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Ben Johnson
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Seul, 1988. A corrida olímpica "mais suja" de sempre

Ben Johnson correu os 100 metros em apenas 9,79 segundos, mas acabaria por perder a medalha por doping. O problema? Não era o único. Em vésperas dos 100 metros masculinos, recordamos esta história

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Recuemos quase 33 anos, precisamente a 24 de setembro de 1988. Vai correr-se a final da prova masculina dos 100 metros de atletismo e a zona de partida está recheada de estrelas. Está ali o ex-recordista mundial Calvin Smith (EUA), o britânico Linford Christie (que viria a obter uma medalha de ouro olímpica nos Olímpicos seguintes, em Barcelona) e, é claro, os grandes rivais e favoritos: o campeão olímpico dos 100 metros Carl Lewis e o challenger, o canadiano Ben Johnson, que chegou ao bronze em Los Angeles (1984) e tem obtido tempos cada vez melhores desde então.

1988 Olympics - Men's 100 Meter

Cinco dos oito finalistas na corrida de Seul, da esquerda para a direita: Desai Williams, Ben Johnson, Calvin Smith, Linford Christie, Carl Lewis

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Nas bancadas do Estádio Olímpico de Seul, 70 mil pessoas aplaudem e aguardam com expectativa a prova que vai determinar quem é o homem mais rápido do mundo naquele momento. Os olhos estão todos em Lewis e Johnson, que têm protagonizado uma rivalidade feroz nos últimos anos. Nos últimos mundiais, em Roma (1987), ambos festejaram o resultado, achando que tinham vencido: “Lewis levantou o braço, num gesto a fazer lembrar o de um pugilista que suspeita ter sido derrotado, mas que celebra, numa tentativa desesperada de influenciar os juízes”, resume Richard Moore na sua obra The Dirtiest Race in History (A Corrida Mais Suja da História), que reconta tudo o que antecipou e se sucedeu a Seul 1988 em pormenor. Mas o veredito chegou: Johnson tinha batido Lewis por apenas uma centésima de segundo de diferença.

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Da celebração pura ao “velório” foram 24 horas

Regressamos então a Seul e aos momentos que antecedem o disparo de partida para estes 100 metros. Todos os oito atletas se preparam, nas suas posições. É dado o tiro da largada e Ben Johnson salta de imediato para a frente da matilha, ganhando um avanço que não perderá até ao fim da prova. 9,79 segundos depois — um recorde do mundo —, cruza a meta, destacado, e levanta o braço para celebrar.

"Foi tão, tão bom. O Johnson fez acontecer uma coisa que só vi uma vez na vida. Quando ele ganhou, a minha mãe saltou do sofá. Gritou e saltou como um grilo e começou a fazer uma dança no tapete"
David Giddens, jornalista de desporto canadiano, sobre a vitória de Ben Johnson

No Canadá, celebra-se em loucura a vitória do imigrante da Jamaica naturalizado canadiano. “Foi tão, tão bom. O Johnson fez acontecer uma coisa que só vi uma vez na vida. Quando ele ganhou, a minha mãe saltou do sofá. Gritou e saltou como um grilo e começou a fazer uma dança no tapete”, recordou o jornalista canadiano David Giddens, num grande trabalho da CBC sobre o caso.

Na conferência de imprensa após a corrida, Johnson entrou confiante: “Gostaria de dizer que o meu nome é Benjamin Sinclair Johnson Jr. e este recorde mundial irá durar 50 anos, talvez até 100”. A euforia, contudo, não duraria muito. Apenas 24 horas depois, Johnson foi informado de que a sua medalha de ouro lhe iria ser retirada. Em causa estava o facto de ter testado positivo para stanozolol, um esteróide proibido e encarado como doping pelo Comité Olímpico. O Canadá estava incrédulo — e o resto do mundo também.

A CNN recorda o momento em que uma delegação da organização foi até ao seu quarto na Aldeia Olímpica para lhe dar a notícia, num ambiente que um dos membros do Comité presentes descreveu como parecendo um “velório”. Johnson devolveu-lhes a medalha de ouro. O recorde do mundo de 9,79 foi retirado. Carl Lewis — que já há algum tempo fazia insinuações sobre a possibilidade de haver doping a ser utilizado por alguns colegas — recebeu a respetiva medalha.

Os mal-amados Lewis e Johnson

Ben Johnson não teve uma vida fácil — mas aquilo que se descobriu em Seul mancharia para sempre a sua imagem. Na comissão de inquérito criada posteriormente no Canadá para investigar o caso, o seu treinador Charlie Francis acabou por confessar que Johnson usava substâncias ilegais desde 1981, o que significa que provavelmente também correu dopado quando conquistou o bronze olímpico em Los Angeles ou o mundial contra Lewis por 0,01 segundos. Esta última medalha, a de Roma, acabaria também por ser-lhe retirada mais tarde.

Johnson emigrou da Jamaica para Ontario quando tinha 15 anos — a mãe já lá estava, tendo emigrado quatro anos antes. Como Moore revela no seu livro, a partida da mãe teve um impacto profundo sobre o pequeno Johnson, que desenvolveu uma gaguez na sequência dessa partida. Já como adolescente, no Canadá, foi alvo de bullying na escola.

