Com Catarina Germano Marques, Catarina Peixoto, Diogo Teixeira Pereira, Gonçalo Correia, João Pedro Morais, Maria Martinho, Miguel Videira e Tomásia Sousa
63 dias. O sócio-gerente do café restaurante Califa, em Benfica (Lisboa), tem na ponta da língua o número de dias em que o espaço com mais de 50 anos esteve fechado por causa da pandemia. As portas encerraram ainda antes de ser decretado o estado de emergência, porque os funcionários não se sentiam seguros. Esta segunda-feira há um novo Califa, numa nova normalidade: há divisórias em acrílico no balcão e nas mesas, entradas controladas, uso obrigatório de máscara e funcionários protegidos da cabeça aos pés. O regresso à normalidade faz-se com calma, mas contou já com um cliente habitual a dar o exemplo nesta segunda fase de desconfinamento: o primeiro-ministro, António Costa.
“Já tinha saudades de tomar um cafezinho”, disse António Costa aos jornalistas, sentado na esplanada em dia de sol. O primeiro-ministro lembrou que nada será como antes: “não podemos voltar à vida como ela estava, sabendo que há um vírus”, disse. No entanto, lembrou: “há pessoas no desemprego e se ficarmos todos parados não sobrevivemos à doença e podemos não sobreviver à cura”, lembrou. Reforçando que, com todas as “cautelas”, como o uso de máscaras, a desinfeção das mãos e o distanciamento social, poderá retomar-se a normalidade gradualmente.
No Califa, o espaço foi completamente adaptado à nova realidade. No balcão há um acrílico que separa os clientes dos funcionários — que estão de viseira e de máscara. Também nas mesas há esta separação. “Não faz diferença, muitas vezes as pessoas estão a falar ao telemóvel e nem olham para as outras”, disse uma cliente ao Observador, das primeiras a retomar o hábito do pequeno-almoço no café logo às 8h00.
Para este regresso, diz Luís Sousa, foi preciso um investimento à volta de 7 mil euros em material de proteção, não só no café como para os funcionários.
Noutro bairro lisboeta, em Alvalade, Tiago Costa também fez um investimento no novo equipamento obrigatório na Nova Bagdad. “Houve já um investimento considerável, outro que ainda acontecerá — será preciso comprar mais máscaras, dado que são precisas pelo menos duas por dia; também não pode ser só um par de luvas por dia… é mais um prejuízo que vamos ter para além do que se passou, mas temos de cumprir as obrigações”.
A Nova Bagdad tem uma vantagem, diz Tiago Costa ao Observador: “Felizmente temos a possibilidade de abrir mais o espaço, de arejar mais a sala. Agora esperamos que clientes ganhem confiança e voltem a vir ter connosco”.
Mas se em Benfica ou mesmo em Alvalade, os clientes parecem voltar a aparecer aos poucos, muitos aos poucos, noutros cafés que habitualmente estavam cheios logo às 7h00, por estarem próximos de estações de transportes públicos, o cenário está longe do habitual.
Já na Avenida Guerra Junqueiro, na Mexicana, Joel Ferreira foi um dos clientes. “É uma experiência um bocado mais impessoal, não há muito contacto mas atendendo ao que estamos a viver é o que podemos ter”, explicou ao Observador, lembrando também que a segurança não depende só dos estabelecimentos mas também dos clientes: “Temos de ter cuidados por nós e pela nossa família. Acredito que todos os estabelecimentos têm os cuidados mínimos”.
A máscara é agora “essencial”, diz ao Observador este cliente, acrescentando que não vai almoçar ao restaurante neste primeiro dia reabertura mas que o fará em breve: “Acho que é uma questão de começarmos a normalizar até para o bem estar da economia. Isso é essencial para todos nós. Trabalho numa entidade bancária, conheço bem a realidade de muitas pessoas e sei que isso é essencial para o bem-estar das pessoas”.
No Cais do Sodré, ainda em Lisboa, já se nota a diferença no número de passageiros de metro, comboio e barco que ali confluem, até porque esta segunda-feira também reabriram escolas para alunos de 10.º e 11.º anos e creches. Uma diferença e relação ao que ali o Observador presenciou há duas semanas — no raiar da manhã de 4 de maio — mas longe de um habitual dia naquela que é umas das principais estações no centro da cidade. Agora todos usam máscaras, mas poucos param para tomar um café nos estabelecimentos que reabriram portas esta segunda-feira. O transporte fluvial continua pouco concorrido, mas o metropolitano e o comboio transportam agora mais pessoas e há alguns polícias a controlar a utilização de máscaras, que é obrigatória. Menos sorte estão a ter os taxistas, que neste início da manhã fazem uma longa fila junto à estação, em longa espera por trabalho.
Luciano Lopes, responsável pela exploração de um café mesmo em frente à estação, diz que os cuidados exigidos foram todos adotados Mas “clientes não há”. Entre as 7h e as 9h: “Vendi dois cafés”. Ainda há trabalhadores em lay-off — “e vão continuar”, explica, conformado com esta nova realidade.
