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Gonçalo Delgado/Global Imagens

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Silêncio, que vai falar o Senhor Andebol

Esta sexta-feira arranca o Europeu de andebol. Portugal não está, mas houve um tempo em que teve alguém no sete ideal da prova. Era Carlos Resende. Desde que se retirou, o país não mais lá voltou.

O telemóvel está no modo altifalante, para que as mãos se ocupem apenas com o volante. Conduz e fala ao mesmo tempo, divide as atenções pelas duas coisas por não querer falhar a nenhum dos compromissos: um é o que lhe paga o salário e acontecerá dali a mais ou menos duas horas, em Braga; o outro é a entrevista que, “com prazer”, aceita dar ao jornalista que o mantém à conversa durante quase meia hora. Em ambos o tema é o andebol e se fosse qualquer outro desporto — ou outra pessoa ao telemóvel — é provável que não houvesse nada para escrever neste parágrafo. Mas há, porque quem fala é Carlos Resende, homem que treina o ABC e não se importou de falar com o Observador enquanto ia apanhando alguns jogadores carentes de boleia para a partida que a equipa ia ter contra o Belenenses.

Carlos Resende fala porque vai começar o Campeonato da Europa de andebol e ele percebe muito disto. Tinha 23 anos quando Portugal puxou uns cordelinhos para organizar a primeira edição da prova, em 1994. Já era mais graúdo nos outros três torneios em que participou (2000, 2002 e 2004), sobretudo no de 2000, quando a seleção terminou em sétimo lugar no Europeu da Croácia e foi considerado o melhor lateral esquerdo da competição. Mas isso são outros tempos. Tempos em que era o destaque no meio de uma geração das boas (Ricardo Andorinho, Eduardo Filipe, Rui Rocha, Carlos Galambas, etc.) e que jogava num campeonato com estrangeiros que iam às seleções e não com estrangeiros que jogam tanto como os portugueses.

Tempos em que Carlos Resende, hoje com 45 anos, foi o melhor marcador da Liga dos Campeões em duas épocas seguidas (pelo ABC). Tempos em que não sentia necessidade de ir jogar para fora por cá dentro o andebol lhe dar jogadores, equipas, competições e dinheiro que hoje não dá. O último ano em que jogou (2006) foi também o último em que Portugal se qualificou para um Europeu, embora aí a seleção já não contasse com os 250 jogos e 1444 golos marcados do jogador a quem a idade foi devolvendo em qualidade o que ia roubando em cabelo. Há uma década que o país que foi anfitrião de duas competições — além do Europeu de 1994, o Mundial de 2003 jogou-se entre Almada e o Porto — não aparece em provas internacionais: “Hoje Portugal nem sequer para quando há grandes competições internacionais nem tem nenhum atleta de um país que lá esteja”.

O Europeu de andebol começa esta sexta-feira. Acha que há muitos portugueses com isto marcado na agenda?

Hmmm, é uma pergunta que não tem uma resposta fácil. Com certeza que os amantes da modalidade estão atentos e à espera, mas, de uma forma global, até mesmo alguns jovens que jogam andebol, estão mais distraídos do que antigamente.

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Distraídos com o quê?

As pessoas têm muitas ofertas. Os variadíssimos canais que há, os jogos de computador, videojogos, PlayStations, hipermercados… Essas ofertas vieram roubar a atenção, entre aspas, a um público muito importante, que nos preenchia o campeonato. No meu tempo, nós dávamos cabo das fitas VHS, a pôr para trás as gravações dos jogos, porque era a única maneira de estarmos a par do que se passava. Havia pouca oferta. Hoje tenho atletas que, na primeira divisão, quase não conhecem jogadores internacionais.

Isso não faz muito sentido.

Nem sequer conhecem os melhores jogadores mundiais. São atletas que apenas vão para o andebol durante o treino e o jogo e depois desligam completamente da modalidade. Continua a haver gente que conhece tudo, claro. A minha filha mais nova sabe quem são os melhores jogadores masculinos e femininos lá fora.

E joga andebol, pelo que sei.

Sim, joga. Tem paixão, conhece os jogadores todos, portugueses e estrangeiros, pelo menos os melhores.

Aos 45 anos, Carlos Resende vai na quinta temporada a treinar o ABC de Braga. Antes, entre 2006 e 2009, esteve no FC Porto

Tony Dias/Global Imagens

No seu tempo não existiam estas distrações todas.

Quando jogava era relativamente mais simples. Em miúdo, tínhamos um canal de televisão a partir das 16h00, portanto, íamos para a rua brincar, saltar ou jogar à bola. Hoje, o único desporto que a maior parte dos jovens faz é a única modalidade a que se dedicam, e nada mais. E outra coisa, seria interessante haver um estudo que abordasse o número de lesões que os jovens têm. Hoje vejo mais lesões graves a acontecerem do que no meu tempo. Além disso, se hoje retirarmos a esses jovens a modalidade que praticam, eles ficam completamente sedentários. No meu tempo jogávamos à bola na rua e a educação física na escola ainda era uma coisa com algum valor. Hoje até existem escolas onde não deixam os miúdos levar uma bola.

