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Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMAS SILVA/OBSERVADOR

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"Em casa de ferreiro, espeto de pau"? Em Beja, há quem trate da saúde mental de médicos, enfermeiros e assistentes

Médicos, enfermeiros e assistentes costumam ter uma grande resistência a pedir ajuda. Pensam: "Não posso parar", "não posso estar deprimido". Em Beja, um grupo de colegas tenta contrariar tudo isso.

Foi em meados de 2019 que Luísa (nome fictício) teve uma reviravolta inesperada na rotina de trabalho. Quando uma das colegas do serviço ficou de baixa, a médica do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, teve de acumular duas funções. “Além da sobrecarga, a substituição implicou responsabilidades de gestão, coisa que abomino.”

O trabalho extra e o desagrado pelas novas responsabilidades precipitaram as mudanças que começou a sentir passado pouco tempo: primeiro, um cansaço que nunca passava: depois, as insónias; a seguir, um estado de frustração permanente. “Depois de seis meses nisto, no final do ano, estava desesperada e quase sem força para procurar ajuda”, diz a médica de 59 anos.

Felizmente, não teve de a procurar muito longe. Bastou-lhe marcar 4168 no telefone na secretária – o número da extensão da medicina do trabalho da instituição – e, uma semana depois, estava sentada no consultório de Pedro Moura. Especializado em psiquiatria ocupacional, o médico planeou, implementou e coordena, desde 2017, um projeto inovador: chama-se Progerpsi – a abreviatura de Programa de Gestão Integrada dos Riscos Psicossociais nos Profissionais da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA) – e contraria o famoso aforismo “em casa de ferreiro, espeto de pau”.

Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O psiquiatra Pedro Moura coordena uma equipa de oito pessoas que inclui quatro enfermeiras, uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional, um técnico de segurança no trabalho e outro psiquiatra

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Os riscos psicossociais, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), são aqueles que decorrem de deficiências na conceção, organização e gestão do trabalho ou de um contexto laboral problemático, podendo ter efeitos negativos a nível psicológico, físico e social. E os profissionais de saúde estão entre os trabalhadores com mais risco. “É um projeto desenvolvido por trabalhadores de saúde para os trabalhadores de saúde, prevenindo e tratando questões de saúde e doença mental entre os funcionários da ULSBA”, explica Pedro Moura. “Trata-se de cuidar dos nossos.”

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Qualquer um dos cerca de 1.700 trabalhadores da ULSBA, que inclui o Hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, pode fazer o mesmo telefonema que Luísa. Ou passar nas instalações da medicina do trabalho e pedir ajuda. Pedro Moura coordena uma equipa de oito pessoas que inclui quatro enfermeiras, uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional, um técnico de segurança no trabalho e mais um psiquiatra preparados para dar resposta a todos os pedidos de ajuda que surjam.

E são muitos os que têm surgido, como provam os números: desde que iniciou as consultas de Psiquiatria do Trabalho, em dezembro de 2017, Pedro Moura já fez mais de mil. Em pouco mais de cinco anos, acompanhou 180 profissionais, o que, considerando os cerca de 1.700 trabalhadores da ULSBA, corresponde a mais de dez por cento dos funcionários.

A porta de entrada

“Toc-toc-toc”. Elisabete Catarino bate com os nós dos dedos na mesa, como quem bate à porta. “É só isto que tem de fazer quem precise de ajuda: bater-nos à porta. Estamos aqui todos os dias, das oito às cinco. Ou ligar e, nesse caso, dizemos: ‘Passe cá quando quiser, para falarmos um bocadinho’.” Há uma certa informalidade que a enfermeira tenta imprimir nos contactos, para deixar as pessoas à vontade e contrariar o nervosismo a que já se habituou.

Elisabete é uma das duas profissionais que fazem a Consulta de Enfermagem de Psiquiatria do Trabalho, o primeiro acolhimento a quem pede esta ajuda. É um primeiro espaço de partilha, mas funciona também como forma de triagem, para perceber a natureza e a gravidade do problema de quem chega. “Funciono como uma rotunda, que direciona para o sítio mais adequado.” Para a ajudar nessa tarefa, preenche o BSI (Brief Symptom Inventory), um inventário de sintomas psicopatológicos, com 53 perguntas, que fornece uma visão geral das queixas e uma pontuação de 0 e 5.

Desde dezembro de 2017, o psiquiatra Pedro Moura já fez mais de mil consultas e acompanhou cerca de 180 profissionais — mais de dez por cento dos funcionários da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, que engloba o hospital e 14 centros de saúde da região. 

