Otis Milburn é a personagem principal de “Sex Education”, disponível no serviço de streaming Netflix desde o início do ano. A série, que tem somado críticas positivas, centra-se neste adolescente, filho de terapeutas sexuais divorciados, que se vê envolvido num esquema improvável quando “monta” um consultório sexual ambulante em pleno liceu. É aqui que as perguntas e as dúvidas sobre sexo começam a emergir — e as (possíveis) respostas também.

Inspirados no enredo diferenciador — que promove uma maior abertura e diálogo sobre a sexualidade — reunimos perguntas reais, de pessoas anónimas (de sexo masculino e feminino), a partir dos 15 anos (como os adolescentes que aprecem na série) e até aos 45. Todas elas sobre sexo: penetração, orgasmo, vontade sexual e ereção são algumas palavras-chave. E à falta de um Otis, pedimos a cinco especialistas que respondessem:

“Os homens têm menos propensão do que as mulheres para valorizar os preliminares?”

(mulher, 31 anos)

Patrícia Pascoal: “A ideia de que há ‘preliminares’ reforça uma visão muito linear da atividade sexual, tudo se dirige a um fim. Este guião é muito prescritivo e leva homens e mulheres a sentir pressão interna na relação para usar práticas prazerosas com o objetivo de preparar o ato maior: a penetração. Há aqui um endeusamento da penetração que pode inibir o usufruto pleno do momento, pois as pessoas tendem a comportar-se como se fizessem uma receita, que é tudo menos uma atividade espontânea.”

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Joana Florindo: “Para valorizar, não me parece. Penso que poderá é existir uma ideia preconcebida a esse respeito porque a excitação masculina, concretamente ao nível da ereção, tende a evidenciar-se mais rapidamente do que a feminina, reforçando a crença de que se os homens estão preparados para a penetração podem não estar tão disponíveis para os preliminares. Na prática clínica verifico que sempre que ambos percebem os benefícios resultantes de um investimento nos preliminares, adequado às velocidades, desejos e necessidades do casal, a valorização é partilhada.”

“Porque é que as mulheres não conseguem ter um orgasmo tão facilmente como os homens? Isso leva as mulheres a fingir orgasmos?”

(mulher, 15 anos)

Patrícia Pascoal: “O orgasmo fingido é um fenómeno conhecido e estudado, cerca de 70% das mulheres já fingiram pelo menos uma vez um orgasmo. Os motivos estudados e conhecidos são: despachar uma relação que não é boa; agradar ao parceiro; evitar contacto sexual doloroso ou desconfortável; parecer ‘normal’.”

Rui Ferreira Carvalho: “É ainda relevante ter em conta que evolutivamente, o orgasmo masculino com ejaculação é necessário para a reprodução. Numa perspetiva de promoção da reprodução, ao longo de um percurso extenso da evolução dos mamíferos, o orgasmo masculino tende a ser mais rápido. Frequentemente, num guião sexual muito centrado na penetração intravaginal, após a ejaculação, cessa a estimulação feminina, o que pode ser impeditivo de atingir um orgasmo.”

Joana Florindo: “Convém esclarecer que embora o orgasmo possa ser uma experiência relevante de prazer, não encerra nele toda a satisfação sexual nem deve ser encarado como ‘destino final’ dos envolvimentos sexuais. E o impacto do seu atraso ou ausência tende a diferir de mulher para mulher, existindo mulheres com dificuldades em atingi-lo que expressam, ainda assim, sentir satisfação com a sua vida sexual. Estas tendem a realçar a importância da proximidade física e da intimidade emocional que o envolvimento sexual lhes proporciona como o mais prazeroso e satisfatório.”

Cristina Mira Santos: “Isso não é verdade. Há estudos que comprovam que uma mulher consegue ter um orgasmo em menos tempo do que o homem, tem a ver com estimulação e erotismo, com uma preparação mental anterior. A mulher precisa de toque, de sentir. O orgasmo nos homens pode é ser mais evidente. Orgasmo e ejaculação são dois processos distintos.”

“O que é que podemos fazer quando há ritmos ou vontades sexuais diferentes num casal?”

(homem, 30 anos)

Patrícia Pascoal: “A discrepância entre pessoas é comum em todas as áreas e a aceitação e exploração da diferença podem ser muito enriquecedoras. O mito de que numa relação as pessoas têm de estar em sintonia é uma crença que pode prejudicar as pessoas, inibir a comunicação e alimentar a fusão, a simbiose, o que diminui a liberdade pessoal.”

