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MARIO CRUZ/LUSA

MARIO CRUZ/LUSA

SNS: Estrangeiros não residentes deixam dívida de 1,2 milhões de euros em vários hospitais. Valores por cobrar podem ascender a 15 milhões

As ULS reportam dívidas de centenas de milhares de euros de estrangeiros não residentes. Gestores hospitalares falam em "utilização abusiva" do SNS e alertam que cuidados prestados são "incobráveis".

Os cidadãos estrangeiros não residentes sem protocolos ou seguros de saúde geraram custos de pelo menos 1,2 milhões de euros em cinco hospitais do SNS — valores que ainda se encontram por saldar, segundo informações avançadas ao Observador pelas Unidades Locais de Saúde (ULS) de Santa Maria, Coimbra, Almada-Seixal, Algarve e Litoral Alentejano. No entanto, a dimensão da dívida deixada pelo acesso dos não residentes aos serviços de saúde deverá ser muito superior: pode chegar aos 15 milhões de euros.

Se for tido em conta um custo médio por atendimento de 112 euros — o valor usado como referência no SNS para um episódio de urgência — e se for multiplicado esse mesmo valor pelos cerca de 141 mil não residentes sem seguros ou protocolos de saúde que acederam ao SNS desde 2021, o valor total da dívida pode já ultrapassar esse valor de 15 milhões. Isto porque, como assumem os próprios gestores hospitalares, a grande maioria dos atos prestados “são incobráveis”.

No início de dezembro, o Observador avançou que, nos últimos dois anos, cerca de 200 mil estrangeiros não residentes recorreram aos serviços de urgência do SNS. Só este ano, até setembro, esse universo era de 92 mil. Depois disso, o Observador questionou as 15 ULS mais impactadas pelo acesso de estrangeiros não residentes sem seguros de saúde ou protocolos — isto é, todas as que tiveram mais de 500 episódios de urgência deste tipo em 2023 — sobre os custos associados a estes episódios de assistência médica. Apenas cinco enviaram dados.

A ULS Almada-Seixal, a maior da Península de Setúbal, e que integra o Hospital Garcia de Orta, é a que regista o valor de dívida mais elevado: 338 mil euros, seguida da ULS de Coimbra (a maior do país), com 318 mil euros; da ULS do Algarve, com 273 mil euros; da ULS de Santa Maria, em Lisboa, com 254 mil euros; e da ULS do Litoral Alentejano, com cerca de 14 mil euros. Só nestas cinco ULS, o valor global ascende a 1,2 milhões de euros.

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Esta quarta-feira, o tema acabaria por marcar o debate quinzenal entre Governo e partidos da oposição. Logo a seguir, PSD e CDS (partidos que compõem a Aliança Democrática) propunham-se a alterar a Lei de Bases da Saúde para restringir o acesso desta população aos serviços do SNS. Pelo meio, o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) — a entidade do Ministério da Saúde que tem a seu cargo os processos de cobrança dos custos relativos aos cuidados de estrangeiros assistidos no SNS ao abrigo de acordos internacionais — falava, numa audição na comissão de Saúde, sobre a existência de “redes informais organizadas que facilitam a vinda ao nosso país de estrangeiros que só pretendem uma utilização sem custo para os próprios”, o chamado turismo da Saúde.

“São centenas de milhares de euros que poderiam ser aplicados no acesso de outros cidadãos”, dizem gestores hospitalares

O custo que o SNS tem com estes doentes pode não parecer elevado, tendo em conta os orçamentos anuais de grandes ULS (que ascendem às centenas de milhões de euros), mas a associação que representa os gestores hospitalares considera-os “significativos”, tendo em conta o contexto de escassez de recursos que o SNS enfrenta. “É significativo quando pensamos que são centenas de milhares euros em prestação de cuidados que poderiam estar a ser aplicados no acesso de outros cidadãos. Qualquer euro que gastamos no SNS tem de ser muito bem enquadrado e tem de ser efetiva a sua utilização”, defende Raquel Chantre, da direção da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, ao Observador.

