Se uma árvore cair na floresta e ninguém estiver lá para ouvir, será que faz algum som? E se algumas das melhores séries dos últimos anos estiverem à sua disposição, mas não souber da sua existência, contarão alguma história, exercerão algum poder? Muita comédia, algum drama e uns pozinhos de crime e terror resgatados das profundezas do streaming, para o acompanhar nestes fins-de-semana prolongados, de dias cada vez mais curtos, mas muito mais tempo para ocupar.

“Baskets”

Género: Dramedy
Onde: Fox +

O humorista Zack Galifianakis é o palhaço falhado que depois de desistir da escola de palhaços em Paris se torna palhaço de rodeos no interior da Califórnia, e também, ao mesmo tempo, o seu gémeo idêntico. É ainda o autor desta premissa, em conjunto com outro humorista, Louis C.K. (sim, esse mesmo), que depois do escândalo sexual se afastou da série. Entre o humor negro e a melancolia, elogiado pelas extraordinárias interpretações (incluindo os gémeos Galifianakis), “Baskets” é um gosto adquirido, mais para os admiradores da anedota sobre o grande Pagliacci do que para os fãs de “A Ressaca”.

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“Better Things”

Género: Dramedy
Onde: Fox +

Pamela Adlon (que terá visto em “Californication” e “Louie”) juntou-se a Louis C.K. (sim, esse mesmo) para escrever a história semi-autobiográfica de uma atriz divorciada que tem de criar as três filhas sozinha. Superlativa no humor cáustico e sem-vergonha, nos momentos de inesperada beleza, e no feminismo tão quotidiano como realista. Uma das melhores surpresas para o espectador explorador. Acaba de ser renovada para uma quinta temporada. Na Fox + só estão disponíveis as duas primeiras.

“Black Earth Rising”

Género: Drama
Onde: Netflix

Uma das perguntas mais feitas quando este verão se estreou na HBO “I May Destroy You” (e se ainda não viu, corra) foi “quem é esta Michaela Coel?”, em referência à protagonista, argumentista e realizadora da série. Outra foi: “E por que razão nunca tinha ouvido falar dela?” “Black Earth Rising” não responde a nenhuma destas questões, mas mostra mais um pouco de Coel, aqui numa dramática co-produção da BBC Two e da Netflix em torno da condenação de criminosos de guerra africanos no Tribunal Penal Internacional.

“Bored to Death”

Género: Comédia
Onde: HBO

Num bairro imaginário de Nova Iorque (e muito parecido com Brooklyn), um romancista desinspirado chamado Jonathan Ames (e criado por Jonathan Ames) resolve tornar-se detetive nas horas vagas. Partilha as suas aventuras com o melhor amigo, um autor de BD, e o seu editor libertino. Compõem o trio Jason Schwartzmann, Zack Galifianakis e Ted Danson. Nonsense, excentricidades e uma estética entre o hipster e o film noir, num fenómeno que nunca deixou de ser de culto, mas merecia mais do que isso.

“Broadchurch”

Género: Crime
Onde: Netflix

Se sentir que conhece a protagonista de algum lado, talvez ajude tentar imaginá-la de coroa. Antes do Óscar para melhor atriz pelo papel de Rainha Ana em “A Favorita” e muito antes de encarnar a Rainha Isabel II na série da Netflix “The Crown”, Olivia Colman ganhou notoriedade ao lado do também britânico David Tennant nas três aclamadas temporadas de “Broadchurch”. A trama desenvolve-se a partir do assassinato de uma criança de 11 anos e dos efeitos que vai ter nesta pequena comunidade costeira.

“Crashing”

Género: Comédia
Onde: HBO

Sabe aqueles conselhos que vai pedir “para um amigo”? Esta série também é sobre “um amigo” do autor, mais precisamente sobre os primeiros tempos desse “amigo” na cena do stand-up, vindo de um meio de religioso para cima e depois de descobrir que foi traído pela mulher. Esse amigo, perdão, o autor é o humorista norte-americano Pete Holmes, quase dois metros de altura, falta de jeito e boas intenções. Ele assume a parte autobiográfica, só não diz até que ponto. Ainda protagoniza e produz, com uma ajuda de, entre outros, Judd Apatow. Uma série que é uma declaração de amor ao stand-up e aos seus bastidores, com participações de várias lendas do meio incluindo Artie Lange e TJ Miller.

“Crashing”

Género: Comédia
Onde: Netflix

Não é gralha. É mesmo outra série, cómica, em streaming, com o nome da anterior e um – ou uma, no caso – protagonista que também não tem onde dormir. As semelhanças ficam por aqui. E este “Crashing” é ideal para quem já está cansado de rever “Fleabag” e “Killing Eve” mas precisa de mais Phoebe Waller-Bridge na sua vida – mesmo que venha a tocar ukulele, e mal. Inteligência, tensão sexual e uns episódios melhores que outros, na primeira série escrita, produzida e protagonizada pela mais entusiasmante humorista do momento.