Mas isto chega ao ponto, por exemplo, de quem joga andebol não saber que há um Europeu prestes a começar?

Deve haver um outro distraído que se calhar não sabe. Até porque a forma como o nosso campeonato está organizado diria que a isso incentiva. Somos dos poucos países em que a competição continua no decorrer das provas internacionais. Descemos uns degraus. Porquê? Primeiro, a nossa seleção já não se qualifica e, segundo, partimos do princípio que nenhum clube tem capacidade financeira para comprar jogadores que lá possam ir. E a verdade é que o FC Porto, o Benfica e o Sporting não têm jogadores com capacidade para estarem em Mundiais ou Europeus.

E a culpa é só da falta de dinheiro?

O FC Porto tem estrangeiros, e muitos: da República Checa, tem quatro ou cinco cubanos, um francês… O Sporting tem dois guarda-redes estrangeiros, o Benfica tem vários brasileiros. Não têm é nenhum com qualidade suficiente para ser convocado e estar em provas internacionais.

Não há um Vladimir Petric [lateral sérvio que jogou no FC Porto entre 2000 e 2005, enquanto era convocado para a seleção sérvia].

Por exemplo. Mas também não temos outra coisa, pois Portugal, no meu tempo, ia a Europeus e a Mundiais. Não eram assim tantos jogadores, mas eram os suficientes para o campeonato nacional parar nesse período.

O Carlos esteve logo no primeiro Europeu de sempre, em 1994, realizado em Portugal.

Tinha 23 anos. Guardo más recordações, infelizmente, apesar de o Pavilhão Rosa Mota, aqui no Porto, ter estado sempre bem vestido. Tive a possibilidade de jogar com os melhores atletas do momento. Jogámos contra a Suécia e o Magnus Wislander, que seria depois considerado o atleta do século. Apesar de tudo isto não foi nada positivo, porque precisávamos apenas de uma vitória e não a conseguimos [cinco derrotas em cinco partidas].

Mas correria bem melhor no Mundial que Portugal também organizou, em 2003.

Sem dúvida. O único problema aí foi não termos ganhado à Islândia, pois precisávamos dessa vitória para irmos ao Jogos Olímpicos. Ficámos um pouco aquém.

Carlos Resende durante o Mundial de 2003, realizado em Portugal, aqui a pular para rematar à baliza do Qatar, num jogo da fase de grupos.

LUSA/ANTONIO SIMOES

Pelo meio houve o Europeu de 2000, na Croácia, onde o Carlos deu nas vistas.

Correu bastante bem. O Europeu da Suécia [2002] também não foi negativo de todo, nem o da Eslovénia [2004]. No Mundial é que se esperava muito de Portugal, por termos passado à segunda fase de grupos.

Essa foi a altura [2003] em que o andebol esteve no pico da popularidade em Portugal?

Infelizmente, poderia ter estado muito melhor. Foi um ano que coincidiu com um problema entre a federação e a liga de clubes, andavam numa guerra aberta, até esteve em risco que nenhum jogador do campeonato fosse a esse Mundial. O que seria altamente danoso para Portugal. Em vez de aproveitarmos um momento extremamente marcante para a nossa modalidade, diria que perdemos muito. Não conseguimos capitalizar a importância de ter um Mundial no nosso país.

E desde aí tem regredido?

Pode dizer-se que sim, faça a sua avaliação. Portugal não vai a uma grande competição desde 2006, eu ainda jogava, veja lá. O FC Porto, em 12 ou 13 anos, só conseguiu ir três vezes à Liga dos Campeões. O Sporting, se não me falha a memória, esteve lá um ano. No meu tempo, consegui ser o melhor marcador da Liga dos Campeões em duas épocas consecutivas, quando estava no ABC. Há 20 anos, a minha equipa chegou a ter três estrangeiros que iam sempre às suas seleções. Hoje, Portugal nem sequer para quando há grandes competições internacionais nem tem nenhum atleta de um país que lá esteja. Por isso, diga-me lá, estamos na mesma, piores ou francamente piores?

Apostaria na última hipótese.

Pronto.

Acha que não está para breve voltarmos a ter um português no sete ideal de uma competição, como lhe aconteceu no Europeu de 2000?

Não disse isso. Impossível é que isso aconteça se Portugal não for aos Campeonatos da Europa e do Mundo. Lá estando, tudo é possível. Se não veja: o rookie do ano da Liga dos Campeões foi precisamente um jogador do FC Porto [Gustavo Rodrigues, brasileiro de 20 anos].

O que é preciso fazer então?

Primeiro, fazer com que os atletas estejam focados na modalidade. Mas para termos mais jogadores com um cariz melhor, é necessário que eles tenham possibilidades para se dedicarem, de corpo inteiro, à modalidade. E para isso acontecer, é necessário que as equipas tenham mais dinheiro. Não é possível que uma equipa portuguesa com um orçamento de 300 ou 400 mil euros contratar jogadores de destaque. Ainda há pouco tempo o Paris Saint-Germain deu 2 milhões de euros por um. Dois milhões, fora o ordenado. Os melhores jogadores de andebol da Alemanha, França, Dinamarca ou Suécia ganham como se fossem futebolistas cá. É a realidade.