Rui Ferreira Carvalho: “Frequentemente, é necessário potenciar que a comunicação flua de forma mais transparente, sem crenças negativas relativas à atividade sexual. É muito comum a assincronia e é passível de ser combatida precisamente através de fenómenos que aparentam carecer de espontaneidade — algo tão simples como marcar um encontro.”

Joana Florindo: “Nem sempre ritmos sexuais diferentes ou mesmo vontades sexuais diferentes traduzem inevitavelmente problemas sexuais. Há experiências e fases de vida que podem condicionar o desejo sexual, por exemplo, e há casais que perante isso ajustam temporariamente os seus ritmos. No entanto, quando essas diferenças se evidenciam problemáticas e acarretam um sofrimento pessoal e relacional devem ser comunicadas e o casal deve procurar uma ajuda especializada no âmbito da Terapia Sexual.”

Cristina Mira Santos: “É importante que essa definição dos diferentes desejos sexuais passe pela comunicação, caso contrário pode haver desencontros. Também é importante perceber quais são as razões, o que é que está por detrás disso. Muitas vezes, são conversas não terminadas, problemas não resolvidos. As mulheres, regra geral, têm mais dificuldade em partir de uma conversa não acabada para o ato sexual.”

E quando é ele que não quer ter sexo?

“O que podemos fazer quando, a meio do ato, o homem perde a ereção?”

(mulher, 33 anos)

Joana Almeida: “Podemos e devemos continuar o ato em si, ou seja, ter relações sexuais não é só ter sexo penetrativo e vaginal. Ter relações sexuais (e fazer amor) pode ser muitas práticas sexuais que dão prazer à própria pessoa e ao outro. Cada ereção não tem de ser consumada em penetração e orgasmo. O que podemos fazer quando se perde uma ereção? Procurar uma nova ereção.”

Rui Ferreira Carvalho: “Mais uma vez, a primazia da comunicação também se verifica. Não sobrevalorizar o fenómeno e procurar alternativas no momento também retira o foco do endeusamento da atividade penetrativa. É também uma situação que pode ocorrer em circunstâncias com uma grande pressão ou tensão, nomeadamente em pessoas jovens, nas primeiras vezes; temática frequentemente não discutida entre pares, porque existe um viés nas histórias sexuais bem sucedidas.”

Joana Florindo: “Antes de mais penso que é importante referir que qualquer homem poderá experimentar uma perda de ereção pontual, numa determinada altura da sua vida, sem que isso se traduza numa disfunção sexual. E por vezes, quando tal acontece, mais do que a própria “perda da ereção”, a resposta que ambos terão a essa situação poderá condicionar positiva ou negativamente essa experiência, assim como as experiências sexuais futuras. Se a perda de ereção for persistente, limitar a experiência sexual e causar sofrimento é fundamental procurar-se a ajuda de um especialista em Sexologia, quer a nível médico quer psicológico.”

Cristina Mira Santos: “Se não partimos do princípio de que a penetração é essencial, tudo o resto é possível. Se se pressupõe haver penetração e ejaculação, é voltar ao princípio, voltar a trabalhar a ereção. Uma interação sexual plena não tem de ter obrigatoriamente penetração.”

“Um rapaz que não se consiga masturbar a si próprio tem necessariamente um problema?”

(mulher, 15 anos)

Joana Almeida: “Há rapazes que podem ter dificuldades motoras em se tocar de modo satisfatório, por problemas de diversidade funcional, de dificuldades motoras (por exemplo em algumas deficiências). Ainda podem ter deficiências mentais e, como tal, não ter acesso a informação e educação para a sexualidade que lhes permita explorar e descobrir como gostam de se tocar e satisfazer sexualmente. Um rapaz que não tenha curiosidade e interesse em se masturbar não tem necessariamente um problema, pode ser uma pessoa assexual que não gosta de viver a sexualidade e o prazer do modo mais comum e que a generalidade das pessoas faz, numa relação ou através de estimulação sexual”.

Rui Ferreira Carvalho: “Também nestas situações é necessário ter presente que os mitos relativos à masturbação ainda são muitos e a tradição histórica, religiosa e cultural sempre foi muito punitiva da procura do prazer, principalmente a sós. Nesse sentido, a ausência de auto-estimulação não deve ser patologizada, mas sim contextualizada e compreendida dentro das várias possibilidades que o possam justificar.”

“No caso dos homens, o prazer anal depende da orientação sexual?”