IGAS vai abrir auditoria a estrangeiros atendidos no SNS. Inspetor-geral afasta “caos” e fala em “evolução do mundo”

A responsável lembra que, não raras vezes, os administradores hospitalares estão obrigados a tomar decisões que envolvem o gasto de “poucas dezenas de euros”, devido às limitações financeiras que afetam os hospitais. “Todos os euros que estejam a sair do nosso orçamento e que não sejam legitimamente pagos por quem o deve têm sempre impacto”, sublinha Raquel Chantre.

Há quase duas semanas, a Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) publicou o tal relatório que dava conta de que, desde 2021 e até setembro de 2024, mais de 330 mil estrangeiros não residentes foram assistidos nos serviços de urgência do SNS. Desses, quase 43% não estavam abrangidos por protocolos ou seguros de saúde que garantissem o pagamento dos cuidados prestados. No entanto, o trabalho da IGAS não apurou o impacto financeiro do acesso destas 141 mil pessoas ao SNS — um trabalho que deverá agora ser feito no âmbito de uma nova auditoria sobre o tema já anunciada pelo inspetor-geral da IGAS, António Carapeto.

"As ULS [Unidades Locais de Saúde] ficam numa situação de grande fragilidade financeira, porque estamos a falar de atos que são incobráveis"

Apesar de as urgências hospitalares serem a única porta de entrada possível no SNS para estrangeiros não residentes, a prestação de cuidados a estes pessoas não se limita necessariamente a esse serviço. “Há cidadãos que vão às urgências, mas que depois precisam de um internamento ou uma prestação secundária de cuidados, como uma cirurgia — com necessidade de consultas subsequentes. Nestes casos, é difícil fazer o apuramento dos valores devidos e a respetiva cobrança”, admite Raquel Chantre, da APAH.

Estrangeiros que pagam cuidados são “uma minoria”

Se for apenas considerado o acesso dos não residentes aos serviço de urgências, e tomando como referência os 141 mil acessos desde 2021, a dívida total para com as ULS poderá ultrapassar os tais 15 milhões de euros (uma vez que, segundo o Regulamento das Tabelas de Preços do SNS, um episódio de urgência polivalente tem um custo de 112,07 euros).

E, como explica a dirigente da APAH, os casos de atendimento de estrangeiro não residentes em que o pagamento é feito “são uma minoria”. “Os cidadãos apresentam-se sem seguro de saúde. E, depois, quem vai fazer o pagamento dos atos prestados ao doentes? As ULS ficam numa situação de grande fragilidade financeira, porque estamos a falar de atos que são incobráveis, a não ser que a pessoa faça o pagamento no momento — o que é uma minoria dos casos”, alerta. Isso mesmo pode inferir-se dos dados enviados ao Observador pelas próprias ULS.

Em Coimbra, quase todo o valor da dívida está por saldar; na ULS Almada-Seixal, dos 3.047 episódios de urgência de não residentes faturados em 2023, apenas 27 foram pagos. A ULS de Santa Maria, uma das que tem os dados mais detalhados, esclarece que “o valor médio do custo por não residente que não é elegível para cobertura de gastos pelo SNS é de 252 euros”, o que indicia que, em muitos casos, os custos para o sistema não se limitam ao preço do episódio de urgência.

SNS atendeu 100 mil estrangeiros não residentes num ano. Quase metade não está abrangido por nenhum sistema de saúde

Apesar das insistências do Observador, dez ULS não enviaram quaisquer dados. As ULS do Médio Tejo e de Oeste (a terceira do país com mais atendimentos de não residentes no passado) escudaram-se na alegada ilegibilidade dos dados. Já a ULS Amadora-Sintra recusou-se a responder, uma vez que, referiu, “é a tutela quem lidera o tema”. As ULS de São José, de Leiria, de Entre Douro e Vouga, de Gaia/Espinho, de Lisboa Ocidental, de Santo António e do Alto Minho não responderam ao pedido de informações.