“Enlightened”

Género: Drama
Onde: HBO

A frase promocional não diz tudo, mas diz muito: “sobre uma mulher à beira de um esgotamento nervoso”. Magnífica, Laura Dern, que este ano ganhou o Óscar de melhor atriz secundária por “Marriage Story”, é essa mulher. Ao longo de duas temporadas e 18 episódios, vemo-la tentar reencontrar um rumo para a sua vida depois da implosão da sua vida sentimental e profissional. Uma viagem comovente e agridoce pelos caminhos complexos das nossas relações com os outros e connosco próprios.

“Feud: Bette and Joan”

Género: Drama histórico
Onde: HBO

Bette Davis e Joan Crawford, duas das maiores divas do seu tempo, odiavam-se. E um dia contracenaram num filme. “Feud” explora a evolução dessa rivalidade durante a rodagem do clássico do terror psicológico “What Ever Happened to Baby Jane?”, que se estreou em 1962 e acabou por relançar as carreiras das duas. Numa série cheia de estrelas, Susan Sarandon (Davis) e Jessica Lange (Crawford) ofuscam. Da teia de relações de poder em Hollywood aos cenários e guarda-roupa, a recriação histórica é de chorar por mais.

“Ghoul”

Género: Terror
Onde: Netflix

E porque nem só de produções inglesas e americanas vive o bom streaming: uma minisérie de terror indiana – dois conceitos que não costumamos ver juntos. Tudo começa num campo de tortura secreto, onde as forças de segurança de um governo totalitário interrogam um terrorista acabado de chegar. Sem o saber estão a provocar uma série de terríveis fenómenos sobrenaturais, num futuro já de si distópico. A ideia de um prisioneiro capaz de aterrorizar os guardas e outros presos surgiu ao autor e realizador Patrick Graham num sonho. O mundo já está cheio de zombies e vampiros, pelo que o ghoul da mitologia árabe se revelou o tipo de criatura adequado.

“Giri/Haji”

Género: Thriller
Onde: Netflix

Louvado pela ousadia, inteligência, fotografia e ainda humor, foi um arraso junto da crítica depois da estreia no Reino Unido há um ano e na Netflix no início de 2020. Numa tradução aproximada, “giri/haji” significa qualquer coisa como “dever/vergonha”. Um detetive japonês viaja de Tóquio para Londres em busca do irmão, que até essa altura julgava estar morto, mas que agora é suspeito de ter matado um sobrinho de um membro da yakuza, a máfia japonesa. Uma viagem pelos submundos britânico e japonês, falada nas duas línguas e que, apesar da qualidade, não deverá ter nova temporada. É aproveitar.

“High Maintenance”

Género: Dramedy
Onde: HBO

Nada aqui segue qualquer tipo de regra, exceto, talvez, infringir todas as regras. A começar pelo mote, que é a venda de erva ao domicílio. Não existe uma trama, apenas um protagonista. Mas nem aí nos safamos: não sabemos nada sobre ele, nem sequer o nome. Quer dizer, conhecemos-lhe a profissão: é dealer de erva. Cada episódio, um cliente. Cada cliente, um retrato. E assim vamos de casa em casa, de história em história, de surpresa em surpresa, num caleidoscópio raro de personagens e universos. Um hino a Brooklyn, à diferença e à empatia. Uma arca de pedras preciosas escondida por baixo do play do comando – a começar pelos primeiros episódios, produzidos entre amigos, com orçamentos abaixo dos mil dólares, muito antes do contrato com a HBO.

“I Love Dick”

Género: Drama
Onde: Amazon Prime Video

Sim, é um jogo de palavras. Tão óbvio como provocador. Tanto mais descarado quanto o meio em que se desenrola é o das artes e do intelecto. Talvez o falso prefixo “pseudo” viesse aqui a calhar. Baseado no romance de culto com o mesmo nome (e que nos anos 90 penetrou pelo tema da auto-ficção), fala da paixão de uma mulher casada por um colega do marido chamado Dick. Um sentimento que se vai transformando numa obsessão transposta para cartas nunca remetidas, mas cada vez mais explícitas e ousadas. Uma reflexão sobre o casamento e as relações amorosas, protagonizada por Kathryn Hahn, Kevin Bacon e Griffin Dunne. A realização cabe a Joey Solloway (antes Jill Solloway), mais conhecida pela série “Transparent”.

“I’m Not OK With This”

Género: Dramedy
Onde: Netflix

Um cocktail de dores de crescimento, luto familiar e telecinesia, que é como quem diz, a capacidade de fazer mexer objetos sem lhes tocar (não funciona para arrumar a casa). A protagonista é uma rapariga de 17 anos chamada Sydney Novak, interpretada pela Sophia Lillis de “Sharp Objects” (HBO). A série baseia-se numa novela gráfica de Charles Forsman, o autor de “The End of the F***ing World”, também adaptada pela Netflix. Apesar da luz verde para uma segunda temporada, acabou por ser cancelada, vítima da pandemia.

