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O casal responde por crimes de tráfico de pessoas e falsificação de documentos
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O casal responde por crimes de tráfico de pessoas e falsificação de documentos

Getty Images/iStockphoto

O casal responde por crimes de tráfico de pessoas e falsificação de documentos

Getty Images/iStockphoto

Quatro bebés por 100 mil euros. Casal acusado de vender os filhos vai conhecer a sentença, mas compradores continuam a ser investigados

Em 8 anos, Daniella e Jaime terão vendido quatro filhos a três casais residentes em França e na Suíça. Conhecem a sentença esta quarta-feira, mas os compradores ainda estão a ser investigados.

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“Olá, o meu nome é Vanessa, vivo em Portugal, estou grávida de vinte semanas, não tenho condições financeiras de ter este bebé, se estiver algum casal interessado poderemos falar por correio eletrónico”

Foi este o bilhete que a Polícia Judiciária (PJ) encontrou durante as buscas à casa de Daniella N., no Porto. Era um rascunho que tinha servido de base a um anúncio para angariar casais interessados em comprar uma criança, segundo a investigação. Ao encontrá-lo, as suspeitas de que a mulher — à data com 41 anos — engravidava para depois vender os filhos adensaram-se. Até porque, além do bilhete, outras provas foram ali encontradas e recolhidas: fotografias de bebés, documentos de hospitais com despesas de parto, cópias de cartões de cidadão de várias crianças e notificações do Tribunal de Família e Menores do Porto.

As suspeitas tinham sido levantadas no final de 2017 por um vizinho que, ao aperceber-se de que o número de filhos de Daniella era consideravelmente inferior ao número de gravidezes, fez chegar uma denúncia anónima à Diretoria do Norte da PJ. A investigação acabou por apurar que, de facto, a mulher tinha três filhos a viver consigo, mas tinha estado grávida pelo menos sete vezes.

Como uma denúncia anónima levou a PJ a deter um casal que vendia os filhos por 20 mil euros

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Faria tudo parte de um alegado esquema de venda de recém-nascidos que viria a ser desmantelado em dezembro de 2018. Na altura não se sabia quem era o pai das quatro crianças que teriam sido vendidas, mas um ano de investigação conseguiu dar resposta a todas a dúvidas. Segundo a acusação do Ministério Público (MP), a que o Observador teve acesso, os testes de ADN indicaram que será Jaime M. — um homem de 46 anos de Vila do Conde com quem Daniella mantinha uma relação extraconjugal, pai de uma das três crianças que viviam consigo — e que via efetivamente como seus filhos.

Além das quatro crianças alegadamente vendidas, Daniella tinha três filhos a viver consigo

Tiago Petinga/LUSA

Foi ele que se sentou ao lado da mulher agora com 42 anos no Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, onde foram julgados e responderam por quatro crimes de tráfico de pessoas cada um — Daniella ainda foi acusada por mais quatro de falsificação de documentos. O julgamento termina esta quarta-feira, com os arguidos a conhecerem a sentença. Mas o caso está longe de estar fechado: os casais que compraram as crianças ainda estão a ser investigados.

Primeira criança: vendida por 21 mil euros

Daniella e Jaime mantinham uma relação extraconjugal desde 2009, de acordo com o MP. Foi, na tese da investigação, em julho de 2011 que o casal decidiu “conceber pelo menos quatro crianças” para as entregar em troca de dinheiro a “pessoas que, por motivos diversos, se viam impossibilitadas de serem pais”, lê-se na acusação. Quando o casal foi detido no final de 2018, a PJ suspeitava de que o casal estabelecia contacto com os compradores através de outra pessoa — no fundo, alguém que podia estar a intermediar estes negócios. Mas a investigação viria a esclarecer que era através da internet que Daniella e Jaime anunciavam a sua disponibilidade de vender crianças recém-nascidas.

Vítor N. e o namorado, José R., residentes na Suíça, terão sido os primeiros a responder a um anúncio, em agosto de 2011. O negócio foi fechado assim que Daniella engravidou de Jaime nesse verão e o preço foi acordado: 21.150 euros pela criança, segundo o MP. A 6 de fevereiro de 2012, ao ser informado de que a mulher já se encontrava grávida e de que o nascimento estaria para breve, o casal comprador terá feito a primeira transferência bancária de 600 euros. É que o valor total seria pago em diversas tranches, que variavam entre os 250 e 5 mil euros. De acordo com a acusação, a última transferência foi feita já em janeiro de 2016, quando a criança tinha já quase quatro anos. 

