico-humanísticos — nem todas as escolas oferecem os quatro — têm uma componente de formação geral, comum a todos os cursos, a que se soma a formação específica, onde também há disciplinas de escolha livre e que cada agrupamento pode oferecer ou não.

Quanto à idade dos estudantes, Jorge Ascenção acredita que para alguns alunos a escolha poderá ter de ser feita demasiado cedo, mas não será esse o maior problema. “Os miúdos têm é cada vez mais dúvidas, porque têm mais informação. Não é como no meu tempo, que era A ou B. Um dos problemas do sistema educativo é exatamente se estamos a ensinar os alunos a escolher e a lidar com a informação.”

Ao não aprenderem a escolher, considera que alguns estudantes poderão acabar a tomar uma decisão que nem sempre é influenciada pelos melhores motivos. “Às vezes a decisão é influenciada pelos pais e pode correr mal. Ou pelos amigos. Ou pela nota — se o aluno tem 20 diz-se logo que ele tem de ir para Medicina ou, agora, para Engenharia Aeroespacial. E essa pode não ser a sua verdadeira vocação, pode ter uma vocação artística, por exemplo. Há muitos talentos perdidos que não entram nas universidades”, afirma Jorge Ascenção.

Por tudo isto, o presidente da Confap conclui que o erro de base é estar-se a preparar os jovens exclusivamente para uma carreira. “Nós preparamos os jovens para uma profissão, quando o sistema educativo e as universidades têm é de preparar os jovens para a vida. Depois, eles farão a sua carreira. Estar a pensar numa profissão no secundário é absurdo.”

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