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HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

O terrorista de Berlim "era um rapazote normal, como todos os outros"

Pietro Bartolo é o médico que recebe os refugiados e migrantes que chegam a Lampedusa. Passaram-lhe pelas mãos milhares de sobreviventes — como o terrorista de Berlim — e também demasiados cadáveres.

Lampedusa é uma ilha pequena. São apenas 20,2 quilómetros. Em proporção, é metade do Porto Santo, na Madeira — e no arquipélago Açores, apenas o Corvo é ligeiramente mais pequena do que aquela ilha italiana. Por isso, é fácil encontrar o médico Pietro Bartolo naquele pedaço de terra a meio caminho entre o Norte de África e a Sicília. Mas, mesmo que fosse a maior ilha do mundo, a tarefa seria igualmente fácil. Afinal, Pietro Bartolo raramente sai do sítio onde tem passado os últimos 26 anos: no cais Favaloro, de olhos postos no mar.

É de lá que chegam as dezenas de milhares de migrantes e refugiados que partem de África. Assim que chegam, Pietro Bartolo e a sua equipa prestam-lhes os cuidados médicos necessários. Chegam exaustos, alguns deles com queimaduras químicas graves. Há crianças esfomeadas que chegam nos braços de gente estranha, sem sinal dos pais. Há mulheres que chegam grávidas, depois de terem sido violadas na dura viagem rumo à Europa. Também lhes chegou Anis Amri, o terrorista que matou 11 pessoas em Berlim em dezembro do ano passado — de quem Pietro Bartolo se recorda, lembrando um “rapazote” calmo que se perdeu pelo seu “caminho difícil”.

E depois há os mortos. Pietro Bartolo é o único médico a fazer-lhes as autópsias. Os corpos chegam dentro de sacos verdes. Quando os vê, Pietro Bartolo começa por evitá-los, caminhando em volta. Depois, respira fundo e abre-os. Demasiadas vezes, abre o fecho e dá de caras com uma criança.

Pietro Bartolo acaba de lançar em Portugal o livro “Lágrimas de Sal”, (Objectiva, 2017), que escreveu em co-autoria com a jornalista italiana Lidia Tilotta. Falara os dois com o Observador em Lisboa, numa entrevista onde o telemóvel de Pietro Bartolo não parou de tocar com chamadas de Lampedusa.

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O livro começa com uma memória do Pietro Bartolo, ainda criança, em que quase se afoga junto à costa de Lampedusa. É impossível não estabelecer um paralelismo entre aquela situação e a de todas as pessoas que se afogam ali todos os anos. O mar Mediterrâneo também significa morte. Ainda assim, o livro faz uma descrição muito nobre dele. Nota-se que admira e tem amor por aquele mar. Era capaz de viver sem ele?
Pietro Bartolo (PB)
: Para mim o mar é a vida. Sou lampedusano, os meus antepassados eram lampedusanos e pescadores. O mar deu-nos tudo. E é tudo. Seguramente que não conseguiria viver sem ele. Para mim o mar é importante porque me permitiu chegar a ser médico. O meu pai trabalhava no mar e trabalhava para mim. E eu trabalhei com ele, estive embarcado e nesse dia caí ao mar. Mas tive muita sorte, porque conseguiram encontrar-me. Infelizmente, muitos dos outros náufragos não são recuperados e morrem. Mas mesmo que não tivesse caído ao mar eu faria o meu trabalho na mesma. Trabalhei 26 anos com imigrantes e continuaria no cais Favaloro para receber imigrantes, como qualquer lampedusano faz. Porque é isso que fazem os homens que se podem dizer homens.

"Há 15 dias, fiz uma autópsia num cadáver em avançado estado de decomposição. Fazer uma autópsia implica muitas coisas, porque trata-se de dar uma identidade e dignidade a qualquer corpo. E foi há 15 dias que a polícia científica me pediu para fazer a extração de parte do fémur de um cadáver. Tive de usar uma serra que serve para cortar mármore. Deve imaginar a pena que me dá fazer um último ultraje sobre um corpo. É um ultraje. Mas é útil."
Pietro Bartolo, médico em Lampedusa

No livro refere que em Lampedusa, tal como noutras comunidades piscatórias, não se deixa ninguém no mar. É algo que simplesmente não se faz. É uma ideia muito forte.
PB
: Esta é a lei do mar, é a lei dos pescadores, é a lei dos homens que vivem no mar. Acima de tudo, o mar deve ser respeitado. E tudo o que vem do mar deve ser bem-vindo. Esta é a base da nossa vida, dos povos de pescadores. Nós acolhemos tudo o que vier do mar e também tudo o que vier do céu. Porque nós vivemos do mar e da pesca que é o nosso sustento. Mas também vivemos do turismo. Os turistas chegam de avião, portanto, do céu. E devem ser aceites e bem recebidos. Mas também eles vêm à procura do mar. Por isso, é o mar que nos sustenta.

