Com a retoma do futebol em Portugal, as atenções não se concentraram apenas nas quatro linhas. Os estádios estão vedados ao público e os adeptos passaram a protagonistas pela ausência. No regresso aos relvados de Sport Lisboa e Benfica e Sporting Clube de Portugal, a Polícia de Segurança Pública esteve particularmente atenta aos ajuntamentos de adeptos nas imediações dos recintos dos maiores clubes de Lisboa. O Observador acompanhou uma equipa da PSP na retoma do futebol na capital no trabalho para assegurar que os milhares que não podem encher os estádios não se juntam em frente de ecrãs de cafés ou restaurantes.
O apelo à contenção dos adeptos portugueses já estava feito. No fim-de-semana que antecedeu o regresso da bola aos relvados, a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional juntaram dirigentes, antigos internacionais e jogadores da Primeira Liga para um apelo ao “Futebol Seguro”, com o cumprimento das normas estabelecidas pela Direção-Geral da Saúde. Restaurantes e bares junto à Luz e a Alvalade fizeram a revisão da matéria e, mais tarde, passaram no teste: não houve aglomerações perto dos estádios para ver os jogos.
Sensibilizar antes de fiscalizar
O trabalho começa hora antes do apito inicial. Na verdade, muitas horas antes. “Começámos ontem [quarta-feira] a nossa operação de sensibilização, numa primeira fase mais pedagógica”, começou por explicar o comissário Sérgio Soares, junto à esquadra da PSP de Benfica. Estamos no início da tarde de quinta-feira e a equipa da Polícia de Segurança Pública prepara-se para continuar as ações pedagógicas do dia anterior, mas também avançar para a segunda fase do plano: fiscalizar. Se antes a prioridade tinham sido os pontos nevrálgicos de convívio dos adeptos encarnados, as operações retomam com a sensibilização junto dos quartéis-generais dos adeptos leoninos.
Com o Estádio Alvalade XXI e o Pavilhão João Rocha a passos de distância, todos os restaurantes e bares junto do cruzamento entre a Rua António Stromp e a Alameda das Linhas Torres receberam a visita da PSP. Com o relógio a favor dos proprietários, os agentes procuravam saber se tencionavam servir de alternativa para quem procura “desconfinar” as emoções do futebol.
“Há estabelecimentos que fecham ainda antes dos jogos para evitar ajuntamentos”, adianta um agente ao Observador. Para os que pretendem acompanhar a jornada, a vistoria é mais apertada. As normas são conhecidas desde 18 de março, dia em que restaurantes, cafés e pastelarias puderam reabrir portas, no arranque da segunda fase do plano de desconfinamento do Governo. À passagem das equipas da PSP, as regras são revistas e os detalhes apontados pelos agentes da PSP: lotação reduzida a metade, espaçamento entre mesas, dispensador de gel desinfetante à porta e uso obrigatório de máscara para quem serve.
Na maior parte do tempo que dura a visita dos agentes, fazem-se contas ao espaço. O número de pessoas que podem acolher é cortado a metade e esse é o principal aviso para quem tem as portas abertas. Os dispensadores escondidos voltam a ser protagonistas junto à porta e as máscaras no pescoço voltam a ser postas sobre a boca e o nariz. As dúvidas são esclarecidas e, à saída das autoridades, os visitados sabem que uma segunda visita não será apenas pedagógica.
Com o passar da hora, também o apito do primeiro jogo dos velhos rivais lisboetas se aproxima. O Benfica entra em campo mais cedo e joga em casa. Depois de a maior parte dos estabelecimentos, identificados como propensos à concentração de benfiquistas, receberem visitas das autoridades no dia anterior, restava uma última ronda. A caminho do Estádio da Luz, a equipa destacada da PSP revisitava estabelecimentos no Alto dos Moinhos e em Benfica para uma última chamada de atenção.
Com o apito do árbitro arranca também a fiscalização da PSP
As operações de sensibilização terminam quando começa a ficar mais perto a hora do jogo. Aí todos os elementos são necessários para acompanhar a chegada do autocarro encarnado e controlar ajuntamentos na rotunda Cosme Damião, junto ao recinto das águias. Depois, com o soar do apito dentro de campo, fora dele é hora de os agentes da PSP passarem à segunda fase: a fiscalização.
Com o trajeto decorado, a equipa que vai fiscalizar os estabelecimentos conhecidos por pertencerem às preferências dos adeptos de futebol faz-se à estrada. A primeira paragem é um café no Bairro Dona Leonor, junto ao Estádio da Luz, considerado prioritário para os agentes da Polícia de Segurança Pública. Uma visita que não chega a fazer com que a equipa abandone o carro patrulha já que as regras estão a ser cumpridas: os adeptos encarnados estavam afastados e a afluência ficou longe dos dias pré-pandemia. “Bom sinal, esperemos que todos estejam assim”, atira um dos elementos da equipa da PSP.
A principal fonte de preocupação estava ultrapassada, o caminho é retomado. Do Bairro Dona Leonor, a equipa segue para Benfica, onde é confrontada com o mesmo cenário. Uma última paragem no Alto dos Moinhos e a confirmação de que os cafés estão longe das enchentes normais de dias de jogo. A parte do plano referente ao Benfica/Tondela estava cumprida, a equipa reagrupa e prepara o trajeto dos cafés e restaurantes mais frequentados pelos adeptos do Sporting.
Com o aproximar do final do jogo no Estádio da Luz e do início da partida no D. Afonso Henriques, em Guimarães, a equipa da PSP parte para o Estádio Alvalade XXI, mais concretamente para o cruzamento onde já havia passado no início da tarde. Aí havia um estabelecimento que não estava de portas abertas antes do jogo entre Sporting e Vitória Sport Clube e era considerado prioritário pela equipa de agentes. A visita não durou mais de 15 minutos, já que tanto o espaço como os adeptos leoninos cumpriam as normas estabelecidas pela Direção-Geral da Saúde.
O Comissário Sérgio Soares da Esquadra da PSP de Benfica tinha deixado o aviso: “Se for necessário, levantaremos autos [de infração], para que a lei em vigor seja cumprida”. Junto ao Estádio da Luz e ao Estádio Alvalade XXI não foi preciso. No regresso do futebol à porta fechada, adeptos do Benfica e do Sporting responderam aos apelos fora dos estádios: pelo menos desta vez, os cachecóis fizeram-se acompanhar de máscaras de proteção pessoal e distanciamento físico.