Em 1996, no rescaldo das eleições de 1995 que deram vitória a António Guterres (após 10 anos de Cavaco Silva como primeiro-ministro), o Governo conseguiu fazer aprovar a medida que instituía um máximo de 40 horas de trabalho semanal, com o objetivo de aproximar a realidade laboral portuguesa com a europeia. A mudança foi implementada em duas fases: em 1997 reduziu-se a semana de trabalho de 44 para as 42 horas, passando para as 40 horas um ano depois. Desta vez, ao contrário do que tinha acontecido em alterações anteriores, não houve contrapartidas para as empresas que lhes permitissem aumentar os limites das horas de trabalho extraordinário como compensação.

Na prática, em 1996, já havia empresas a aplicar as 40 horas semanais, ou menos, mas uma parte significativa ainda estabelecia um limiar acima (era esse o caso para cerca de 58% dos trabalhadores por conta de outrem). As críticas iniciais eram de que a redução dos horários, das 44 para as 40 horas, traria mais custos para as empresas (com trabalhadores a produzir menos porque trabalhavam menos horas) e faria a produção cair. As consequências refletir-se-iam, com isso, no desemprego. Mas não foi isso que aconteceu.

“Em vez disso, observamos um aumento moderado nas vendas totais, que desaparece cerca de dois anos após a reforma voltando ao mesmo nível das empresas do grupo de controlo [que já tinham horários mais baixos]”, lê-se num estudo, do ano passado, publicado pelo europeu Research Institute for the Evaluation of Public Policies (IRVAPP).

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Nele, a investigadora portuguesa Marta Lopes (Universidade Carlos III de Madrid) e Alessandro Tondini (do IRVAPP) procuraram avaliar o impacto da alteração à lei nas empresas, que não sofreram tanto quanto se poderia pensar: as vendas mantiveram-se ou até aumentaram, e não houve uma redução “significativa” do emprego.

Ao Observador, Marta Lopes — que está atualmente com Alessandro Tondini a atualizar o estudo para incluir também a reforma de 1991 que permitiu a passagem das 48 para as 44 horas semanais — explica que o emprego em termos globais não foi afetado porque se os despedimentos aumentaram as contratações também subiram. E, assim, as duas forças contrárias acabaram por não alterar os níveis de emprego. “Olhámos para mudanças em contratações e despedimentos e, na média, ambos aumentaram, acabando por manter relativamente estável o número de trabalhadores“, indica.

Como o preço foi pago pelos consumidores

Nas vendas, houve um “aumento moderado” nas empresas abrangidas pela medida em relação àquelas que já  praticavam horários mais reduzidos e que, por isso, não foram afetadas pela nova lei. “Isso é surpreendente“, escrevem no estudo, considerando a “grande redução” nas horas de trabalho. Os investigadores lançam duas possíveis justificações: os trabalhadores tornaram-se mais produtivos por hora; ou, “em alternativa, isso pode também refletir o aumento dos preços”.

Nos cálculos dos investigadores, que olharam para a base de dados europeia do projeto de investigação KLEMS [capital (K), laboral (L), energia (E), materiais (M) e serviços (S)] para obter os preços agregados, a produtividade (medida através das vendas por hora trabalhada) aumentou cerca de 4% — e 3% se descontado o efeito da inflação agregada da altura, uma metodologia que permite perceber com mais clareza o efeito direto nas vendas.

Com a reforma, os custos das empresas subiram — reduzindo as horas de trabalho e mantendo-se os salários, subiram os custos por hora —, mas não ficaram aí. Foram transmitidos aos consumidores através dos preços. “Mostramos que isso reflete em parte preços mais altos em vez de volumes mais altos (ou constantes), através dos quais as empresas são capazes de transferir os custos de mão de obra mais elevados para os consumidores“, explicam, no estudo.

Os investigadores compararam empresas e setores que foram afetados pelas medidas com os chamados “grupos de controlo”. Entre 1995 e 1997 (ano que concluiu a primeira fase da medida), ambos os grupos tiveram uma evolução dos preços semelhantes, mas, a partir daí, observaram um “aumento relativo nos preços nos setores das empresas afetadas” pela mudança legislativa. Isso “claramente mostra que parte do aumento dos custos laborais que resultam de salários mais altos [por hora] é transmitido para os preços“.

Nem todas as cidades (e setores) reagiram da mesma maneira

As vendas não reagiram de forma igual em todo o país: o aumento da produtividade foi mais baixo nas duas maiores cidades do país, Lisboa e Porto, — ainda assim, de 6% —, mas “chegando a desaparecer três anos depois da introdução da medida” e “sendo até negativo se tivermos em conta as vendas deflacionadas” (ou seja, descontado o efeito da inflação). Marta Lopes explica, porém, que foi nestas cidades que a reforma de 1996 mais impacto teve, dado que foi aí que o número de horas mais se reduziu.

Num setor, foi particularmente visível o efeito positivo da reforma: o do retalho, um dos setores onde o aumento de vendas “se fez notar bastante”, mas que também conseguiu aumentar o número de trabalhadores. Aqui, os investigadores encontraram fortes evidências do fenómeno de “work-sharing“: quando as empresas compensam a redução das horas de trabalho dos seus funcionários com mais contratações.

Nos últimos anos, os economistas têm-se debruçado sobre as consequências nas empresas da redução do horário de trabalho, mas nem sempre com resultados convergentes. Um deles, citado pela dupla de investigadores, foi realizado em França, em 2002, e concluiu que a diminuição dos horários das 40 para as 39 horas, 20 anos antes, aumentou a probabilidade de despedimento de trabalhadores permanentes.

Mas outro, do mesmo ano, olhou para os efeitos da redução de 48 para as 44 horas no Brasil, em 1988, e aí já não encontrou evidências que apontassem para perdas no emprego. O mesmo aconteceu no Chile, num estudo entre 2001 e 2005: não foram detetadas consequências no emprego de uma reforma que teve um período de adaptação de quatro anos.

Em Portugal, a redução para as 40 horas levou a que, em muitos casos, a semana de trabalho fosse reduzida para cinco dias, em vez dos seis ou cinco dias e meio que ainda havia, na altura, quem fizesse. Ao contrário do que aconteceu em países como França, onde as contribuições para a Segurança Social foram reduzidas para compensar as empresas, em Portugal não houve lugar a contrapartidas, o que permite, para a dupla de economistas, resultados mais “claros”.

Resultados são sinal para a semana de quatro dias?

Uma das principais conclusões da dupla de investigadores é que foram os consumidores a pagar o preço da redução da jornada de trabalho. Para Marta Lopes é, portanto, um fator que deve ajudar a guiar a discussão sobre a semana de trabalho de quatro dias, que vai ser testada em Portugal em meados deste ano.

Como é que as empresas vão poder testar a semana de quatro dias em 18 respostas

É algo a ter em conta hoje em dia, em que se consideram novas reduções como a semana de quatro dias, numa época em que estamos a viver com níveis de inflação muito altos, seja pela vinda de estrangeiros para Portugal, e sobretudo Lisboa, mas também pela guerra da Ucrânia”, aponta a economista.