1988 Summer Olympics - Games of the XXIV Olympiad

O canadiano nascido na Jamaica, Ben Johnson, lidou com a gaguez e o bullying na infância e adolescência

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O atletismo tornou-se um escape. E, ao conhecer o treinador Charlie Francis, a sua vida mudaria para sempre. Com ele, deixou de ser um miúdo franzino e tornou-se um velocista musculado. Aquilo que a maioria não sabia é que desde 1981 que Francis já lhe sugeria que tomasse substâncias ilegais. Inicialmente resistiu, mas, com o seu treinador a garantir-lhe que era a única forma de melhorar, acabou por aceder.

Ao mesmo tempo, o norte-americano Carl Lewis também traçava o seu caminho no atletismo. A jogar em casa nos Olímpicos de Los Angeles, alcançando o ouro nos 100 metros, na estafeta na mesma distância e no salto em comprimento, tinha tudo para ser uma estrela. Mas, como relembra o livro de Robert Moore, Lewis estava longe de ser um atleta muito acarinhado pelos norte-americanos. O facto de recusar alojar-se na Aldeia Olímpica com os restantes atletas não caiu bem. Era visto como vaidoso, foi vaiado pelos próprios norte-americanos na final do salto em comprimento e até havia jornais que lhe chamavam impunemente “O Maricas Voador”, devido a rumores sobre a sua sexualidade. O facto de ter recebido o ouro de Seul posteriormente e não na pista, como desejava, seria sempre uma espinha encravada na garganta.

1984 Olympics - Men's 100m

Carl Lewis deu três ouros aos EUA nos Jogos de Los Angeles (1984), mas nem por isso se tornou uma figura popular entre os norte-americanos

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Johnson mantém ainda hoje uma atitude ambivalente em relação ao que aconteceu. A David Giddens, Johnson sublinhou que “avançou” e que não quer ser definido por aquele momento em 1988: “A vida é demasiado curta.” Mas, aquando dos Jogos de Londres em 2012, aproveitou a entrevista com a CNN para se gabar. “Só é batota se mais ninguém estiver a fazê-lo e eu sei que outros estavam a fazê-lo naquela modalidade. Eu fi-lo melhor do que os outros”, sentenciou. E defendeu o seu treinador com unhas e dentes, dizendo que era “o melhor do mundo”.

"Só é batota se mais ninguém estiver a fazê-lo e eu sei que outros estavam a fazê-lo naquela modalidade. Eu fi-lo melhor do que os outros"
Ben Johnson sobre o seu escândalo de doping

Carl Lewis, por seu turno, hesita quando lhe pedem para falar sobre o antigo rival Ben Johnson. David Giddents tentou e diz que Lewis soltou um suspiro, antes de lhe responder: “O sucesso é o que se faz depois da pista, não é nela”, afirmou. “Ele foi demonizado, mas isso não é tudo… Muito tem a ver com confiança, com confiar nas pessoas erradas.”

Os 100 metros e as substâncias proibidas

E porque a realidade tem sempre nuances, é preciso relembrar que o norte-americano também teve problemas com substâncias nessa mesma corrida — que não foram conhecidas à altura. Testou positivo para alguns estimulantes proibidos na altura, como relembra o The Guardian, mas o Comité considerou que foi um erro provocado por medicação para uma constipação e decidiu não o banir da corrida. O que teria acontecido se Lewis tivesse sido denunciado publicamente?

De qualquer das formas, é importante salientar um ponto: as substâncias detetadas na urina de Lewis não são atualmente proibidas. Os esteróides que Johnson tomava continuam banidos.

Dos oito finalistas que alinharam naquela final, só dois tinham passado os testes anti-doping completamente limpos: o norte-americano Calvin Smith e o brasileiro Robson da Silva

As substâncias proibidas são o cerne de toda esta corrida dos 100 metros e o “caso Seul” e não é só por causa de Johnson e Lewis. Anos mais tarde, acabaria por ser revelado que, dos oito finalistas que alinharam naquela final, só dois tinham passado os testes anti-doping completamente limpos: o norte-americano Calvin Smith e o brasileiro Robson da Silva. Talvez não seja de admirar que quatro dos oito corredores tenham corrido em menos de 10 segundos.

Johnson, Lewis, Christie

Linford Christie (Reino Unido), Ben Johnson (Canadá) e Carl Lewis (EUA) no pódio após a corrida dos 100 metros

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Para muitos, esse é o sinal de que aquela corrida foi extraordinária pela rapidez demonstrada na pista, mas também pelos problemas do atletismo com substâncias ilegais, à altura. Johnson manteve-se, para sempre, um vilão para a opinião pública: em 1993 tentou um regresso às pistas, mas voltou a testar positivo e foi banido do desporto. Carl Lewis não teve a glória e ainda teve a mancha da substância proibida à altura. Não houve heróis nem vencedores nos 100 metros de Seul, em 1988. Os 9,79 segundos de Johnson só acabariam por ser ultrapassados nuns Olímpicos 20 anos depois, por outro homem nascido na Jamaica: Usain Bolt ganhou o ouro e bateu o recorde mundial, correndo em apenas 9,69 segundos.

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