O número que faz a diferença é o 2,7. Acima deste valor, considera-se que já há doença e é marcada de imediato uma consulta de psiquiatria — com Pedro Moura ou Afonso Gouveia, o interno de formação específica no hospital. Abaixo de 2,7, por norma, está-se do campo das situações reativas ao stress, como excesso de trabalho,  conflitos laborais, um divórcio ou um luto. São pessoas que não se considera estarem – ainda – doentes, mas demonstram dificuldades e não devem ser deixadas sem resposta.

Nestes casos, são direcionadas para intervenções terapêuticas, de quatro sessões, a cargo de Marisa Morais e Paula Colaço, enfermeiras especialistas em Psiquiatria e Saúde Mental. São elas que ajudam a pessoa a perceber que mal estar é aquele, de onde vem e, sobretudo, que estratégias pode usar para se sentir melhor. “O meu trabalho não acaba quando acaba a consulta”, diz a enfermeira Paula Colaço. “Começa quando ela acaba. Eu levo o que as pessoas me dizem e penso no caminho que lhes vou apresentar, quais são as melhores estratégias e possibilidades.”

Nestas quatro sessões, as pessoas têm oportunidade de falar sobre o que as preocupa, num ambiente seguro, livre de julgamentos e com um profissional empático. “Trabalhamos na promoção da saúde mental, na psicoeducação, ensinamos técnicas de relaxamento e respiração, de gestão do stress, de desenvolvimento das competências sociais”, explica a enfermeira Marisa Morais.

Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

É graças às 53 perguntas do BSI (Brief Symptom Inventory), um inventário de sintomas psicopatológicos que fornece uma visão geral das queixas, que é feita a primeira triagem de novos casos

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Foi isso que fizeram com Helena (nome fictício), na casa dos 50 anos, assistente operacional num Centro de Saúde da ULSBA, para quem os problemas começaram durante a pandemia, quando a maioria das colegas foi destacada para o serviço Covid e Helena ficou no não-Covid. “Não aceitaram, afastaram-se, falavam mal de mim nas minhas costas.” No ano passado, o serviço retomou o funcionamento habitual, mas o mesmo não aconteceu entre as colegas. E as oito horas por dia num ambiente hostil começaram a pesar. Helena andava sempre nervosa. Chorava por tudo. Sentia-se sozinha. Não dormia. No início deste ano, um colega falou-lhe das consultas e serviços na área da saúde mental da própria instituição e ajudou-a a marcar a primeira consulta.

Agora, não poupa os elogios a Pedro Moura, que também passou a segui-la na consulta de psiquiatra, mas aquilo de que fala com mais entusiasmo são estas sessões terapêuticas. “Disso é que eu gostei mesmo. Em casa, falo com o meu marido, mas ali é uma conversa diferente”, diz. “A enfermeira escuta de outra maneira, diz coisas diferentes, faz pensar. Ajudou-me muito: saía de lá mais leve, comecei a estar menos nervosa no serviço. E sinto-me muito aliviada por saber que tenho ali essa ajuda, se voltar a precisar.”

Uma pilha de pastas azuis

Quando começou, em 2017, havia uma coisa que Pedro Moura sabia: era essencial que o projeto não funcionasse no departamento de psiquiatria do hospital. “Isso ia afastar as pessoas: o estigma em relação à doença mental existe e os profissionais de saúde também o têm”, diz o médico. Ninguém ia querer ser visto a entrar ou sair da Psiquiatria, ter de responder a perguntas sobre isso, sentir olhares curiosos. Optou então pelo serviço de Medicina do Trabalho, que passou a ser a porta de entrada – tanto em termos de organização, como de espaço físico – para os que precisassem de ajuda. Um serviço conhecido, bem implementado e situado num sítio mais discreto: a cave da Unidade de Saúde Familiar AlfaBeja, na rua ao lado do hospital.

“Há muito estas ideias feitas de ‘não posso parar’, ‘não posso pedir ajuda’, ‘não posso estar deprimido’, ‘não posso mostrar-me ansioso’", diz a psicóloga Catarina Gaspar, que já acompanhou mais de cem trabalhadores. 

Aqui a discrição é a palavra de ordem. Em tudo. Em cima da mesa, Pedro Moura tem uma pilha de pastas azuis. São os processos clínicos dos pacientes que esteve a atender durante a manhã. “Ter processos clínicos em papel é uma coisa que já quase não existe, mas é como fazemos aqui. Depois são guardados numa sala com arquivadores cuja chave está com a administrativa do serviço.”

