Discurso de Rui Rio

na abertura do 39º Congresso do PSD

Há momentos em que a social-democracia tem de ter respostas de perfil mais à direita, e outros em que o faz com uma postura mais à esquerda. E é assim que tem de ser, precisamente porque nos colocamos ao centro e, por isso mesmo, temos de estar sempre disponíveis para corrigir os excessos, sejam eles de direita ou de esquerda. Não somos ideologicamente amorfos, nem subscrevemos as teses do fim das ideologias. Uma coisa, é perceber que o pensamento clássico evoluiu e não se coaduna totalmente com a realidade que vivemos. Coisa diferente, é subordinar a governação de um país a um tecnicismo despido de ideologia e de preocupações com as pessoas e com aqueles que, em cada momento no seu percurso histórico, são os seus valores, os seus princípios éticos e as suas justas aspirações.” 

Rui Rio quis voltar a posicionar o PSD ao centro, explicando que terá de ser capaz de fazer uma interpretação mais à esquerda ou mais à direita da social-democracia conforme as necessidades do país. O presidente do PSD sabe que só pode ser primeiro-ministro se conquistar o centro, mas também não quer perder eleitorado no espaço não-socialista. É por isso que diz que o PSD não é ideologicamente amorfo, nem inorgânico, fazendo uma crítica velada ao Chega quando se mostra disponível para corrigir os excessos (estendendo o mimo ao PCP e ao BE, quando diz “sejam eles de esquerda ou de direita”). Rio está à caça ao voto à esquerda, mas não baixa a guarda contra o Chega e, acima de tudo, a Iniciativa Liberal a quem também aponta “um tecnicismo despido de ideologia e de preocupações”.

É por isso, que não somos liberais ao jeito do laissez faire, laissez passer, que minimiza ou até despreza o Estado, mas somos pela total e completa liberdade individual, quando ela não é limitadora dos direitos de todos e de cada um.”

O presidente do PSD não desarmou no ataque à Iniciativa Liberal e voltou a fugir da via mais liberal do partido, que teve mais influência no partido nos tempos de Pedro Passos Coelho. Apesar de no PSD caberem liberais, Rui Rio avisa que este não é um partido liberal que define o Estado como inimigo e que deixa o indivíduo entregue à sua sorte e sem apoios estatais. A veia liberal de Rio vai apenas até à liberdade de escolha (e à redução do peso do Estado), mas ataca o liberalismo económico inspirado no “laissez faire, laissez passer” defendido por economistas como Adam Smith ou John Stuart Mill.

Recuperamos, também, a governação da capital do País, após 14 anos de domínio socialista e reduzimos praticamente para metade a enorme diferença que nos separava do PS em termos de presidências de câmara”

Rui Rio referiu três vezes a conquista de Lisboa, mas nunca mencionou o nome de Carlos Moedas. A seguir às eleições autárquicas, o presidente do PSD falou várias vezes no presidente de câmara enquanto puxava dos louros da vitória na capital. No entanto, Moedas deu um apoio nos bastidores a Paulo Rangel nas diretas — através de um convite para almoço — e Rui Rio não perdoou.

O PS enche a boca com a descentralização, faz discursos inflamados para agradar a quem reclama um País territorialmente justo e equilibrado, mas, na hora da verdade, os socialistas são sempre iguais a eles próprios. Na hora da verdade, o PS mete o rabo e o discurso entre as pernas e não tem coragem para honrar a sua própria palavra (…). Nas palavras e na propaganda, o Partido Socialista é um encanto. Na ação, na coerência e na coragem, o PS é, quase sempre, uma desilusão.”

O presidente do PSD não tem problemas em aqui e ali utilizar uma linguagem mais coloquial. Ele que repete tantas vezes a expressão “o povo não entende”, tenta utilizar como recurso linguista expressões mais populares (como a uma adaptação da expressão “colocar rabo entre as pernas”). E se é assim na forma, o conteúdo tem outro objetivo: mostrar que o PS diz uma coisa, mas depois faz outra. A este propósito, Rio lembra que — em matéria de descentralização — o PS não tem coragem para tomar ações concretas, dando como exemplo os socialistas terem chumbado a deslocação do Tribunal Constitucional para Coimbra.

Como partido do sistema que é, o PS sempre fará tudo para que o sistema, que se tem vindo a enquistar de forma preocupante, permaneça imutável e para que, dessa forma, continue a servir com fiel eficácia um aparelho socialista, que tanto se tem esforçado pela sua sobrevivência (…) Não queremos apenas mudar o necessário para que tudo fique na mesma. Queremos mudar, a sério! “

Rio repetiu várias vezes uma expressão que marcou um período político do Estado Novo, a chamada primavera marcelista — altura em que o regime de Marcello Caetano mudava ou fingia mudar o sistema para que tudo ficasse na mesma. E aplicou a expressão ao PS, que classifica como partido do sistema, que se alimenta do Estado (a nível eleitoral e de cargos públicos para os seus militantes ou simpatizantes).