Também faltam os habituais turistas que ali se concentram para visitar a baixa lisboeta ou para apanharem os transportes rumo a Belém, a cerca de 5 quilómetros. Mas, em Belém, também as ruas estão vazias. No dia em que também os museus reabrem e onde o Mosteiros dos Jerónimos e a Torre de Belém atraem turistas, estes dias de maio estão irreconhecíveis.
Na Rua Vieira Portuense estão a ser instaladas as esplanadas que outrora estavam cheias. João Manuel, que trabalha no bistrôt Comptoir Parisien também sente receio. Na esplanada onde antes se sentavam 80 pessoas vão passar a estar 40, com as mesas separadas por dois metros e com a desinfeção obrigatória a cada mudança de cliente. Já no interior do restaurante, se antes a lotação era de 32, agora passa a ser possível sentar 15 clientes.
Em Belém, Lisboa, já se instalam as esplanadas. pic.twitter.com/iMXTjATxOO
— Tomásia Sousa (@tomasiasousa) May 18, 2020
Pelas 10h30, no entanto, nem um cliente. “O nosso restaurante tem gerência francesa e trabalhamos muito à base de clientes franceses e de turistas que vão aos museus. Também os clientes dos Pastéis de Belém”, diz. No entanto, com fronteiras encerradas, o regresso à normalidade de antes ainda parece estar longe. Também este funcionário sente medo de levar “alguma coisa para casa” e tem algumas dúvidas em relação às novas regras. “Não se se hei-de usar luvas”, disse.
Na pastelaria Pastéis de Belém, que só abriu portas às 11h00, esta manhã ainda estavam a ser colados no chão autocolantes com a indicação da distância na fila, uma característica que antes da pandemia era muito comum naquele espaço. Não que houvesse clientes ansiosos à espera da reabertura. Nas ruas de Belém onde normalmente é difícil não esbarrar num turista, apenas se ouve falar português.
No balcão onde normalmente se amontoam clientes foi posta uma barreira em acrílico e há um funcionários à porta a distribuir desinfetante por quem entra. O primeiro-ministro, António Costa, apelou a que a economia retome e considerou ser esta uma das formas de o fazer. Mas ainda há muito receio.
Nas Avenidas Novas, na zona do Saldanha, outro espaço lisboeta icónico abriu portas. Perante a permissão de reabertura para prestação de serviço no interior e nas esplanadas de cafés, pastelarias e restaurantes, a pastelaria Versailles decidiu voltar a funcionar com alguma “normalidade” — isto porque desde março estava em regime de take-away. Localizada na Avenida da República, eixo da capital onde a manhã de segunda-feira começou lentamente, com a maior parte dos cafés e pastelarias ainda por abrir.
Na Versailles, Av. República, a esplanada já está montada, mas a maioria das cadeiras ficaram de parte. pic.twitter.com/YuVneqIWgy
— Diogo Teixeira Pereira (@dteixeirap) May 18, 2020
Ao Observador, Paulo Gonçalves deu conta das mudanças no espaço: “Tivemos de reduzir o espaço da esplanada e o espaço interior a 50%”, apontou, dando conta que no interior o número de mesas desceu de 98 para 45. Ao balcão era possível estarem 30 pessoas, agora só é possível estarem sete “para poder haver espaço suficiente” entre clientes. E na esplanada, só existem agora 30 lugares.
A grande dúvida é se os clientes voltam a tomar o café e as refeições no interior. “Vamos ver o que vai acontecer, se os clientes vão ter receio de entrar nas nossas instalações… porque estivemos em take-away mas sempre com a porta fechada. Temos tudo organizado de acordo com as regras que nos foram impostas”, garante o responsável, que diz ter ainda “praticamente metade do pessoal” em lay-off. “Vamos chamando as pessoas de acordo com o negócio que se for fazendo”.
Às portas de Lisboa também não foi diferente. No café em frente à estação de comboios de Carcavelos, Fernanda Ferreira, a dona, tem tudo pronto. Mas às 7h00, que num dia normal já seria de grande afluência, falta-lhe o essencial: os clientes. “Estamos à espera dos clientes que regressem”. Mas parece difícil, diz.
O mesmo sentimento é partilhado a cerca de 350 quilómetros por Arménio Moreia, responsável pelo café “Peninsular”, junto à estação de metro Casa da Música, no Porto. “Tivemos que mudar a higiene, a etiqueta respiratória, tudo o que a DGS [Direção Geral da Saúde] propõe fazer. Reduzimos a lotação em 55%. Temos uma expectativa muito grande”, disse.
Dois meses com a casa fechada e sem dinheiro a entrar, o futuro é agora uma grande incerteza, nas suas palavras. E não é o único. À Rádio Observador Lurdes Fonseca, da União das Associações de Comércio de Lisboa e Vale do Tejo apela mesmo a que os consumidores procurem estes serviços, garantindo que são locais seguros.
A responsável lembra que muitos destes estabelecimentos tiveram quebras de 100% nos últimos dois meses. Uns não vão mais abrir as portas, porque não conseguem, enquanto outros conseguiram fazê-lo com grande esforço. “Tentam equilibrar-se com ajudas e com a prorrogação de prazos de pagamento”, disse. Ainda assim, este mês de maio, esperam-se quebras de mais de 80% nos rendimentos.