“It’s Bruno!”

Género: Comédia
Onde: Netflix

Difícil de pôr em palavras. É comédia. É Brooklyn. É sobre um cão. O cão chama-se Bruno. Na verdade, como quase tudo sobre os animais de companhia, mais em Brooklyn, mais ainda em comédia, é sobre o dono do cão, interpretado pelo rapper e argumentista de origem argelina Solvam Naim, que é também o autor da série. Pescadinha de rabo na boca? Comecemos pelo cão: chama-se Bruno. É um puggle. Imagine um cruzamento intencional entre um pugg e um beagle. Agora chame-lhe “puggle”. Voilá. Não estamos a chegar a nenhum lado, pois não? É ver a série. Já agora, chama-se “prognatismo” à proeminência dos dentes inferiores em relação ao plano da face. Fica a dica.

“Little Britain USA”

Género: Comédia
Onde: HBO

“Computer says no.” Lembra-se? Durante anos esta série de sketches cruéis e hilariantes assinados por David Walliams e Matt Lucas passou na RTP2 no espaço dedicado à comédia britânica “Britcom”. Este verão, no Reino Unido, a série foi retirada de plataformas como a Netflix. As razões não foram explicadas de forma oficial, mas pensa-se que terá a ver com o uso de “blackface”. Lucas pediu desculpa por algumas das situações e disse que hoje talvez não voltasse a criá-las. Walliams é hoje um dos mais bem-sucedidos autores de literatura infanto-juvenil, com referências incontornáveis como Avozinha Gangster, Doutora Tiradentes e a trilogia As Piores Crianças do Mundo. Na HBO pode ver um spin off feito a pensar no mercado americano com os mesmos atores, as mesmas personagens e outras novas. Uma amostra para quem não apanhou o original.

“Olive Kitteridge”

Género: Drama
Onde: HBO

Duas palavras ou 16 caracteres com um espaço serão argumento suficiente: “Frances McDormand”. Vai daí, talvez não. Juntemos-lhe mais duas palavras ou dez caracteres mais um espaço: “Bill Murray”. O género da criatividade preguiçosa não faz nada por si? Tentemos a descrição: mini-série norte-americana baseada no livro com o mesmo nome. Quatro episódios, quatro fases da vida, uma mulher. Um pouco seco, não? E se formos pelas conquistas? Oito prémios Emmy, incluindo três para as representações, a que aos nomes referidos acima de junta o de Richard Jenkins (duas palavras, 14 caracteres e um espaço). Hmmm… Talvez assim cheguemos lá: é mesmo bom, veja, são quatro episódios, um por cada dia de fim-de-semana prolongado ou quatro para ver num dia fechado em casa. Pode ser que no final sinta que nestes dias aconteceu alguma coisa.

“Togetherness”

Género: Dramedy
Onde: HBO

Estar casado é difícil. Estar solteiro é difícil. E nesta coisa das relações e da língua portuguesa ainda temos de nos debater entre o “ser” e o “estar”. Criada, escrita e realizada pelos irmãos Duplass, “Togetherness” gira em torno de quatro personagens, dois casados (um com o outro), dois solteiros (individualmente), e os temas do amor e da amizade. Um espelho côncavo às vezes demasiado perfeito da realidade. Com Mark Duplass, Amanda Peet, Melanie Lynskey e Steve Zissis nos papéis daquelas pessoas com quem temos a certeza de já ter jantado e/ou vivido um dia.

“The Letdown”

Género: Comédia
Onde: Netflix

Os primeiros tempos de maternidade quando a maternidade não é bem o que idealizámos. Das noites sem dormir ao confronto com os demónios que guardamos dentro de nós. Das mudanças no casal, às relações com os amigos sem filhos e as ambições profissionais. Num tom franco e bem-humorado, “The Letdown” acelera pelas curvas e contra-curvas da parentalidade, sem condescendência nem fundamentalismo. Um bálsamo para os recém-pais – e para os outros, que já se esqueceram como tudo era tão mais difícil no início.

“Transparent”

Género: Drama
Onde: Amazon Prime Video

Notável drama familiar sobre o que acontece quando um pai de meia idade anuncia que é uma mulher trans. A série baseia-se na história da criadora e realizadora Jill Soloway, que hoje responde pelo nome Joey Soloway, cujo pai, psiquiatra, se assumiu como transgénero já depois dos 60 anos. A primeira temporada chegou a ganhar o Globo de Ouro para melhor série. Jeffrey Tambor, que dá corpo, alma e 1,85m de altura a Moira, a protagonista, levou o globo para melhor ator. Faltou a petição on-line para um prémio para melhor banda-sonora.