Optaram por esta solução porque os registos de consultas feitos no SClínico — o programa informático usado para todas as consultas no Serviço Nacional de Saúde — são acessíveis a muita gente. “Isso seria razão para muita gente não vir: saber que a informação ficaria disponível no sistema”, esclarece o psiquiatra. O papel é uma forma de salvaguardar o sigilo e a confidencialidade de tudo o que é falado em consulta.

A maior parte dos seus pacientes são pessoas de meia idade, mais mulheres do que homens, mais assistentes operacionais e enfermeiros do que médicos – o que reflete a realidade dos números totais da população servida. “A depressão major e depressão major recorrente são o grosso das patologias, mas há também muitas questões relacionadas com ansiedade e perturbações da personalidade.”

Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Elisabete Catarino é uma das duas profissionais que fazem a Consulta de Enfermagem de Psiquiatria do Trabalho, o primeiro acolhimento a quem pede esta ajuda

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Atender colegas profissionais de saúde tem desafios. “São pessoas com quem me cruzo nos corredores, no refeitório, com quem estou em grupos de trabalho. Nunca tive nenhuma situação em que não consiga seguir a pessoa, mas é importante ser rigoroso com os limites.” Por exemplo, não fazer “consultas de corredor” e em situação alguma abrir a boca fora das reuniões de equipa sobre os casos que segue. Por outro lado, garante que também há coisas boas: “São pessoas em idade ativa e sem outros problemas mais graves, como demências, e, por isso, muitas vezes recuperam completamente, o que é compensador. Além disso, identificamo-nos muito com algumas situações e sentimo-nos tocados por ajudar pessoas que nos dizem tanto pela profissão que têm, por serem colegas.”

“O serviço não podia parar”

Há uma frase feita que diz que os profissionais de saúde são maus pacientes. “É um chapéu que enfio na cabeça”, confessa Luísa. “Por mais que gostasse de dizer outra coisa, sei que fui má paciente: pedi ajuda tarde, resisti à medicação adequada, insisti em não pôr baixa, desisti da psicoterapia.”

No final de 2019, quando a médica se sentou pela primeira vez em frente ao colega Pedro Moura, estava em burnout. Pouco depois, foi-lhe diagnosticada uma depressão. Mesmo assim, recusou-se a parar de trabalhar durante os dois anos – que descreve como “de desespero” – da pandemia. Em cada frase que diz, percebe-se um sentido de dever em rota de colisão com as suas próprias necessidades. “Tive de aguentar, não é? Tínhamos poucas pessoas no serviço, o meu trabalho era mesmo necessário e, se pusesse baixa, mais baixas viriam a seguir e o serviço ficava ainda mais caótico.”

A maior parte dos pacientes são pessoas de meia idade, mais mulheres do que homens, mais assistentes operacionais e enfermeiros do que médicos. Depressão e ansiedade são os principais diagnósticos.

Era uma bola de neve e Luísa não conseguia pará-la.

O “teatro” durou três anos. “Para me fazer respeitar e levar avante as decisões, tinha de pôr uma máscara. Na altura, não disse a ninguém. As pessoas podiam achar que eu estava a trabalhar num estado de saúde mental alterado”. E não estava mesmo? A médica hesita e fica em silêncio. “Sim, estava. Mas o serviço não podia parar.”

Esta visão em túnel não é invulgar. Os profissionais de saúde “têm tendência a ter uma postura muito altruísta, de muita abnegação, de priorização do trabalho”, diz Pedro Moura. Da sua experiência, isso é ainda mais visível em médicos que estão a fazer o internato. “Não há trabalhador que mais facilmente sacrifique a sua saúde mental em prol do trabalho do que o médico interno. Está na fase de início de carreira, é mais abnegado, tem a motivação de terminar o internato [para ser especialista]. Quando um médico interno põe baixa é sinal de que está mesmo nas últimas.”

Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“O meu trabalho começa quando acaba a consulta”, diz a enfermeira Paula Colaço (à esquerda, ao lado de Marisa Morais). “Eu levo o que as pessoas me dizem e penso no caminho que lhes vou apresentar”

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A psicóloga Catarina Gaspar, que faz parte da equipa há dois anos e já acompanhou mais de cem trabalhadores da ULSBA que são referenciados para apoio psicológico pela psiquiatria, confirma: “Há muito estas ideias feitas de ‘não posso parar’, ‘não posso pedir ajuda’, ‘não posso estar deprimido’, ‘não posso mostrar-me ansioso’.”

Mas a negação não costuma ser um bom caminho. Sem atenção e sem reconhecimento, as dificuldades mantêm-se ou crescem. “Pode haver um epicentro do mal-estar, mas, se não for controlado a tempo, generaliza-se. A  vida não decorre em gavetas estanques e o que começa com uma sobrecarga de trabalho, por exemplo, pode alargar-se até ter consequências devastadoras a todos os níveis.”