"Em data não concretamente apurada, mas anterior a Julho de 2011, a arguida Daniella N. acordou com o arguido Jaime M. conceber pelo menos quarto crianças com o propósito de as entregar, em troca de montantes significativos de dinheiro, a terceiros"
Acusação do Ministério Público

A criança nasceu em maio de 2012, no Hospital de São João, no Porto. Assim que teve alta hospitalar, a arguida terá entregado a filha a Vítor. Mas ainda faltava cumprir alguns procedimentos para que a criança ficasse legalmente sob a guarda de um dos membros do casal comprador. Desde logo, a menor foi registada como filha de Daniella e Vítor — apesar de o pai ser Jaime —, na respetiva Conservatória do Registo Civil, escreve o MP.

Depois, para concluir o “negócio” e, desta forma, a menor ficar em pleno “poder” de Vítor, ele e a arguida deram entrada no Tribunal de Família e Menores do Porto, no verão de 2016, de “um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais”. Ao tribunal, terão explicado que tinham tido um namoro do qual resultara o nascimento da menor que agora pretendiam entregar aos cuidados do alegado pai. O acordo foi homologado por uma sentença do tribunal proferida em setembro desse ano: a partir dali, Vítor ficou legalmente responsável pelo exercício das responsabilidades parentais da criança, que tem atualmente oito anos. 

Segunda e terceira crianças: vendidas por 47 mil euros

Cerca de cinco meses depois de ter dado à luz a primeira criança que terá vendido, entre setembro e outubro de 2012, Daniella engravidou novamente. Faria parte de um acordo que tinha feito com José C. e com o namorado que, também impossibilitados de terem filhos biológicos, responderam ao anúncio. O objetivo seria comprar duas crianças por 47.850 mil euros e levá-las para França, onde residiam, segundo a acusação.

José foi alertado em fevereiro de 2013 de que o bebé iria nascer dentro de quatro meses e, como combinado, o homem iniciou o pagamento em tranches, que variavam entre 200 e sete mil euros, lê-se no documento. A última tranche terá sido paga só em junho de 2015 — três meses depois de ter nascido a segunda criança.

A um dos casais, Daniella e Jaime terão vendido duas crianças por mais de 47 mil euros

PHILIPPE HUGUEN/AFP/Getty Images

O primeiro bebé nasceu em julho de 2013 no Hospital de São João, no Porto, e foi logo registado na Conservatória do Registo Civil como sendo filho de José — o que não correspondia à realidade. Daniella entregou o menor aos compradores, que voltaram para França, e voltou a engravidar em junho do ano seguinte, de novo do companheiro, escreve o MP. Assim, em março de 2015, a bebé nasceu e o mesmo terá acontecido: foi registada como sendo filha de José e levada para França, para junto do irmão.

O modus operanti do esquema era idêntico com todos os casais com quem fizeram “negócio”, segundo a investigação. Depois de as duas crianças terem nascido, já em 2017, Daniella e José deram entrada no Tribunal de Família e Menores do Porto, um acordo que viria a atribuir a José todas as responsabilidades parentais relativas às duas crianças — que têm atualmente sete e cinco anos. A investigação apurou ainda que, como parte do acordo, Daniella transferiu para a conta de Jaime, o pai biológico das crianças, as quantias de 1,295 e 1.000 euros.

Quarta criança: vendida por 36 mil euros

Em abril de 2017, já Daniella se encontrava grávida de uma quarta criança e tinha feito um “negócio” com um casal português a viver em França para lha vender, foi abordada por outro homem “candidato à compra da criança”, lê-se na acusação. Através da análise das conversações telefónicas, a PJ descobriu que, nessa conversa, a arguida “declarou ter entregue duas crianças a casais homossexuais e não se encontrar arrependida”, tendo perguntado ao homem “quanto estaria este disposto a pagar pela criança”. Negociaram um preço: 12.500 euros — um valor bastante inferior ao que o casal com quem já tinha negociado estava disposto a pagar.

