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Luísa Satanela (1894-1974) por Joaquim da Silva Nogueira
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Luísa Satanela (1894-1974) por Joaquim da Silva Nogueira

PAULO BAPTISTA2

Luísa Satanela (1894-1974) por Joaquim da Silva Nogueira

PAULO BAPTISTA2

Silva Nogueira, o fotógafo que ajudou a criar um “star system” português, tem uma exposição no renovado Museu do Teatro

Abre esta sexta-feira em Lisboa uma exposição com fotografias das "estrelas e ases" dos palcos portugueses do anos 20. O autor das fotos foi um misterioso retratista que todos desejavam.

É considerado o mais importante fotógrafo-retratista do início do século XX português, renovador de técnicas e estéticas, um dos responsáveis pela criação de um “star system” à escala nacional no fim dos anos 20. Pelo estúdio dele da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, passaram reconhecidas vedetas do teatro e da dança e também muita gente da alta sociedade da capital — todos procuravam o olhar inovador que Joaquim da Silva Nogueira empregava em cada imagem.

A exposição “Corpos Modernos do Palco”, que abre ao público nesta sexta-feira no Museu Nacional do Teatro e da Dança, em Lisboa — podendo ser vista até 13 de março, com entrada a cinco euros —, renova a atenção sobre o trabalho deste fotógrafo cuja biografia continua envolta em mistério, à falta de investigação histórica.

O curador da exposição, Paulo Ribeiro Baptista, doutorado em História da Arte Contemporânea e da Fotografia e técnico do Museu Nacional do Teatro e da Dança, concede que Silva Nogueira é “relativamente pouco conhecido”, embora estejam presentes no imaginário coletivo alguns dos retratos que ele fez de Amália Rodrigues, em início de carreira, e de Oliveira Salazar, nos primeiros anos do Estado Novo. Aliás, sessões com a fadista realizadas entre 1942 e 1954 deram origem a uma exposição em dezembro de 1999 precisamente no Museu do Teatro.

A mostra agora inaugurada é composta por 26 retratos de grande formato — dois deles com as dimensões de 1,20m por 80cm e os restantes com 80 por 60 cm — e integra um novo ciclo de exposições temporárias no museu. “Após meses de encerramento, devido à situação pandémica e obras de melhoramento, esta é a primeira de um conjunto de exposições que pretende dar a conhecer peças únicas e nunca expostas da vasta coleção do museu, bem como contribuir para o conhecimento e divulgação da história das artes performativas em Portugal”, informou a instituição tutelada pelo Ministério da Cultura. Depois de Lisboa, a mostra segue para o Centro Português de Fotografia, no Porto, onde pode ser vista entre abril e junho.

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A cumplicidade que se estabelecia entre retratista e retratados permitia até a criação de uma nova imagem pública para alguns deles, o que terá acontecido com Beatriz Costa

“O objetivo da exposição é o de dar destaque à modernidade destas imagens, à importância que tiveram para o modernismo português”, resume Paulo Ribeiro Baptista ao Observador. “A exigência de maior modernidade verificou-se nos palcos, na visualidade dos cenários e também na fotografia. É Silva Nogueira quem consegue, de maneira mais consequente, essa transformação.”

“O mais caro de Lisboa”

Joaquim da Silva Nogueira nasceu em 1892 e morreu em 1959, tendo deixado, segundo o curador, um espólio que ronda as 10 mil imagens. Terão sido adquiridas no início da década de 80 pelo então Instituto Português do Património Cultural. Uma parte pertence hoje à coleção do Museu do Teatro, em papel de fotografia, e outra parte, em negativos, está no Arquivo de Documentação Fotográfica da DGPC (que é consultável no site MatrizPIX).

Escasseiam estudos publicados com elementos biográficos do retratista e até mesmo a datação exata das imagens oferece dificuldade. Paulo Ribeiro Baptista defende que Silva Nogueira começou a ganhar visibilidade a partir de 1915 e que no fim dessa década já seria responsável técnico e proprietário da Fotografia Brasil, estúdio localizado num primeiro andar do número 141 da Rua da Escola Politécnica.

"Dotado de um enorme talento como retratista, Silva Nogueira foi incentivado, por artistas e figuras da sociedade, a adquirir os aparelhos mais sofisticados que existiam no estrangeiro, desde máquinas a material de iluminação."
António Brás, jornalista

O jornalista António Brás, que conheceu descendentes colaterais de Silva Nogueira que ainda hoje vivem na zona de Cascais, publicou no ano passado alguns dados biográficos do fotógrafo num artigo para a revista “Moda & Moda” — e confirmou-os agora ao Observador.

“Vinha de uma família (por parte do pai e tio) com ligações à arte do retrato. O pai começou a exercer a fotografia em Santarém, com deslocações, na época balnear, à Ericeira. No início do século XX fixou-se em Faro, deslocando-se mais tarde para Lisboa, onde abriu um estúdio na Rua D. Pedro V. Silva Nogueira começou a ajudar o pai, tendo-se estabelecido em Lisboa e depois em Setúbal. Em 1920 tomou de trespasse a famosa Fotografia Brasil, localizada na Rua da Escola Politécnica, que fora fundada pelo fotógrafo Carlos Silva”, escreveu António Brás.

E acrescentou: “Dotado de um enorme talento como retratista, Silva Nogueira foi incentivado, por artistas e figuras da sociedade, a adquirir os aparelhos mais sofisticados que existiam no estrangeiro, desde máquinas a material de iluminação. Durante quase quatro décadas as grandes figuras portuguesas fizeram-se retratar nos elegantes salões da Fotografia Brasil. Ele era considerado o fotógrafo das elites, sendo também o mais caro de Lisboa.”