Os gestores falam de uma “utilização abusiva” do SNS, que “impacta o dia a dia” dos hospitais e que está associada a uma “tendência crescente de utilização”, que levanta desafios não só no funcionamento dos serviços, mas também no que diz respeito à cobrança dos valores pelos cuidados de saúde prestados. “Quando um estrangeiro se dirige ao SNS, não temos qualquer informação registada sobre esta pessoa. A ULS está sempre dependente da informação que lhe foi transmitida. Há dificuldades na questão do registo administrativo”, alerta Raquel Chantre, que defende a necessidade de intervir no problema para garantir a sustentabilidade do SNS.

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A ULS de São José (que engloba a maternidade Alfredo da Costa) é a segunda do país que mais recebe estrangeiros não residentes

NurPhoto via Getty Images

Situação no centro de Lisboa “é crítica”. Mas ULS de São José recusou-se a fornecer dados

“Esta situação precisa de maior atenção e de maior regulação para conseguirmos atuar, para que o SNS possa continuar a ser sustentável e a dar resposta a quem precisa e a quem tem direito a ter resposta”, defende a administradora hospitalar, que dá o exemplo da ULS em que trabalha — a de São José, no centro de Lisboa.

Na ULS de São José, esta é uma realidade muito crítica. Tem implicações em termos de acesso e da prestação de cuidados de saúde. Nomeadamente em termos de acesso na urgência geral e na área de Obstetrícia, com a Maternidade Alfredo da Costa”, diz Raquel Chantre, explicando que “uma das principais áreas que esta população utiliza é a Ginecologia-Obstetrícia”. “A ULS de São José, por ter uma localização privilegiada, no centro de Lisboa, onde há uma concentração de turismo, imigração e nómadas digitais, é muito pressionada por este tipo de acesso”, realça, acrescentando que o acesso de estrangeiros não residentes “é um fenómeno que afeta muito a Área Metropolitana de Lisboa”.

AD quer travar acesso irregular ao SNS e passar a exigir comprovativo de cobertura de cuidados de saúde

A responsável defende que é preciso começar a limitar o acesso. “A melhor estratégia será atuar do ponto de vista da limitação de acesso. E definir e enquadrar melhor, a nível de instrumentos legislativos, o acesso dos cidadãos estrangeiros não residentes — de forma a que seja mais claro quem pode usufruir do SNS e em que situações é que o pode fazer”, sublinha.

Para Raquel Chantre, as ULS têm de ter as “ferramentas” para que, quando se depararem com estas situações, “possam perceber se os cidadãos podem ou não usufruir do acesso e como é que a cobrança é feita”.

AD e gestores hospitalares alinhados: é preciso “limitar o acesso”

É precisamente no sentido de limitar o acesso que PSD e do CDS vão propor uma alteração à Lei de Bases da Saúde, no sentido de passar a ser exigido aos não residentes “a apresentação de documento comprovativo de cobertura de cuidados de saúde pelo sistema de saúde do respetivo país de nacionalidade ou residência” — o que permitiria ao SNS garantir, posteriormente, a cobrança da despesa.

Até aqui, e segundo o ponto 2 da base 21 da atual Lei de Bases da Saúde, são beneficiários do SNS todos os portugueses, cidadãos com residência permanente ou em situação de estada ou residência temporárias em Portugal, que sejam nacionais de Estados-membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de proteção internacional e “migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada, nos termos do regime jurídico aplicável”.

De acordo com esta proposta conjunta de PSD e CDS, desaparece a referência a “migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada” e acrescenta-se um quinto ponto: “O acesso de estrangeiros não residentes em Portugal e que não sejam beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos nos números anteriores, deve ser sempre acompanhado da apresentação de cartão de identificação oficial, bem como de documento comprovativo de cobertura de cuidados de saúde pelo sistema de saúde do respetivo país de nacionalidade ou residência, exceto no caso de carecerem de cuidados urgentes e vitais”.

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