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O primeiro debate das europeias teve quase duas horas, mas correu o risco de ser “telegráfico”, como alertou Marinho e Pinto. Num modelo de debate onde o tempo foi muito controlado pelo moderador, que ditava os temas, não houve grande margem para os candidatos ao Parlamento Europeu se confrontarem entre si e defenderem ideias concretas. Ainda assim, o primeiro momento onde os seis se defrontaram dá pistas sobre aquilo que deverá ser a estratégia dos vários partidos daqui para a frente: Pedro Marques aparece sozinho a defender o legado do governo e do PS; Nuno Melo faz all in com a colagem de Pedro Marques (e restante governo socialista) a José Sócrates; Paulo Rangel atira com o corte de 1.600 milhões de euros do próximo quadro financeiro plurianual; Marisa Matias e João Ferreira lutam pelos louros de alguns feitos da geringonça mas, de resto, fazem de tudo para pôr PS, PSD e CDS no mesmo saco. E Marinho e Pinto? Encosta PCP e BE à extrema-direita, por votarem da mesma forma no Parlamento Europeu, e por alinharem no “teatro político” que só afasta eleitores de eleitos.

Eis os principais temas e os principais ataques do debate da SIC. O próximo é já dia 8 de maio, na TVI.

Pedro Marques, PS. O perigo está à direita (e foi só essa que atacou)

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Ataques a Paulo Rangel: 9
Ataques a Nuno Melo: 7
Ataques a João Ferreira: 0
Ataques a Marinho e Pinto: 0
Ataques a Marisa Matias: 0

O cabeça de lista socialista vinha com uma ideia para repetir a cada oportunidade deste debate — e foi isso mesmo que fez: “Nos últimos três anos foi construída uma alternativa política para a Europa a partir de Portugal e essa alternativa política precisa de mais força para combater quem na UE quis sancionar Portugal”. Ou seja, pegar na governação e nos seus resultados (segundo os socialistas, contas certas com devolução de rendimentos) e aplicar a mesma fórmula em Bruxelas contra aquilo que diz que a direita maioritária no Parlamento Europeu tem feito. Os seu alvos ficam claros nos ataques registados pelo Observador: todos para os partidos de direita. E de forma muito equilibrada: atacou nove vezes Paulo Rangel, do PSD;  e sete vezes Nuno Melo, do CDS.

Pedro Marques foi o terceiro cabeça de lista mais atacante (em número total) no primeiro debate das europeias e o mais atacado (29 vezes ao todo) pelos adversários. Para atirar à direita trouxe, em primeiro lugar, a posição sobre as sanções a Portugal de Manfred Weber, agora candidato do PPE à presidência da Comissão Europeia. O momento mais quente a envolver o socialista foi no momento em que foi confrontado com o corte de 1600 milhões de euros para Portugal no próximo quadro comunitário de apoio, com os dedos dos candidatos da direita a apontarem para si. Mas o candidato acabou por refugiar-se nos preços correntes em vez de falar no valor real: “Não há perda de fundos a preços correntes”. Numa espécie de fuga para a frente, atirou-se a Nuno Melo e à suposta perda de 20 milhões no Proder (apoios para o desenvolvimento rural) quando Cristas era ministra da Agricultura.

A Rangel atirou ainda o facto de não conseguir, como disse, “comentar o trabalho de Rangel” por “não lhe conhecer trabalho”: “Mas não quero sujar o debate a falar das faltas de Paulo Rangel”. Já estava feito. Rangel responderia logo a seguir que as suas faltas, pelo menos nos últimos seis meses, justificam-se como “assistência à família” e as outras com trabalho político.

Depois houve um ataque concreto do socialista que irritou tanto Rangel como Nuno Melo. Foi quando falou na proximidade de Paulo Portas, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo anterior, com o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Começou por dizer que era importante que a situação na Venezuela não fosse matéria de “dissenso político”, mas acabou por provocá-lo: “Não é preciso recordar o abraço de Paulo Portas a Maduro”. Estava feita a provocação. Pedro Marques também falou das suas expectativas eleitorais, evitando fazer comparações com 2014, altura em que a vitoria por “poucochinho” de António José Seguro ditou o fim da sua liderança do PS. Disse apenas estar convicto de que os resultados do Governo ajudarão numa “grande vitória”. E lembrou que Mário Soares foi o único candidato nas europeias que conseguiu que o PS ganhasse mesmo estando no governo. Sem colocar fasquia, coloca esta pressão.

Paulo Rangel, PSD. Olhar para o PS e só para o PS

Ataques a Pedro Marques: 11
Ataques a João Ferreira: 0
Ataques a Marinho e Pinto: 0
Ataques a Nuno Melo: 0
Ataques a Marisa Matias: 0

Paulo Rangel mostrou bem neste debate que não se vai distrair com os candidatos à sua direita, e que vai apontar apenas e só para Pedro Marques (e companhia socialista). Prova disso são os ataques que desferiu, contabilizados ao detalhe pelo Observador: 11 ataques a Pedro Marques, zero ataques aos restantes candidatos e partidos — nem um de raspão ao CDS. Pelo contrário: até saiu em defesa de Paulo Portas (mesmo antes de Nuno Melo) quando Pedro Marques lembrou o “abraço” do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro. “Fale mas é de José Sócrates e do [computador] Magalhães”, atirou Rangel, indignado, saindo indiretamente em defesa de Portas.

