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O presidente do Chega (CH), André Ventura (D), ladeado pelo líder parlamentar do partido, Pedro Pinto (E), reage durante a sessão plenária num debate de urgência sobre "a situação provocada pelas declarações do Senhor Presidente da República em relação à reparação histórica das ex-províncias ultramarinas", na Assembleia da República, em Lisboa, 15 de maio de 2024. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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Queixa-crime foi apresentada contra Pedro Pinto e André Ventura e ainda Ricardo Lopes Reis

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Queixa-crime foi apresentada contra Pedro Pinto e André Ventura e ainda Ricardo Lopes Reis

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Queixa-crime contra Ventura. Especialistas consideram que há motivos e que exposição do autor é relevante

Especialistas dizem que há matéria para caso ser investigado, embora alertem que o que é politicamente “repugnante” pode não ser considerado crime pelos tribunais.

Mais de 120 mil pessoas assinaram uma petição pública para levar a cabo uma queixa-crime contra André Ventura, Pedro Pinto e Ricardo Lopes Reis pelas declarações no seguimento da morte de Odair Moniz, após uma perseguição policial na Cova da Moura. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já abriu inquérito às declarações públicas dos membros do Chega e os subscritores da petição já entregaram o documento. Especialistas ouvidos pelo Observador consideram que há motivos para averiguar as declarações públicas, não sendo sequer necessária a petição, e defendem que, até mais relevante do que as palavras, são os autores das mesmas e o impacto que podem ter nos outros. Os limites da liberdade de expressão serão a grande questão a avaliar.

Na petição em causa estão plasmados quatro crimes: instigação à prática de crime, apologia da prática de crime, incitamento à desobediência coletiva e ofensa à memória de pessoa coletiva. Nos três primeiros casos é possível haver uma avaliação com os meios existentes — a própria PGR abriu um inquérito porque se trata de um crime público. No último é preciso a própria família de Odair Moniz, o homem que morreu na sequência de uma fuga da polícia e após ter sido atingido por duas balas disparadas por um dos agentes, fazer queixa.

Leonor Caldeira começa por explicar que quando está em causa, por um lado, a “proteção do discurso político e por outro a defesa da honra e a proibição do incitamento ao ódio ou à violência” torna-se “difícil” prever com certeza o que poderá sair deste caso, tendo em conta que os tribunais fazem uma “análise caso a caso” e que a “jurisprudência portuguesa tem adotado cada vez mais um entendimento amplo da liberdade de expressão, por influência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.

Alguém como o assessor do Chega, Ricardo Lopes Reis, exemplifica, até pode proferir uma afirmação do mesmo género ou mais grave, mas "não está numa posição de relevância" e não tem "projeção significativa sobre um conjunto de pessoas". Quando alguém o tem, como é o caso de André Ventura e até, noutra dimensão, de Pedro Pinto, há um "peso que pode determinar comportamentos de outras pessoas".
Jorge Pereira da Silva

Ainda assim, considera que as declarações de Pedro Pinto foram “das coisas mais graves ditas em democracia até hoje por parte de um ator político”. “Aquela afirmação, dita num debate em canal aberto na televisão nacional, é chocante e invoca o uso de força excessiva pela polícia”, argumentou, realçando que, em abstrato, é possível discutir se as afirmações de Pinto e de Ventura têm relevância penal. “É óbvio que ambos querem criar nos elementos da polícia um sentimento de proteção por parte da terceira força política nacional caso usem da força em excesso, incluindo se matarem sem razão ou justificação para isso”, aponta. Mas explica que perceber se isso “basta para que o tribunal considere que se incitou à violência, em termos jurídico-criminais, é outra questão”. E acrescenta: “O que é repugnante em política, pode ser admissível nos tribunais”, já que “o campo da decência não se confunde com o campo da admissibilidade”.