Lidia Tilotta (LT): Todas as vezes que ia para Lampedusa para contar as histórias das pessoas que chegavam, via sempre um duplo contraste. De um lado a morte, com pessoas desesperadas, destruídas, devastadas que chegavam durante a noite. Do outro, os sorrisos de esperança que alguns deles esboçam por chegarem a um porto seguro. Eu lembro-me sempre de uma senhora, muito bonita e bem vestida, que estava a sair do bote com uma mala em cada mão. Como se estivesse a sair de um comboio!

Capa do livro “Lágrimas de Sal”, de Pietro Bartolo e Lidia Tilotta (Objectiva, 2017)

Mas ao lado dessa beleza inesperada não deixamos de ver uma imagem soturna. Há uma passagem no livro onde diz que “sempre que se abre um saco verde [com um cadáver], é como se fosse a primeira vez”. Mas lembra-se da primeira vez?

PB: Devo dizer que não é como se fosse a primeira vez: é cada vez pior. Eu já vi muitos cadáveres, já fiz muitas autópsias. Além disso, lido com muitas pessoas em sofrimento, que chegam devastadas, não porque tenham doenças infecciosas mas porque estão em hipotermia ou com queimaduras químicas gravíssimas… Mas quando tenho de fazer autópsias isso é a coisa mais dura que tenho de fazer. É verdadeiramente atroz. Quando vou abrir um saco, não sei se está lá uma criança, uma mulher, um rapazinho… Eu tenho medo de abrir os sacos. Mas tenho de fazê-lo. Então, respiro fundo, ando um pouco às voltas e depois vou abri-lo. E lembro-me que em 2013, no grande naufrágio [de 3 de outubro, onde morreram 368 pessoas], o primeiro saco que abri era o de uma criança. Foi muito impressionante.

Mas lembra-se do primeiro saco verde que abriu?
PB
: Não me recordo. Já foram tantos. Certamente foi em 1991, que foi quando começaram os desembarques em Lampedusa. Não me lembro do primeiro, mas lembro-me do último. Há 15 dias, fiz uma autópsia num cadáver em avançado estado de decomposição. Fazer uma autópsia implica muitas coisas, porque trata-se de dar uma identidade e dignidade a qualquer corpo. E foi há 15 dias que a polícia científica me pediu para fazer a extração de parte do fémur de um cadáver. Tive de usar uma serra que serve para cortar mármore. Deve imaginar a pena que me dá fazer um último ultraje sobre um corpo. É um ultraje. Mas é útil.

"Quando vou abrir um saco, não sei se está lá uma criança, uma mulher, um rapazinho… Eu tenho medo de abrir os sacos. Mas tenho de fazê-lo. Então, respiro fundo, ando um pouco às voltas e depois vou abri-lo."
Pietro Bartolo, médico em Lampedusa

O facto de destacar não o primeiro saco verde mas o último é prova de que isto não pára. Não sente um peso na consciência por estar aqui, em Lisboa, e não em Lampedusa?
PB
: Claro que penso nisso, penso sempre em Lampedusa. Há quatro dias que saí, para ir a Barcelona e a Lisboa, e à volta destes dias houve naufrágios. Há cinco dias morreram 250 pessoas e anteontem morreram mais 150 pessoas. Então estou sempre a receber telefonemas do meu laboratório a perguntar-me o que devem fazer. Mas é verdade que isto é algo que não pára. Ser médico em Lampedusa é a minha missão há 26 anos. A missão é curar as pessoas, tratar dos vivos e também dos mortos, mas isso não serve para acabar com o fenómeno. O que faço aqui é diferente. É partilhar o testemunho, para dizer às pessoas o que se passa em Lampedusa através do livro. O objetivo é acabar com esta vergonha.

LT: O objetivo do livro era contar o que se passa. Eu, mesmo fazendo as minhas reportagens, sabia que havia uma mensagem que ainda não tinha sido passada. E eu dizia ao Pietro: “Não é possível que em 26 anos tenhas juntado tantas histórias e não as partilhes”. É preciso fazer saber. Então decidimos partilhar a história da família de Pietro, porque ela podia ser colocada paralelamente [com a dos migrantes e refugiados].