Saber “varrer a casa”

Sabemos que, para não termos cáries, devemos lavar os dentes várias vezes por dia. E que, para não termos colesterol, convém evitar os fritos e o sal. Mas pouco sabemos sobre o que devemos ou não fazer pela nossa saúde mental. “A maioria das pessoas não sabe”, confirma Catarina Gaspar. “E isso é um problema: varre-se o pó para debaixo do tapete, mas, num dia de ventania, o pó levanta. É preferível ir limpando todos os dias”, diz a psicóloga.

Esse é um trabalho diário que exige ações concretas, boas escolhas, autocuidado, compromisso, investimento. Foi por isso que o Progerpsi, que começou apenas com as consultas de psiquiatra, se alargou rapidamente à psicologia, à enfermagem e à terapia ocupacional, criando uma resposta multidisciplinar. Porque tratar a doença mental é importante, mas não chega: é preciso fazer um trabalho a montante, que a evite. É preciso ir varrendo a casa.

“Em casa falo com o meu marido, mas a conversa aqui é diferente”, diz Helena (nome fictício). “A enfermeira escuta de outra maneira, diz coisas diferentes, faz pensar. Saía de lá mais leve, comecei a estar menos nervosa no serviço e aliviada por saber que tenho essa ajuda se voltar a precisar.”

Para isso, uma das respostas criadas pelo Progerpsi foram formações dirigidas nas unidades ou departamentos que as solicitem, para intervir ao primeiro sinal de mal-estar. Na maioria das vezes, explica Catarina Gaspar, a solicitação é feita por uma razão concreta – conflitos de trabalho, por exemplo –, mas o primeiro passo da psicóloga é sempre avaliar ou reavaliar as necessidades. Os trabalhadores fazem um teste relativo à qualidade de vida naquelas funções e naquela equipa e outro para avaliar riscos psicossociais. “Estes testes dão um perfil do serviço e, a partir daí, é delineada uma intervenção de seis horas, feita no horário de trabalho e focada no treino das competências que correspondem às necessidades, da gestão de stress ou conflitos à prevenção de burnout.” A psicóloga dinamiza, além disso, grupos de promoção da saúde mental, de inscrição livre, sobre estes temas.

No outro extremo das necessidades está o Programa Vita-Q, uma intervenção de grupo para pessoas que estão a recuperar de uma doença mental. São convidados a integrar estes grupos os trabalhadores acompanhados nas consultas de psiquiatria ou psicologia do trabalho que apresentam dificuldades funcionais, ou aqueles que têm níveis elevados de absentismo. “O objetivo é aumentar a qualidade de vida no trabalho, favorecer a recuperação e, sobretudo, diminuir a probabilidade de recaída”, explica Sónia Nunes,  a terapeuta ocupacional responsável pelo Vita-Q. Ao longo de oito sessões, distribuídas por dois meses, são abordados temas como sinais e sintomas de mal-estar no trabalho, ergonomia, autoestima, gestão de stress, burnout, motivação e estilos de vida saudáveis.

Reportagem sobre Saúde Mental: o projecto Projepsi - que engloba o hospital de Beja e 14 centros de saúde da região, é pioneiro na prevenção e tratamento da doença mental de base laboral/ocupacional. O psiquiatra Pedro Moura juntou uma equipa multidisciplinar (enfermeiras, terapeutas ocupacionais, psicóloga, etc) e desenvolveu este projecto, dos trabalhadores para os trabalhadores, que inclui prevenção da doença mental para todos os funcionários do hospital e centros de saúde. 31 de Março de 2023 Unidade de Saúde Familiar Alfabeja, Beja TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“O objetivo é aumentar a qualidade de vida no trabalho, favorecer a recuperação e, diminuir a probabilidade de recaída”, explica a terapeuta ocupacional Sónia Nunes

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“Este trabalho dá resposta a uma necessidade que existe, tanto dos profissionais, como das instituições”, diz Pedro Moura, que continua a tentar entusiasmar e motivar colegas de psiquiatria de outras unidades de saúde para implementarem iniciativas semelhantes. E isso, pouco a pouco, vai dando frutos: o Centro Hospitalar do Oeste – que inclui os Hospitais de Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche – começou recentemente a implementar um programa semelhante.

A doença mental entre os profissionais de saúde não os afeta apenas a eles, lembra o psiquiatra. “Afeta a própria instituição – por causa da menor produtividade e do absentismo laboral – e os próprios utentes, porque pode levar a uma diminuição na qualidade dos cuidados prestados.” E profissionais de saúde com saúde podem cuidar melhor de quem está doente.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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