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Na verdade, Pedro Pinto já recuou (“Aquilo que se passou foi, apenas, uma simples suposição e com algum tipo de ironia“) relativamente às palavras que tinha dito anteriormente (“Se os polícias disparassem mais para matar o país estaria mais na ordem”) e também essa atitude pode pesar na defesa do líder parlamentar do Chega. Ao referir que se tratou de “uma simples suposição, com algum tipo de ironia”, a advogada diz que se assume que “esse recuo fará parte da sua defesa”, reconhecendo que essa argumentação pode também ser tida em conta. Também Paulo Saragoça da Matta considera que declarações podem ser uma “atenuante” se vier dizer que “estava a dizer aquilo de forma jocosa”.

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Ainda que as declarações de Pedro Pinto e Ricardo Reis sejam, na visão de vários especialistas ouvidos pelo Observador, mais graves, a exposição pública de André Ventura pode acabar por pesar numa decisão final. Saragoça da Matta argumenta que “há relevâncias diferentes quanto ao conteúdo, mas também há relevâncias diferentes quanto à pessoa que proferiu as declarações“. Ora, aos olhos do advogado, “uma declaração menos forte quanto ao conteúdo, mas feita pelo professor doutor André Ventura, pode tornar-se muito mais grave, na lógica do incitamento ao ódio, do que uma declaração mais grave feita pelo assessor”. E isso, sublinha, “tem de ser levado em conta no processo”.

Jorge Pereira da Silva tem a mesma opinião e defende que uma declaração de André Ventura “é mais grave pela exposição que tem” e pela relação que tem com movimentos específicos da sociedade, neste caso com as forças policiais. O especialista considera que é sempre difícil fazer uma avaliação em concreto do crime de incitamento à violência porque “para haver incitamento tem de haver uma capacidade efetiva de influência“. Desta forma, alguém como o assessor do Chega, Ricardo Lopes Reis, exemplifica, até pode proferir uma afirmação do mesmo género ou mais grave, mas “não está numa posição de relevância” e não tem “projeção significativa sobre um conjunto de pessoas”. Quando alguém o tem, como é o caso de André Ventura e até, noutra dimensão, de Pedro Pinto, há um “peso que pode determinar comportamentos de outras pessoas”.

Apesar de a PGR já ter aberto um inquérito, a petição dá conta de um crime que só poderá avançar caso a família de Odair Moniz o pretenda: a ofensa à memória de pessoa falecida. Tanto Leonor Caldeira como Saragoça da Matta estão certos de que, sem a participação dos familiares, não é possível levar este assunto adiante.

“Os atos que vi serem praticados aquando da divulgação dos mesmos pela imprensa podem preencher os tipos, objetivos e subjetivos, dos crimes de incitamento ao ódio? Indiciariamente, sim, mas só se conseguirá determinar isso depois de um interrogatório porque os arguidos podem defender-se, nomeadamente contra o elemento subjetivo, [dizendo] que não houve dolo”, explica o advogado Saragoça da Matta, que vai mais longe: “Certamente que se for condenado em Portugal, qualquer um deles não deixará de recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por saber que a latitude da liberdade de expressão é muito, muito grande.”

Vários advogados ouvidos não têm dúvidas de que este tipo de processos “levam e já levaram a condenações” em tribunais portugueses, mas Saragoça da Matta diz que “talvez não com esta magnitude”. Independentemente disso, mais do que o efeito jurídico ou processual que pode vir a ter, não tem dúvidas de que esta denúncia tem um “efeito simbólico mediático“, mais do que prático, já que “esta é uma denúncia criminal” e não uma queixa-crime por dizer respeito a um crime público.

O crime que só avança pelas mãos da família

Apesar de a PGR já ter aberto um inquérito, a petição dá conta de um crime que só poderá avançar caso a família de Odair Moniz o pretenda: a ofensa à memória de pessoa falecida. Tanto Leonor Caldeira como Saragoça da Matta estão certos de que, sem a participação dos familiares, não é possível levar este assunto adiante. “Um crime de ofensa à memória de pessoa falecida é um crime particular e precisa não só da queixa dos familiares como, depois, da acusação particular”, explica a advogada, comparando com os outros crimes em causa que não precisam da intervenção da família.