(homem, 28 anos)

Patrícia Pascoal: “Não. Contudo a crença de que o prazer através da estimulação anal é exclusiva de homens que têm sexo com homens e são gay é inibidora da exploração de práticas sexuais prazerosas. Também há homens gay que têm dificuldade em desinibir-se e experienciar sexo anal.”

Rui Ferreira Carvalho: “Visto que a inervação sensitiva da área do períneo é particularmente erógena, existe um fundamento biológico para haver prazer na estimulação do pavimento pélvico, inclusivamente na região anal (e em relação com a área prostática). No entanto, a influência cultural e os dogmas históricos de alguma rigidez podem influenciar com crenças negativas a estimulação desta área.”

Joana Florindo: “Não. Ainda que o mito persista, o prazer anal é independente da orientação sexual. Existem é preconceitos associados a essa prática no âmbito das relações heterossexuais.”

“Supostamente os homens têm muito prazer quando se toca devidamente no períneo. Porque é que os homens têm tanto preconceito em relação a isso?”

(mulher, 31 anos)

Rui Ferreira Carvalho: “Resposta semelhante à do sexo anal, com muita componente psicossocial potencialmente proibitiva/inibidora. Salienta-se que os plexos nervosos que inervam o períneo [espaço compreendido entre o ânus e os órgãos sexuais] são também a origem da inervação da área genital, em zonas particularmente sensíveis na estimulação táctil.”

Joana Florindo: “O preconceito existe tendencialmente nos heterossexuais, associando muitas vezes esta prática a comportamentos homossexuais e tendendo assim a evitá-la, mesmo sem a experimentar. No entanto, vamos assistindo a alguma desconstrução desta tendência, quando em consultório escutamos já alguns casais heterossexuais a partilhar que integram esta prática no seu repertório sexual, experimentando prazer e satisfação.”

“Quais as vantagens e as desvantagens de ver pornografia em casal?”

(mulher, 31 anos)

Joana Almeida: “Se ambos os membros de um casal gostam de ver e de partilhar pornografia como meio de excitação ou de inspiração, não tem de haver desvantagens em fazê-lo. Podem até aprender novas práticas e explorar o que lhes dá mais prazer ou gostariam de explorar em conjunto. Recomendo que vejam pornografia de boa qualidade. Tal como nos filmes não pornográficos e nas outras indústrias, a qualidade é relevante para a experiência ser boa e satisfatória. A pornografia amadora, gratuita e acessível, pode ser repetitiva, pouco realista, mostrar relações de poder desiguais e tem a desvantagem de o casal não se inspirar, mas criar expectativas desajustadas da sua sexualidade e das relações sexuais.”

Joana Florindo: “Tudo depende do que fizer sentido para o casal. Há casais que gostam de ver pornografia a dois, podendo ir aí buscar inspiração ou estímulo para o seu envolvimento sexual, e há casais que não gostam de o fazer em conjunto, podendo ser mesmo constrangedor e/ou inibidor para qualquer um dos elementos. Assim, se fizer sentido e for benéfico para ambos, tem vantagens e devem fazê-lo; se não fizer sentido e for constrangedor tem desvantagens e não o devem fazer.”

Cristina Mira Santos: “As vantagens passam por trabalhar o erotismo. Trabalha-se pouco ao nível do erotismo e a pornografia trabalha esse ponto. É uma ferramenta erótica fantástica. A grande desvantagem é a falta de qualidade em geral. E pode ser uma desvantagem tendo em conta o à-vontade com que os membros do casal se podem sentir ao visualizar um filme destes a dois. Pode ser um impedimento, mas também uma vantagem se for bem trabalhada. Tem é de ser respeitada.”

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“Um aborto pode prejudicar a satisfação sexual?”

(mulher, 16 anos)

Joana Almeida: “Uma interrupção voluntária ou involuntária da gravidez não prejudica a satisfação sexual. Indiretamente pode interferir na satisfação sexual, por exemplo, se um casal sofrer uma interrupção involuntária e espontânea, podem ficar mais tristes e, portanto, menos disponíveis para ter relações sexuais. Ou ainda, se tiver existido uma gravidez indesejada e não planeada, podem ficar mais receosos de se entregar ao prazer e poder acontecer de novo. Mas um aborto não prejudica a satisfação sexual.”

Joana Florindo: “Não existe uma resposta certa, mas pode. A satisfação sexual é uma resposta afetiva que resulta de uma avaliação individual e subjetiva de variados aspetos relacionados com o envolvimento sexual, associada ainda a múltiplas variáveis de ordem individual e relacional, que se influenciam reciprocamente. Sendo o aborto uma experiência marcada a nível emocional, cognitivo, comportamental, individual e relacional, poderá afetar negativamente a satisfação sexual.”