Público ávido de cosmopolitismo

Do ponto de vista do curador da exposição, o modernismo, como vanguarda estética do início do século XX, tem sido mais valorizado no campo da literatura, com Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro, e no das artes visuais, com Almada Negreiros e Amadeo de Souza-Cardoso. Mas também se observou nos palcos do teatro da revista e do teatro de reportório.

Artistas plásticos como António Soares, Jorge Barradas ou José Barbosa foram chamados pelos empresários teatrais para imprimirem novidade às cenografias e aos figurinos. Era essa a exigência de um público ávido do cosmopolitismo que a imprensa trazia de Madrid ou Berlim. Os próprios artistas modernistas precisavam daqueles trabalhos no teatro como forma de subsistência, já que não conseguiam expor e vender os seus trabalhos de autor.

A bailarina Lucy Snow era uma presença habitual no Parque Mayer

Ao mesmo tempo, acrescenta Paulo Ribeiro Baptista, em meados dos anos 20 também a imagem das atrizes e atores começou a pedir atualização e a ser explorada à maneira das grandes estrelas do cinema americano. Magazines de grande expansão, como o Notícias Ilustrado, apareceram com impressões de alta qualidade, o que permitia ver em grande plano o as “estrelas e ases” dos palcos — em vez dos planos gerais do atores, como era normal até então. “Isto vai contribuir para que o modernismo seja aceite pela generalidade das pessoas”, afirma Paulo Ribeiro Baptista.

O investigador, cuja tese de doutoramento foi defendida em 2016 e se intitula “Estrelas e Ases: O Retrato Fotográfico em Portugal (1916-1936)”, diz que Silva Nogueira tinha acesso a fotografias de fotógrafos e revistas internacionais que chegavam a Portugal e através disso pode ter instruído o seu olhar de criador.

Além do mais, Silva Nogueira foi fotógrafo de plateau dos estúdios de cinema da Tobis Portuguesa, fundados em Lisboa em 1932, o que lhe permitiu aprender técnicas de iluminação de cinema, que depois explorou nas fotografias de estúdio, nomeadamente as que estão agora em exposição no Museu do Teatro.

Nenhum como ele “soube inscrever na sua prática fotográfica o novo quadro estético que a renovação dos palcos, as exigências dos magazines ilustrados e o desenvolvimento das técnicas fotográficas no cinema tinham trazido à imagem pública das artistas.”
Paulo Ribeiro Baptista, investigador

Iluminação fortíssima, sombras profundas

Corina Freire, Beatriz  Belmar,  Clara  Baptista,  Dina Teresa,  Eva  Stachino,  Georgina  Cordeiro, Luísa Satanela, Maria  Alvarez,  Maria Sampaio, Rosa Maria, Virgínia Soler, Zeca Fernandes, Francisco  Florêncio  Graça (bailarino Francis) ou a italiana Adria  Rodi são alguns dos artistas que passaram pelo estúdio Fotografia Brasil. A cumplicidade que se estabelecia entre retratista e retratados permitia até a criação de uma nova imagem pública para alguns deles, o que terá acontecido com Beatriz Costa, cujo cabelo curto com franja se tornou a imagem de marca, ao estilo das americanas Louise Brooks e Clara Bow.

Segundo Paulo Ribeiro Baptista, um retrato que Silva Nogueira tirou a Brunilde Júdice, outra das grandes estrelas daquele período, é muito parecido com o retrato feito do outro lado do Atlântico, praticamente no mesmo momento, à atriz Joan Crawford por um dos grandes fotógrafos de moda e de cinema da época, Edward Steichen. O estilo “film noir”, com a iluminação fortíssima que criava sombras profundas, bem como os grandes planos do rosto vão ser algumas das características adotadas por Silva Nogueira. Ao gosto “art déco”, também usava fundos neutros, onde por vezes despontavam elementos geométricos. Os planos que escolhia e os vestidos que as atrizes utilizavam para as sessões davam aos registos alguma ousadia e por vezes até erotismo.

A atriz Julieta Valença, irmã da fadista Gilda Valença

Além do êxito modernista nas décadas de 20 e 30, o estúdio Fotografia Brasil fazia reportagens de casamentos e velórios, de publicidade e alguma fotografia documental (com cenas do quotidiano de Lisboa e Paris, da faina marítima, vistas de monumentos, etc.). Silva Nogueira continuou a fotografar artistas ao longo das décadas e, tanto quanto mostram os registos da DGPC, fê-lo até quase ao ano da sua morte, em 1959, ou pelo menos levavam o nome dele os retratos que até aí se publicaram. Posariam para ele nomes como os de Tony de Matos, José Viana (que chegou a ser conhecido como Viana Dionísio), Vicente da Câmara, Rogério Paulo, Ruy de Carvalho, Bibi Ferreira, Florbela Queiroz, Mirita Casimiro, Eunice Muñoz, Margarida de Abreu e tantos outros.

Na tese de Paulo Ribeiro Baptista lê-se que além de Silva Nogueira houve outros retratistas de nomeada nas décadas de 20 e 30, como Alves SanPayo ou os irmãos Novais, mas nenhum como ele “soube inscrever na sua prática fotográfica o novo quadro estético que a renovação dos palcos, as exigências dos magazines ilustrados e o desenvolvimento das técnicas fotográficas no cinema tinham trazido à imagem pública das artistas.”

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