O advogado explica que esta petição é uma denúncia de um crime público e não uma queixa-crime e deixa claro que se a família quiser apresentar queixa por crime de ofensa à memória de pessoa falecida — nomeadamente pelas declarações de Ventura (“Este polícia, nós devemos agradecer-lhe. Nós devíamos condecorá-lo e não de o constituir arguido, de o ameaçar com processos ou ameaçar prendê-lo”) e Ricardo Lopes Reis (“Menos um criminoso… menos um eleitor do Bloco”) — terá de o fazer por meios próprios e não pode esperar que a petição sirva de base.

“A família tem que fazer essa queixa e é um processo autónomo, não tem de ser julgado conjuntamente, pode ser apensado, mas será sempre um crime diferente dos outros e com tratamento diferente”, explica o especialista. No limite, nenhum dos intervenientes será julgado por este crime se a família não apresentar queixa.

Levantamento de imunidade

Independentemente do local em que as declarações foram proferidas, no caso de Pedro Pinto estava num programa de televisão, Duarte Pacheco recorda que “a pessoa é deputado ou ministro 24 horas por dia” e que o objetivo do levantamento da imunidade é “permitir ao agente político de poder ter total liberdade de não ser perseguido por pensamento e discurso”.

Este é um direito dos deputados e o levantamento da imunidade “tem de ser autorizado pela Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados e plenário”. “Por regra é sempre levantada”, refere o ex-vice-presidente da Assembleia da República, “respeitando-se a disposição da pessoa”, como por exemplo a possibilidade de responder por escrito.

Duarte Pacheco alerta também que “se o crime indiciado tiver uma cobertura penal superior a três anos, como é o caso, o levantamento é obrigatório: independentemente de haver votação, o Parlamento tem de cedê-la”. Assim, não haverá como manter a imunidade parlamentar nos casos de André Ventura e Pedro Pinto, mesmo que apenas precisem de ser ouvidos e nunca cheguem a arguidos.

Queixa entregue e acusações de “perseguição”

O grupo de cidadãos que juntou mais de 12o mil assinantes numa petição que tinha como objetivo fazer uma queixa-crime contra André Ventura, Pedro Pinto e Ricardo Reis, do Chega, já entregou o documento na PGR. A queixa-crime, que neste caso é uma denúncia de um crime público, foi “simbolicamente assinada” pelo músico Dino d’Santiago, pela professora Teresa Pizarro Beleza, pela atriz Cláudia Semedo, pelo jurista Miguel Prata Roque, pela empresária Miriam Taylor e pelo gestor Miguel Baumgartner, em representação dos subscritores.

O movimento cívico revelou ainda que “constituir-se-á como assistente no processo criminal em curso, de modo a auxiliar o Ministério Público nas investigações, em representação de tantas pessoas indignadas com a conduta que preenche vários tipos de crime”.

André Ventura considerou que a queixa-crime “é uma fraude porque quem quer pode assinar esta petição sem qualquer cartão de cidadão, sem qualquer número”, afirmou o líder do Chega em declarações aos jornalistas, exemplificando que existem nomes como o de Estaline, Kim Jong-un ou Odair Moniz.

“Uma queixa que diz que há um grupo de políticos que não pode usar estas expressões, que incitou à desobediência, quando o Chega incitou precisamente à obediência às autoridades, à obediência total e plena e completa às autoridades, é uma coisa sem nenhum sentido e sem nenhum cabimento”, defendeu Ventura alguns dias antes, acrescentando que se trata de “perseguição política”. Aos olhos do líder do Chega, “é muito negativo numa democracia quando o debate político se transfere para os tribunais”.

Líder do Chega alega que petição por queixa-crime contra si “é uma fraude”

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