A questão é a primeira que salta, tendo em conta que o processo de legalização da eutanásia já tem alguns anos de debates e votações parlamentares e também de pronúncias presidenciais: será desta que a despenalização avança? Esta será a terceira votação final global de um texto sobre a eutanásia e a terceira em que será aprovada, mas as duas últimas bateram na trave em Belém.

Neste artigo o Observador procura responder às questões que mais se colocam neste momento sobre um tema de alta sensibilidade que volta a estar à beira de se tornar realidade em Portugal.

É mesmo esta sexta-feira que a legalização da eutanásia avança?

É arriscado garantir que será depois da aprovação desta sexta-feira que a legalização da eutanásia acontece em Portugal. E isto porque o que vai acontecer daqui a dois dias já aconteceu por duas vezes no passado recente e o diploma nunca chegou a entrar em vigor.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em 2020, perante uma composição parlamentar mais favorável do que em 2016 (quando o tema foi a votos tendo chumbado), surgiram iniciativas de PS, BE, PEV, IL e PAN. Na especialidade, estes partidos alinhavaram um texto comum e no final de 2021 esse projeto foi aprovado pela primeira vez. O Presidente da República pediu a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional que declarou algumas normas inconstitucionais. O Parlamento voltou à carga na sessão legislativa seguinte, corrigiu os problemas apontados e voltou a aprovar um texto comum em votação final global (a que encerra o processo legislativo no Parlamento), mas quando chegou a Belém, apareceu um veto político. Agora é tudo passado a papel químico, resta saber se o capítulo da promulgação também.

Até aqui, Marcelo Rebelo de Sousa disse apenas que conta receber o diploma em Belém ainda antes do Natal e que, “quando vir a lei”, saberá “rapidamente o que decidir”.

Mas quem ainda pode travar o processo?

Há duas entidades que, a partir desta aprovação, têm poder efetivo para bloquear o processo: o Presidente da República e o Tribunal Constitucional (se for chamado a pronunciar-se). Ainda esta quarta-feira, o Chega prometeu lutar até ao fim para travar a eutanásia e estudou a possibilidade de pedir mais um adiamento, justificado com “audições em falta”, mas a maioria socialista é suficiente para bloquear qualquer tentativa para adiar o tema — e está apostada nisso, como se viu esta manhã na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais quando impediu um pedido de adiamento do PSD .

Depois de voltar a ser aprovada em votação final, a legalização da morte medicamente assistida seguirá para promulgação do Presidente da República e Marcelo Rebelo de Sousa tem sido exigente, levantando sempre dúvidas nas duas vezes que o processo chegou a Belém. A questão é se voltará a fazê-lo mais uma vez. Não há nada que o impeça de voltar a usar estes mesmos poderes, já que o diploma teve alterações desde a última vez. Se voltar a vetar, existe sempre a possibilidade de o Parlamento voltar a aprovar o texto tal como está e se nada for alterado, força o Presidente a promulgá-lo. Com uma confirmação, Marcelo seria obrigado a promulgar.

O PSD ainda pode avançar com um referendo?

A proposta de referendo à eutanásia foi colocada esta segunda-feira pelo PSD, mas nesta sessão legislativa o Chega já o tinha feito (e viu o projeto chumbado) por isso a iniciativa foi travada pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. Mesmo que a eutanásia saia legalizada desta vez, nada impede os sociais-democratas (ou outro partido) de, numa nova sessão legislativa, voltarem ao tema por esta via — um futuro referendo podia servir para reverter a decisão que venha a ser tomada agora, por exemplo. Nesta legislatura, contudo, uma iniciativa desta natureza seria sempre rejeitada na Assembleia da República pelo PS. O próprio líder parlamentar socialista assumiu isso esta quarta-feira quando afirmou que “o PS já votou uma vez um projeto de resolução para um referendo votando contra e seria assim novamente. Ou será se a circunstancia se voltar a colocar”.

A lei que for aprovada é irreversível?

Não. Qualquer partido, em qualquer momento, pode voltar ao tema, no caso de considerar que tem uma maioria parlamentar favorável às suas pretensões. Seja por via de uma alteração legislativa direta à lei em vigor, seja por via de um referendo que dite uma alteração legislativa posterior. No entanto, se se olhar para outra questão sensível que foi resolvida, via referendo, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em 2007, verifica-se que nenhum partido tentou voltar a ela. Nem mesmo o Chega, que é contra esta legalização.

E o que vai dizer o diploma agora aprovado, depois das últimas alterações?

O último processo de especialidade — que acabou esta quarta-feira com a aprovação do texto comum (que juntou PS, IL, BE e PAN) — fez algumas alterações ao último diploma devolvido por Marcelo. O texto comum passou a estabelecer vários novos prazos para o processo, incluindo um mínimo de dois meses entre o pedido e a concretização da morte medicamente assistida ou prazos de 20 e 15 dias para os pareceres médicos. Passou também a ser obrigatório o acompanhamento por um psicólogo durante o processo (a não ser que o paciente o recuse expressamente) e um parecer psiquiátrico caso haja “dúvidas” por parte do médico orientador ou do médico especialista sobre a capacidade de decisão do doente, ou caso este seja portador de alguma “perturbação psíquica” ou de alguma condição que afete essa mesma capacidade. Além disso, em vez de fazer depender a prática de uma “doença fatal”, como estava na primeira versão, fala agora em doença grave e incurável e numa lesão grave e definitiva.

Porque é que estamos a falar de eutanásia outra vez? O que significa mais um adiamento? Dez respostas sobre a nova votação