Quando ainda jogava não tinha de se preocupar com estas coisas. Dá menos trabalho ser jogador do que treinador?

Ó, claramente. Não oferece qualquer dúvida, basta perguntar todos os treinadores que tenham sido jogadores. Obviamente que também me dava mais gozo, ter a bola nas mãos é algo indescritível.

E não dá gozo ver outros brilhar com ela nas mãos pelo treino que lhes deu?

Dá um gozo particular, mas não há nada como sermos nós [ri-se].

Já lhe aconteceu, a meio de um treino, pensar: “Se eu fazia isto enquanto jogador, como é que eles não conseguem fazer”?

Da mesma forma que outros não conseguiam fazer coisas que eu fazia, e vice-versa, não posso pedir que um atleta faça algo só porque eu a conseguia fazer. O que tenho de fazer é desenvolver as suas capacidades e pedir-lhe, caso lhe veja aptidão, para desempenhar alguma função específica. Agora, pedir para fazer alguma coisa só porque eu a fazia no meu tempo era estar a alocar recursos meus para algo que não teria resultado nenhum.

O bichinho ainda lhe pega? Ainda aproveita para dar uma mãozinha nos treinos?

Quero acreditar que cada vez sou melhor treinador e, quando isso acontece, passamos a necessitar de exemplificar menos. Aliás, há uma boa brincadeira para definir o que é um bom treinador: é aquele que não sabe fazer, mas sabe explicar como é que se faz. Tenho-me esforçado para desenvolver esta capacidade, portanto, é natural que tenha cada vez menos de mostrar coisas.

Ainda se lembra quando lhe mostraram o andebol pela primeira vez?

Lembro-me melhor disso do que do último jogo que fiz na carreira. Foi um convite de um amigo do meu pai para experimentar. Nem sabia o que era andebol, mas como tinha muita curiosidade, lá fui eu.

Nem sabia que se jogava com a mão?

Isso tinha uma ideia. Agora, o campo e as regras não sabia de todo.

Mas pelos vistos tinha jeito.

Julgo que não. Até era meio gordito, acho é que tinha uma capacidade de trabalho um bocadinho superior a muitos outros. Tive a felicidade de ter colegas com mais talento que eu, mas a vontade em ter um bom resultado ou evoluir não era igual à que eu tinha.

Não queria fazer sacrifícios?

Não é uma questão de sacrifícios. Quando gostamos muito de uma coisa e queremos muito ter sucesso, não se trata de um sacrifício. É um investimento da nossa parte. A determinada altura gostava tanto de andebol que passei a querer melhorar sempre, a ter outra atitude.

Patrícia Resende tem 18 anos, joga andebol no Colégio de Gaia e, em setembro, entrou em arquitetura na Universidade do Porto com uma média de 20 valores.

Fábio Poço / Global Imagens

É treinador, dá aulas de andebol no Porto e na Maia e tem duas filhas que jogam andebol. Algum dia vai ser capaz de viver sem o desporto?

Afastá-lo completamente será, de todo, impossível. Quanto mais não seja, com certeza que estarei sempre como adepto. Mas há uma coisa que tenho certa: se, por algum motivo me afastar do andebol, estarei sempre ligado a outra modalidade. Seja a correr ou a andar de bicicleta. Dentro das minhas possibilidades físicas e do horário laboral, o desporto fará sempre parte da minha vida. Já os gregos diziam: “Corpo são, mente sã”.

Fez mais de 250 jogos pela seleção enquanto jogador. Como treinador, quer lá chegar?

Estou satisfeito por estar onde estou, num clube que só tem andebol. Mas qualquer treinador gosta de estar com bons jogadores, que nos desafiem, e os melhores estão sempre na seleção nacional.

Falando em bons jogadores, se tivesse que indicar uns três ou quatro jogadores que vão estar neste Europeu, para os mais distraídos irem pesquisar no You Tube, quais escolheria?

Há tantos. Vou dizer aqueles de que gosto particularmente. Guarda-redes, o francês [Thierry] Omeyer, sem dúvida nenhuma. Ponta esquerdo seria o alemão Uwe Gensheimer, mas lesionou-se e não vai estar no Europeu. O lateral esquerdo, Nikola Karabatic. Central, também francês, Daniel Narcisse. A lateral direito não há nenhum, neste momento, que me encha as medidas. Já o ponta direito, Luc Abalo.

E pivô?

Não há nenhum que me encha as medidas.

Hoje, se tivesse que escolher, optaria pelo Carlos Resende jogador ou pelo Nikola Karabatic?

Ó, o Karabatic, completamente! O Carlos Resende era um dos melhores de Portugal, o Karabatic é um dos melhores do mundo. Aquilo que ganhei da minha vida inteira não daria para pagar um ano de ordenados do Nikola Karabatic.

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