De resto, a intervenção de Paulo Rangel no debate foi dividida em duas partes: defender o peso e a influência que o PSD tem na Europa, que terá sido visível por exemplo quando Portugal escapou às sanções da Comissão Europeia por causa das metas do défice; e atacar o PS, com António Costa à cabeça, por estar a fazer “o que Mário Soares não faria”, que é nacionalizar a campanha das europeias e torná-las num “plebiscito bonapartista ao Governo”. É que, já que António Costa está a virar o tabuleiro das europeias para a mesa nacional, Rangel diz que é uma boa oportunidade para dar um “não” ao Governo por ser o responsável pela degradação dos serviço públicos, pela redução do investimento e pela maior carga fiscal de sempre. Essa é a linha de raciocínio que Rangel vai levar até ao fim.

Não tendo sido dos mais aguerridos no ataque (aparece em quinto na contabilização do Observador), Paulo Rangel protagonizou um dos momentos mais quentes quando, no meio da discussão sobre a execução dos fundos comunitários e as novas verbas de Bruxelas, citou uma entrevista de Pedro Marques, quando ainda era ministro daquela pasta, a admitir que iria haver uma “bomba orçamental” com os cortes propostos pela Comissão Europeia para o próximo quadro comunitário. “Há corte ou não há corte?”. Aí, Rangel encostou Pedro Marques às cordas, obrigando-o a fazer uma acrobacia com as palavras.

Rangel foi o segundo mais atacado na contabilização do Observador (foi alvo de 19 ataques), e jogou à defesa sobretudo quando teve de justificar o porquê de aparecer num ranking como um dos eurodeputados mais faltosos nas votações do Parlamento Europeu: “assistência familiar” e “razões políticas” foram as justificações, lembrando indiretamente a morte da mãe na última semana e invocando a sua qualidade de vice-presidente do PPE, que lhe confere outras competências e obrigações.

João Ferreira, CDU. Todos no mesmo saco e o incómodo venezuelano

Ataques a Paulo Rangel: 4
Ataques a Nuno Melo: 4
Ataques a Pedro Marques: 3
Ataques a Marisa Matias: 2

Ataques a Marinho e Pinto: 0

Atacou a toda a volta, só poupou Marinho e Pinto. E nem o Bloco de Esquerda passou à margem das picardias do comunista neste debate, com João Ferreira a recordar logo numa das primeiras intervenções a noite eleitoral das legislativas de 2015 para dizer que só o PCP admitiu haver maioria à esquerda para derrotar a direita, acusando o Bloco de ter ficado satisfeito com o seu próprio resultado (tinha ficado à frente do PCP) — e o PS também é tido neste ataque. Também é para o partido que representa que João Ferreira reclama os louros de se ter conseguido “reverter o caminho de retirada de direitos” no país.

Muitas vezes, durante o debate, o candidato comunista fez ataques três em um, ou seja, ataques em que falou dos sucessivos governos que existiram em Portugal, distribuindo culpas pelo PS e pelo PSD. Pôs várias vezes no mesmo saco o PS (seu parceiro no Parlamento nos últimos três anos), o PSD e o CDS. Disse mesmo que “PS, PSD e CDS não se distinguiram nos últimos anos” em áreas importantes como a “política agrícola comum, a política comum de pescas, as orientações económicas ou as orientações de emprego”. Aliás, a diferença entre os ataques aos partidos de direita e ao PS é a mínima: apenas um a menos aos socialistas.

Houve um tema de atualidade mais sensível de gerir para o comunista: a situação na Venezuela, que João Ferreira chutou para o princípio da autodeterminação dos povos. Nuno Melo ainda lhe atirou que sobre a “Venezuela e a Coreia do Norte, os comunistas andam à volta mas os povos é que sabem” e que “o PCP faz a festa do Avante com delegações dos terroristas das FARC, da ditadura venezuelana e de Cuba e Coreia do Norte e, quando assim se faz, está-se com esses regimes”. O eurodeputado comunista não aproveitou intervenções seguintes para se defender.

Marinho e Pinto, PDR. O “teatro” do BE e PCP que votam com a extrema-direita

Ataques a Nuno Melo: 2
Ataques a Marisa Matias: 2
Ataques a Pedro Marques: 1

Ataques a Paulo Rangel: 1
Ataques a João Ferreira: 1

Queixou-se de que o debate estava a ser “demasiado telegráfico”, perante as constantes interrupções do moderador, queixou-se de os jornalistas portugueses não ligarem ao trabalho que faz no Parlamento Europeu, nomeadamente sobre a reforma do Tribunal de Justiça Europeu (referindo que até o New York Times lhe faz referências) — e queixou-se de não ser convidado para todos os debates do próximo mês. Marinho e Pinto, que há cinco anos foi eleito pelo MPT mas que agora vai concorrer pelo PDR, atacou todos os políticos à volta mas nenhum em particular. Defendeu condições mínimas de trabalho comuns em toda a Europa, através da instituição de valores mínimos comuns para o salário mínimo, para as pensões mínima e para o subsídio de desemprego.

