Ainda se recorda onde estava a 11 de maio de 2013? Provavelmente, assim de cabeça, só mesmo se for adepto ferrenho do FC Porto é que se lembra. Vamos dar uma ajuda: foi nesse dia que, no segundo minuto dos descontos, Kelvin deu o triunfo aos azuis e brancos frente ao Benfica, provocando uma viragem no Campeonato que seria confirmada no fim de semana seguinte em Paços de Ferreira, onde o triunfo por 2-0 com golos de Lucho González e Jackson Martínez confirmou o tricampeonato, naquele que foi o segundo título de Vítor Pereira antes de sair do clube. Seguiu-se um longo jejum de quatro anos, sempre com a vitória do rival Benfica, que chegou este sábado ao fim.

O que aconteceu em Portugal e no mundo nesse hiato de quatro anos sem títulos portistas? José Sócrates, antigo primeiro-ministro, foi detido e acusado de 31 crimes (entre eles o de corrupção) e de ter acumulado de forma ilegal 24 milhões de euros, Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Presidente da República substituindo Cavaco Silva, Portugal tornou-se campeão europeu de futebol pela primeira vez sob comando de Fernando Santos, frente à França e graças a um golo de Éder no prolongamento, Salvador Sobral também conquistou de forma inédita o festival da Eurovisão e Trump chegou à Casa Branca para surpresa do mundo. Ah, e descobriram-se planetas semelhantes à Terra e a exploração a Marte ganhou dimensão.

Mas houve também vários atentados terroristas e os incêndios que devastaram Portugal.

Ou seja, muita coisa mudou, fora e dentro de Portugal, pelo mundo fora e até no conhecimento do Universo.

E no FC Porto? Também não faltaram mudanças. Um clube que fez assentar em cinco grandes alterações o sucesso que quebrou o maior jejum de sempre na era Pinto da Costa.

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Sérgio Conceição, mais do que um treinador

Na hora da festa, Sérgio Conceição teve uma palavra especial para Pinto da Costa. Na hora da festa, Pinto da Costa teve várias palavras especiais para Sérgio Conceição. Hoje é fácil dizer que foi uma escolha óbvia para os dois lados; se recuarmos a 8 de junho de 2016, não era bem assim: do lado do presidente, e durante uma novela ao longo de duas semanas, foram chovendo nomes de pesos pesados daqueles que, corresse bem ou não, a escolha não mereceria o mínimo beliscão, casos de Eduardo Berizzo, Claudio Ranieri, Mircea Lucescu ou Luciano Spalletti; por seu turno, o treinador que ganhou imenso cartel em França teve uma saída conturbada do Nantes, daquelas que ninguém gosta. Ambos assumiram o risco, ambos saíram vencedores: Sérgio conseguiu quebrar aquele rótulo do técnico emocional e aguerrido, transformou-se num Midas que transformou em ouro o que para outros estava pouco acima de lata e colocou a equipa a jogar um futebol capaz de comprovar que também se ganham Campeonatos no ataque; Pinto da Costa viu recuperado aquele “ser FC Porto” que se diluíra com o tempo e ganhou referências onde menos esperava (Herrera é exemplo paradigmático). A simbiose criada entre equipa e adeptos prova o resto: Pinto da Costa é e será sempre o líder dos azuis e brancos; Sérgio transformou-se em algo mais do que um mero treinador.

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A recuperação de uma troika para o futebol: simples e eficaz

Quando assumiu a presidência do Sporting, em 2009, José Eduardo Bettencourt (que na altura ainda tinha boas relações com os dragões, antes da venda de João Moutinho) assumiu que gostava de montar no futebol dos leões uma estrutura como a do FC Porto – e esse é ao maior elogio que se pode fazer a um rival. O que queria isso dizer? Um grupo pequeno, cúmplice, capaz de trabalhar em equipa e a concentrar todas as decisões. Que é como quem diz, Pinto da Costa, o presidente; Luís Gonçalves, o diretor geral; e Sérgio Conceição, o treinador. O balneário dos azuis e brancos voltou a ser aquele forte blindado onde só as coisas boas saem para fora e os problemas são abafados (um bom exemplo disso foi a forma como o clube foi “lidando” com a condição de suplente de Casillas) e, no plano do futebol, apenas duas pessoas tinham voz: o líder do clube e o comandante da equipa. Mais ninguém. E essa filosofia chegou mesmo a fazer com que Sérgio Conceição fizesse um reparo ao diretor de comunicação dos azuis, Francisco J. Marques, por causa da utilização por Fernando Santos de Danilo em dois particulares. “Tenho uma excelente relação com o Francisco J. Marques, que tem sido excelente na sua área, mas no futebol existe um treinador e o presidente que falam pela equipa, tudo o resto, têm o direito de ter opinião, mas… Já falei com ele sobre esta situação. Acho que deram uma grandeza e uma intenção que eu acho que ele não tinha quando as disse”, disse em novembro.