"Daniella declarou ter entregue duas crianças a casais homossexuais e não se encontrar arrependida, perguntando ao referido indivíduo quanto estaria este disposto a pagar pela criança, que se previa nascer em 10 de novembro"
Acusação do Ministério Público

Dias mais tarde, Daniella recebeu uma nova mensagem desse homem a retirar a proposta, explicando-lhe que ele e o companheiro preferiam “uma barriga de aluguer para um filho biológico de algum dos dois, em lugar dum filho que não sendo seu, poderia vir a ser reclamado pelo pai biológico”.

A criança acabaria então por ser entregue a Jorge C. e à mulher, Maria V. — que, por não conseguirem ter filhos biológicos, nem quererem adotar uma criança, preferiram recorrer a Daniella. Pagaram 36 mil euros pela criança que viria a nascer em setembro de 2017, lê-se na acusação — cerca de três meses antes de a PJ ter recebido a denúncia anónima que viria despoletar a investigação. Do total, logo no mês do nascimento, o casal pagou 10 mil por transferência bancária e mais 10 mil em numerário, entregue em mão, e o restante valor em diversas tranches nos meses que se seguiram. A última tranche foi paga em dezembro de 2018 — exatamente no mês em que Daniella e Jaime foram detidos.

Antes, ainda tiveram tempo de seguir o procedimento habitual: registar a menor como sendo filha do comprador e dar entrada de um acordo no Tribunal de Família e Menores do Porto, para que a criança ficasse à responsabilidade de Jorge.

Daniella dizia aos amigos que os filhos morriam, mas continuou a procurá-los nas redes sociais

“Eu te garanto pelos meus três filhos mortos”. A expressão foi usada por Daniella em conversa com uma amiga, em mensagens intercetadas pela PJ. De acordo com a investigação, era desta “forma que a arguida justificava a ausência de crianças após as gravidezes perante conhecidos e amigos, alegando problemas no parto”.

Em maio de 2012, por exemplo, quando Daniella tinha acabado de dar à luz a primeira criança que terá vendido, conversou com uma amiga e disse-lhe que a filha estava doente e tinha problemas de coração. Dois meses depois, recebeu uma mensagem de outra amiga a perguntar pela bebé. Daniella acabaria por explicar que a filha tinha morrido devido a uma paragem cardíaca.

Serviço de Neonatologia no hospital de São João no Porto.

Às amigas, Daniella dizia que os filhos tinham morrido, segundo a investigação

ESTELA SILVA/LUSA

A investigação conseguiu também perceber que, apesar de a mulher vender os filhos e nunca mais ter contacto com eles, continuou a procurá-los nas redes sociais. Em junho de 2018, encontrou uma fotografia de uma das crianças no Facebook dos compradores e partilhou-a com Jaime — o pai biológico —, referindo-se à bebé como a “pequenininha”. Em relação ao bebé do sexo masculino que terá vendido a um dos casais, Daniella costumava comentar com Jaime o quanto ele era parecido com o filho biológico de ambos.

Investigação aos pais compradores prossegue. Em causa estão crimes de tráfico de pessoas e falsificação de documentos

Além de Daniella e Jaime, a PJ investigou também os “compradores”, que se encontram a viver em França e na Suíça, tendo inclusivamente feito buscas nas suas casas. Ainda assim, não foi suficiente e, por isso, o MP pediu a colaboração das autoridades francesas e suíças para realizar outras diligências “necessárias” para “ser recolhida prova”.

Só que o resultado dessas diligências ainda não tinha chegado em dezembro de 2019, quando a acusação foi deduzida. Mais: o prazo máximo da medida de coação aplicada a Daniella — prisão domiciliária com pulseira eletrónica — estava prestes a terminar e não era possível esperar mais. Assim, o MP optou por acusar Daniella e Jaime — que se encontra apenas obrigado a apresentações periódicas às autoridades — e por realizar uma investigação autónoma aos casais compradores. Esse outro processo poderá culminar com a acusação dessas pessoas e a realização de um julgamento. Daí que, embora os principais arguidos conheçam a sentença esta quarta-feira, o caso está longe de estar fechado.

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