A par da descentralização, as nossas propostas de redução moderada do número de deputados; o aumento da transparênciademocrática na gestão de topo do sistema judicial; a discriminação positiva dos círculos eleitorais mais pequenos em detrimento das grandes concentrações urbanas; a determinação de um número máximo de mandatos para os deputados à semelhança do que já acontece com os autarcas e com o próprio Presidente da República; o reforço da isenção nas nomeações dos presidentes das entidades reguladoras, do Governador do Banco de Portugal e dos juízes do Tribunal Constitucional, ou o alargamento das legislaturas para cinco anos, permitindo uma governação mais estruturada e menos influenciada pela conjuntura, são algumas das medidas que propomos, no quadro da reforma do regime que queremos levar a cabo, mas que os interessados na manutenção do sistema vigente procuram eivar com críticas e obstáculos, no sentido de que apenas mude aquilo que garante que tudo fica na mesma.”

O líder social-democrata insiste em três grandes reformas: descentralização do Estado, reforma do sistema política e reforma da justiça. Nesta parte do discurso, em específico, defende medidas que são pouco consensuais no sistema partidário como a discriminação positiva dos círculos eleitorais mais pequenos ou a redução moderada do número de deputados. Para estas alterações, o PSD precisaria do PS, mesmo que Rui Rio não o refira (de forma propositada) no discurso.

É no setor da Justiça, que, em Portugal, mais se nota o imobilismo e a incapacidade para dar uma resposta satisfatória às necessidades da sociedade, seja na área cível, no crime ou, especialmente, na área administrativa e fiscal, onde um cidadão pode esperar mais de quinze anos por uma sentença (…) Do PS, pouco ou nada podemos esperar nesta área fundamental da nossa vida coletiva. Nestes seis anos, para lá de aumentar os salários dos magistrados em choque frontal e injusto com o que não  fez com os demais servidores públicos, o Governo de António Costa e Francisca Van Dunem notabilizou-se pelo imobilismo, pela propaganda — por vezes de forma demasiado ostensiva e descarada — e pelo processo indecente como foi nomeado o representante de Portugal na Procuradoria Europeia.”

Entre as várias reformas que Rui Rio quer fazer há uma área que elege como prioritária: a justiça. O presidente do PSD é crítico do sistema judicial e volta a sugerir que o Governo privilegiou injustamente os magistrados quando lhes aumentou os salários. Rui Rio tem em Van Dunem uma das ministras que habitualmente mais critica em público (ainda recentemente a acusou de “não fazer nada”) e volta a visá-la diretamente no discurso. Além de Costa, foi o único alvo individualizado a que Rui Rio atirou. Lembrou também aquilo que foi um dos casos mais lesivos da imagem externa do Governo PS: o casos da escolha do procurador europeu.

Terminei o meu discurso de abertura do nosso congresso do ano passado com estas palavras: “É este o rumo que o partido vai seguir no sentido de chegar a dezembro de 2021 com a implantação autárquica fortemente reforçada, com a sua penetração na sociedade plenamente conseguida e com a sua credibilidade junto do eleitorado definitivamente conquistada.” Estamos, pois, chegados a dezembro de 2021. Apesar de termos tido um mandato integralmente marcado pela pandemia e por todas as suas pesadas condicionantes, a verdade é que os objetivos estão cumpridos para lá do prometido.”

O discurso de Rui Rio também foi de prestação de contas. O líder do PSD não resistiu a um: “Eu tinha razão”. Lembrou que, logo no último Congresso, tinha prometido que chegava a dezembro de 2021 reforçado, com mais peso autárquico e em condições de disputar eleições com o PS de António Costa. As sondagens — que Rio tanto critica — têm demonstrado que se está a aproximar do PS, tal como o presidente do PSD previa há dois anos. Rio não resiste, porém, a um auto-elogio, quando diz que os objetivos foram “para lá do prometido”. Tirando o objetivo de vencer as legislativas (que já era anterior ao atual mandato e ao atual ciclo político), Rio cumpriu os objetivos definidos para o combate autárquico.

Conseguimos ainda a recuperação do Governo dos Açores e da Câmara Municipal de Lisboa, êxitos nos quais muito poucos acreditavam.”

Rui Rio puxa a si os louros da recuperação do Governo dos Açores liderado por José Manuel Bolieiro. Se durante a campanha regional, alguma estrutura social-democrata açoriana se sentiu desacompanhada, desde que Bolieiro é Governo, o PSD/Açores têm estado ao lado de Rui Rio (prova disso é o resultado expressivo nas diretas). Este governo tem outra particularidade: pode ser um balão de ensaio para o continente e inclui um acordo com o Chega. Ao elogiar a recuperação do Executivo, Rio está indiretamente a validar uma solução que inclui o partido de André Ventura. Mais uma vez volta a referir a “recuperação da Câmara Municipal de Lisboa” sem dizer o nome de Carlos Moedas.