Apesar de serem conhecidas as suas críticas ao Parlamento Europeu e ao trabalho (ou falta dele) dos eurodeputados, Marinho e Pinto recorreu a um ranking espanhol que o coloca em boa posição e defendeu a Europa dentro das suas imperfeições. “Nada é perfeito ainda, mas estaríamos muito abaixo se não estivéssemos na UE. É o que me faz continuar”, justificou, sabendo-se que tinha dito que não iria permanecer no Parlamento Europeu e agora volta a candidatar-se a mais um mandato.

Num ataque generalizado, criticou o “teatro na política”, que passa por, como faz o PCP, apoiar o Governo cá dentro e dizer mal lá fora. Foi aí que Marinho e Pinto também aproveitou para atacar o BE, a par do PCP, colando-os à “extrema-direita”, por votarem muitas vezes da mesma forma no Parlamento Europeu. Para Nuno Melo, o mesmo tipo de ataque: admite coligações com a extrema-direita dentro do PPE.

Nuno Melo, CDS. Como levar José Sócrates à força para o debate

Ataques a Pedro Marques: 12
Ataques a Marisa Matias: 4
Ataques a João Ferreira: 3

Ataques a Paulo Rangel: 0
Ataques a Marinho e Pinto: 0

Foi o mais agressivo nos ataques, em número e em conteúdo, e até quando teve de se defender de um ranking espanhol que o classifica como um dos piores eurodeputados portugueses em termos de trabalho feito (MEP.ranking.eu) conseguiu sair por cima, pondo os seus adversários a concordar consigo: trata-se de um ranking “fake”, uma “fraude”, que não se sabe se é feito por uma pessoa ou uma ONG, mas sabe-se que recebe dinheiro de eurodeputados.

De resto, levou José Sócrates à força para o debate. Primeiro, através de fotografias que tinha levado na pasta, para mostrar como António Costa e Pedro Marques fizeram parte dos governos socialistas que deixaram Portugal na bancarrota. Depois, quando lembrou que Pedro Marques era secretário de Estado da Segurança Social nos governos de Sócrates, quando congelou pensões mínimas, sociais e rurais. E ainda quando saiu em defesa de Paulo Portas por causa da proximidade a Nicolas Maduro. “Como tem o topete de falar de Paulo Portas sobre Maduro? Portas nunca esteve com gestos com Maduro ou Chávez, esteve sempre com os empresários que tinham lá investimentos”, disse, dando a entender que quem tinha proximidade com Maduro e Chávez era José Sócrates.

De resto, o principal gancho de ataque foi a má execução dos fundos comunitários, sobretudo na ferrovia, no mar e na agricultura, diretamente assacada a Pedro Marques. A culpa, diz, é do Governo e não da UE, que disponibiliza verbas mas que depois o governo cativa.

Nuno Melo também não poupou Marisa e João Ferreira, colocando a extrema-esquerda em Portugal ao mesmo nível de preocupação da extrema-direita europeia. Só deixou escapar Paulo Rangel e Marinho Pinto.

Marisa Matias, BE. Atacou a toda a volta, mas em carga mínima

Ataques a Nuno Melo: 6
Ataques a Paulo Rangel: 5
Ataques a Marinho e Pinto: 3
Ataques a Pedro Marques: 2

Ataques a João Ferreira: 2

Foi, a par de Marinho e Pinto, a candidata que atacou todos os adversários no debate, mas sem grande agressividade. Os seus alvos preferidos estiveram à direita: atacou seis vezes Nuno Melo e cinco Paulo Rangel. Foi sobre os dois que atirou a acusação de que “existe uma hipocrisia entre o que se diz aqui e o que se faz lá”, apontando oposições em Bruxelas a mais investimento em países como Portugal, por exemplo. Mas também responsabilizando as forças do bloco central de terem responsabilidade na ascensão dos movimentos de extrema-direita na Europa.

Neste ponto ouviu, em troca, Nuno Melo falar dos gritos pela morte de Bolsonaro no desfile do 25 de abril, vindos do BE. Marisa Matias desmentiu que alguém tivesse pedido a morte do presidente brasileiro e garantiu: “Continuarei a fazer política com sentido de humor e a sorrir”.

Também houve momentos de picardia com o comunista João Ferreira, por duas vezes, com a candidata a estranhar mesmo os ataques vindos desse lado — e a responder-lhes, ainda que de forma soft. No início, depois de João Ferreira ter acusado o BE de ter ficado no auto-elogio do seu resultado, na noite eleitoral de 2015 — da qual sairia a “geringonça” — Marisa Matias avisou que não se enganava sobre quem era o seu adversário. Isto é, não estava ali para combater a esquerda, mas sim a direita.