PB: Eu pensava que era muito importante ouvir a história deles, ouvi-los, porque são pessoas e não números — e no livro falamos de pessoas e não de números. Quis contar as suas histórias de violência, de tortura… Mas eu pensava que recontar estas coisas era violar a privacidade deles. Não queria fazer-lhes isso. Com o filme Fogo no Mar [nomeado para o Óscar de Melhor Documentário de 2016], que contou o fenómeno da imigração, percebi que a mensagem chegou. Era muito forte. Então eu não podia assumir a responsabilidade de ter estas histórias e não fazer nada com elas. Ao mesmo tempo, a Lidia atormentava-me, ligava-me todos os minutos. Então eu lá disse: “Okay, vamos lá escrever o livro, mas para evitar meter só coisas da privacidade deles, também vou meter a minha, da minha família, da minha mulher”. Para ficar equilibrado.

Em 2016, chegaram 181 436 migrantes e refugiados a Itália, segundo a Organização Mundial para as Migrações (Mauro Seminara/AFP/Getty Images)

Mauro Seminara/AFP/Getty Images

A Lídia diz que é preciso “fazer saber”. Aqui em Portugal, quando foi criada a Plataforma de Apoio aos Refugiados, lembrou-se uma citação de Sophia de Mello Breyner, que dizia: “Vemos, ouvimos, lemos. Não podemos ignorar”. Hoje já sabemos muito sobre aquilo que se passa. Ainda assim, no seu livro, parece que não procura apontar dedos. Mas depois de tantos anos ajudar estas pessoas, sente-se à vontade para denunciar culpados?
PB
: Não é propriamente verdadeiro que não se aponte o dedo. O livro é muito político. Eu digo que a responsabilidade do que se está a passar, e do que se está a passar há 26 anos, é a responsabilidade de toda a Europa, mas também da América, da Rússia e da China. Porque se esta gente escapa dos seus países, se deixa a própria casa, evidentemente que teremos alguma responsabilidade. Nós, o mundo civilizado. Percebemos isso se pensarmos que África é o continente mais rico do mundo onde vivem as pessoas mais pobres do mundo. Evidentemente algum problema terá de haver. Se temos a responsabilidade de ter levado estas pessoas a abandonarem os seus países, a fazerem viagens incríveis, com tanto sofrimento, e que duram dois, cinco, até sete anos. Sete anos de sofrimento. Primeiro têm de atravessar o deserto, onde morre uma quantidade impressionante de pessoas. Os que não morrem no mar são uma parte pequeníssima. Depois chegam à Líbia. A Líbia é um inferno. A Europa aproximou-se de fazer alguma coisa. Não é que não tenha feito nada. Primeiro a Itália, com o Mare Nostrum. Depois a Europa com Triton e Frontex. Mas isto traduziu-se em algo de negativo, porque precisamente nessa altura aumentaram os naufrágios e aumentaram os mortos. Quando falamos do que é necessário, a primeira coisa que devemos fazer é, antes de falar dos menores acompanhados ou não acompanhados, de falar de integração, de falar do Tratado de Dublin, de Schengen, de tantas coisas que são importantes, o que importa é impedir que estas pessoas morram naquela fatia de mar, que se tornou num verdadeiro cemitério. O que se está a passar no Mediterrâneo é um genocídio e é pior do que o Holocausto. Há 70 anos, quando foram libertados os campos de concentração, os povos até podiam dizer que não sabiam o que se passava. Hoje é pior porque todos sabemos. O mundo inteiro sabe e fica à espera. Quando os nossos filhos nos disseram que somos responsáveis de tudo o que se passou, não vamos ter o direito de alegar ignorância. Porque sabíamos.