“Os sintomas associados ao vaginismo também podem verificar-se nos homens?”

(mulher, 16 anos)

Joana Florindo: “Não. O vaginismo, tal como o próprio nome indica, implica uma contração involuntária recorrente ou persistente dos músculos perineais que envolvem a vagina, aquando de uma tentativa ou antecipação de uma penetração vaginal, e nesse mesmo sentido só ocorre nas mulheres.”

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“O orgasmo pode ser mais prazeroso no clitóris do que no ato sexual?”

(mulher, 15 anos)

Patrícia Pascoal: “Toda a atividade sexual saudável é prazerosa e existe uma grande variabilidade na intensidade da experiência do orgasmo, principalmente nas mulheres.”

Rui Ferreira Carvalho: “Do ponto de vista histórico, a grande distinção feita principalmente por Freud entre orgasmo clitoriano e vaginal tem vindo a ser contestada. Principalmente com a descrição cada vez mais pormenorizada do complexo clitoriano, que é mais do que apenas a sua glande exposta, estando a maior parte deste órgão responsável pelo prazer em redor das paredes da vagina. Assim, estimulação nesta área será necessariamente captada também pelo clitóris, altamente irrigado por fluxo sanguíneo e inervado.”

Joana Florindo: “A diferenciação entre orgasmos vaginais e clitorianos não deve acontecer, um orgasmo é um orgasmo e não deve ser diferenciado. Sabemos atualmente que a estrutura clitoriana é muito mais profunda do que o seu exterior evidencia, quando observamos externamente o órgão que se situa acima da abertura vaginal, designado de clítoris. Sabemos também que através da penetração todo um sistema nervoso e muscular interno está a ser estimulado e dessa forma a conferir prazer, no entanto, é através da estimulação direta do clítoris que a maioria das mulheres experiencia o orgasmo. Isto porque essa zona, mais do que qualquer outra, concentra um número privilegiado de terminações nervosas. Assim a sua estimulação no decorrer do envolvimento sexual revela-se essencial para uma maior obtenção de satisfação e prazer.”

“O sexo oral pode provocar cancro? Quais os riscos?”

(homem, 26 anos)

Rui Ferreira de Carvalho: “O sexo oral pode transmitir vírus do papiloma humano (HPV), sendo que algumas estirpes são cancerígenas; não sendo de excluir totalmente esta possibilidade, ainda que diminuta.”

“A ejaculação feminina existe ou é um mito?”

(mulher, 33 anos)

Joana Florido: “Ainda que possa não ser mito, a natureza dos fluídos e a sua composição é ainda objeto de estudo.”

Cristina Mira Santos: “Este tema é alvo de muitos estudos. Acredito que possa existir, que depende de uma estimulação concreta, mas não é comum. Não é claro se com treino se consegue lá chegar, mas é um facto que há mulheres que ejaculam. Em termos científicos ainda não houve estudos científicos suficientes e/ou conclusivos.”

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“Aquando da menopausa e da andropausa, os apetites sexuais dela e dele variam, isto é, são muito diferentes? Se sim, o que fazer nesses casos?”

(mulher, 45 anos)

Joana Florindo: “Existem alterações biofisiológicas e também psicossociais que poderão impactar na vivência sexual dos homens e das mulheres nesta fase de vida, mas são variáveis. Destacaria que o mais relevante é que quer homens quer mulheres, nesta fase de vida, não devem ser nem ficar reféns de uma conceção jovem e genital da sexualidade, podendo vivenciá-la de outras formas e com prazer. E se sentirem dificuldades persistentes e mal-estar associado, deverão procurar ajuda especializada. Envelhecer, por si só, não dita o fim da vivência e do prazer sexual.”

Cristina Mira Santos: “Acho que isso varia mais conforme a saúde sexual que temos ao longo da vida do que com o facto de sermos homem ou mulher. Sabemos que em termos hormonais há desequilíbrios e que as respostas físicas também são diferentes. O que vamos fazendo ao longo da nossa vida a nível sexual tem um papel muito importante e pode influenciar o nosso apetite sexual. Acho que o mais importante é perceber que não há idade para uma sexualidade saudável. Sexo e sexualidade não são só para pessoas jovens e bonitas, são para toda as pessoas que se conheçam e que gostam de si próprias.”