O triunfo de uma ideia de jogo que rompeu com um sistema tático

Quando pensamos no FC Porto campeão, é obrigatório focar os olhos na referência ofensiva. Jardel, Pena, Lisandro López, Adriano, Falcão, Jackson Martínez, jogadores de topo que eram máquinas de fazer golos por dois motivos: além da qualidade individual, que era muita, tinham uma equipa montada à sua volta, num sistema de 4x3x3 com alas mais verticais ou com movimentos mais interiores mas que procuravam muitas vezes o seu ‘9’ no último passe. No início da pré-temporada, Sérgio Conceição testou em alguns particulares esse modelo, mas acabou por fixar-se num 4x4x2 com uma ideia de jogo muito própria com momentos de pressão alta que inverteram a lógica do costume: o FC Porto foi campeão pelo ataque e não com a defesa. Nesta parte final da temporada, por algumas limitações de jogadores e no plano físico, nem sempre se conseguiu ver a essência dessa ideia de jogo implementada por Sérgio Conceição, mas recuando aos primeiros meses de competição o mesmo esteve presente ao máximo, com trocas de intervenientes (primeiro começaram Danilo e Óliver Torres no meio-campo, depois entraram Herrera e Sérgio Oliveira, por exemplo) mas com princípios intocáveis. Resultado? Os dragões foram a equipa com mais golos e mais remates, ao mesmo tempo que conseguiram a melhor defesa e o menor número de remates consentidos.

O regresso ao passado: o FC Porto renasceu com os alicerces do passado

Pinto da Costa é de longe o presidente com maior longevidade e sucesso no cargo, apesar do jejum sem títulos no futebol que atravessava desde agosto de 2013. O que falhou nesse período? Houve escolhas técnicas para o banco que não resultaram, contratações (algumas avultadas) sem rendimento desportivo e o crescimento desportivo do rival Benfica aproveitando as falhas dos dragões e a recuperação do Sporting após a pior temporada de sempre. Mas estas justificações factuais que não superam algo que teve muito maior peso: deixou de haver aquele sentimento guerreiro, aquilo que os adeptos azuis e brancos na comemoração apelidavam de “alma portista”. As bases das décadas de sucesso do FC Porto foram muito assentes nas ideias de José Maria Pedroto, não só em campo mas também fora dele, naquele espírito de “contra tudo e contra todos” (na altura, contra o poder dos clubes da capital). Foi aí que tudo começou, sempre com capitães e referências que corporizavam da melhor forma esse sentimento. Tudo isso foi-se diluindo com o tempo; tudo isso foi recuperado na presente temporada.

Os jogadores em final de contrato e uma mudança de paradigma

Em condições normais, Marcano e Diego Reyes corriam o risco de praticamente não jogarem ao longo da temporada; afinal, o espanhol não só foi peça chave no título como envergou em alguns jogos a braçadeira, ao passo que o mexicano esteve sempre na primeira linha para entrar na equipa para o eixo central da defesa ou para o meio-campo. Não havendo margem para grandes aventuras financeiras, o FC Porto recuperou alguns jogadores que tinha emprestados e foi sempre cuidadoso a nível de investimentos, como se percebeu pela exceção que confirmou a regra: a renovação de Aboubakar. O mais fácil para quem gere uma equipa é sempre “encostar” quem acaba contrato e não renova e promover aqueles que têm um vínculo duradouro, a médio e longo prazo; ao invés, os responsáveis “aceitaram” esse facto e nunca deixaram cair Marcano, mesmo perante todas as notícias que davam conta da passagem a custo zero para o Valencia no final da temporada. Essa mudança de paradigma foi muito importante porque entroncou numa nova realidade que o clube atravessa e permitiu manter a estabilidade num grupo de trabalho onde Marcano, por exemplo, era um dos principais líderes, a par de Iker Casillas.