"O que se está a passar no Mediterrâneo é um genocídio, é um novo Holocausto e é pior. Há 70 anos, quando foram libertados os campos de concentração, os povos até podiam dizer que não sabiam o que se passava. Hoje é pior porque todos sabemos. O mundo inteiro sabe e fica à espera."
Pietro Bartolo, médico em Lampedusa

Há uma parte do livro em que demonstra uma certa irritação por, a partir de determinado momento, muitas pessoas e sobretudo políticos terem começado a fazer uma distinção muito clara entre os refugiados e os migrantes, atribuindo-lhes valores diferentes. Porquê?
PB
: Quem vive com a realidade, e eu vivo com ela na primeira pessoa, pode ver o estado em que eles chegam. Os refugiados ou requerentes de asilo fogem da guerra e os migrantes económicos escapam da fome e da miséria. E fala-se como se os migrantes económicos cometessem um delito por virem até ao nosso lado para sobreviver. Isto é uma idiotice, é desumano fazer esta distinção, porque morrer da guerra ou de fome não tem diferença. Aliás, eu digo que morrer de fome é pior, porque a agonia é muito mais longa. Quem escapa da fome, escapa da morte certa. E passam por tudo o que é tortura, passam por maldades, as mulheres passam por coisas inimagináveis, são violadas. E quando chegam à Europa, Lampedusa é uma porta da Europa que está sempre aberta. A Itália não fez um muro, deixou uma porta aberta. Nós consideramos estas pessoas como seres humanos e não como números. Quando oiço que alguns países que fazem parte da UE e erguem muros e arame farpado para não os deixarem entrar como se fossem aliens, digo que que isto não faz falta à UE.

LB: No meu programa televisivo, Mediterraneo, estive nas aldeias mais pobres de Marrocos, onde só existem crianças, mulheres e velhos. Os homens jovens morreram todos nestes naufrágios. São aldeias muito pobres, onde não havia alternativas. As pessoas eram obrigadas a fugir. Por isso é que nós batemos muito nesta tecla de não fazer sentido continuar a distinguir refugiados de migrantes económicos.

Onde muitos veem refugiados e imigrantes, outros veem o risco de haver terroristas — potenciais ou infiltrados. A minha pergunta é dupla: alguma vez pensou que esta possibilidade é plausível?
PB
:Falando secamente, não. Dizem-se tantas mentiras. Tantas mentiras. Alguns políticos e alguns jornalistas mentem e fazem terrorismo mediático. Dizem que com estes barcos chegam terroristas, pessoas doentes, que nos roubam o emprego, que são delinquentes e, depois, uma coisa que é a mais grave, de que se trata de uma invasão sem precedentes. Nada disto é verdadeiro e eu posso demonstrá-lo. Há 26 anos que sou médico e controlamos todas as pessoas que chegam, uma a uma. São já mais de 300 mil em 26 anos. E nunca encontrei nenhum com uma doença infecciosa grave. São até pessoas muito fortes, porque superaram todo o tipo de sofrimentos. Têm de ser autênticos super-homens para suportar todas aquelas coisas. Quanto a serem terroristas… Você pensa que os terroristas se metem num barco frágil e se arriscam a morrer no meio do mar? Os terroristas não querem morrer antes de fazerem o dano. Os terroristas já os temos em casa há gerações. Vimos isto nos últimos atos terroristas, são pessoas que estão na Europa há gerações. Não vêm roubar o trabalho a ninguém porque ficam contentes por fazer os trabalhos mais humildes, mesmo ganhando pouquíssimo. Querem trabalhar e integrar-se, mesmo que ganhando pouco, mas com dignidade e não como escravos. Querem pagar impostos. E a última mentira que digo é a tal da mentira da invasão sem precedentes. Isto é para assustar as pessoas. Porque no ano de 2016, que foi o ano com mais chegadas, chegaram 181 mil pessoas a Itália. 181 mil pessoas é uma invasão? Nem para Itália, quanto mais para a Europa. Todas estas mentiras que espalham alguns políticos e alguns jornalistas, homens banais, são gravíssimas e é um crime. Estas mentiras criam o terror, o medo nas pessoas.

Amri, o terrorista que foi morto em Itália depois do atentado de Berlim [de 19 de dezembro de 2016, com 11 mortos], chegou a Lampedusa em 2011. Eu fiz-lhe uma consulta assim que ele chegou e ele ficou dois meses em Lampedusa. Era um rapazinho. E tornou-se terrorista depois de ter chegado. Anos depois! Obviamente porque alguém se aproveitou dele graças ao seu caminho difícil.
Pietro Bartolo, médico em Lampedusa

Mas, apesar desses números, nós sabemos que na Europa há uma maior recetividade para este tipo de discurso entre o eleitorado. Incluindo em Itália. Basta olhar para algumas sondagens e resultados eleitorais.
PB
: Os políticos que espalham estas informações querem aproveitar-se das pessoas. Simular o terror… E os políticos que são favoráveis [à entrada de refugiados e migrantes] não se expõem porque têm medo de perder o poder. E assim ajudam a passar a mensagem da Le Pen, passam a mensagem de [Matteo] Salvini [da Lega Nord, maior partido da extrema-direita de Itália], passam a mensagem da Polónia, passam a mensagem da Hungria, passam a mensagem de Trump! E a Europa não põe em prática uma política para provar que eles estão errados. Ou seja, um bom acolhimento, uma boa distribuição, uma boa integração. Porque se não forem bem integradas e bem distribuídas, estas pessoas podem criar problemas. Aí, dá-se razão aos outros.

LT: É mais fácil meter na cabeça das pessoas a ideia de que podem chegar terroristas com imigrantes do que explicar que tipo de problemas sérios de acolhimento de pessoas de segunda ou terceira geração. O problema não aparece com a primeira integração, muitas vezes aparece com a segunda e terceira integração. Com políticas erradas, de os colocar em guetos e que levou a outros fenómenos. Mas é muito fácil dizer que vêm com os barcos.

PB: Amri, o terrorista que foi morto em Itália depois do atentado de Berlim [de 19 de dezembro de 2016, com 11 mortos], chegou a Lampedusa em 2011. Eu fiz-lhe uma consulta assim que ele chegou e ele ficou dois meses em Lampedusa. Era um rapazinho. E tornou-se terrorista depois de ter chegado. Anos depois! Obviamente porque alguém se aproveitou dele graças ao seu caminho difícil. Não teve uma boa integração, faltou alguém que o levasse para a escola, que lhe ensinasse a língua, que lhe ensinasse uma profissão. Não houve integração, que deveria passar sempre pela interação.

Anis Amri, o terrorista de Berlim, num retrato segurado pela mãe. Amri foi recebido por Pietro Bartolo em Lampedusa — e desses anos o médico só se lembra de um "rapazinho" calmo (MOHAMED MESSARA/EPA)

MOHAMED MESSARA/EPA

Como soube que o terrorista de Berlim lhe passou pelas mãos?
PB
: Eu recordava-me dele. Claro que quando soube que [o terrorista de Berlim] tinha passado por Lampedusa tomei mais atenção fui consultar os meus ficheiros. E recordava-me deste rapaz, que naquela ocasião, de 2011, era jovem. Ele chegou na altura da Primavera Árabe, na Tunísia. Só em dois dias chegaram-nos 7 mil jovens. Para evitarmos que eles fossem deixados junto dos adultos, pusemo-los numa estrutura que é a Casa da Fraternidade. O Amri esteve lá. Era um rapazote normal, como todos os outros, até mais calmo do que alguns mais rebeldes. Mas era normal que o fossem, porque estiveram ali dois meses, como se fosse uma prisão. Naquela altura, o Governo de Silvio Berlusconi, que tinha como ministro do Interior Roberto Maroni, da Lega Nord, queria um desastre na Lampedusa. Queria criar um problema com a Europa, só porque estava à espera de dinheiro.

Quando começámos a falar concretamente de imigração e refugiados por um lado, e de terrorismo pelo outro, vocês começaram a falar de política e sobretudo de políticos. Entre os atuais líderes, há algum que gostassem que lesse o vosso livro?
PB
: Antes de tudo, Salvini. Embora eu me tenha encontrado duas vezes com Salvini no programa televisivo Ballaró. Nessas duas ocasiões, fiz-lhe ver alguns números, alguns documentos, e ele rendeu-se. No entanto, sei que ele está a tentar tirar dividendos políticos, quer cavalgar esta onda. Mas digo que no mundo não há pessoas más e malvadas e também ele tem tem uma parte boa. É preciso estimulá-la… (Lidia Tilotta interrompe-o)

LT: Só a mãe dele pode fazê-lo!

PB: … depois, a nível global, posso dizer Trump, que está a fazer uma política completamente diferente daquela que devia fazer. Os EUA são um país construído por imigrantes. Italianos, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, irlandeses, escoceses… Ele próprio vem de uma família de imigrantes. Assim, também ele devia sair do país e ficavam lá apenas as pessoas autóctones. Os apache e os outros indígenas todos.

LT: Eu recomendo o livro a todos os políticos, sem exceção. Para aqueles que é muito difícil convencer, é uma tentativa. Aqueles que estão mais ou menos, é sempre possível convencê-los. E, depois, aqueles que já estão do nosso lado têm agora mais um argumento para convencê-los.

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