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Startups. “O fracasso é uma etiqueta que nos colam e não necessariamente o que pensamos sobre nós"

Professora de Harvard e crítica de arte contemporânea esteve em Lisboa para incentivar os empreendedores a assumirem os próprios erros e desaires. Porque sem fracasso as empresas não evoluem.

Os meses de inverno são um erro da natureza ou apenas uma fase de transição até à primavera? A imagem pertence a Sarah Lewis, professora na Universidade de Harvard, nos EUA, segundo a qual as empresas e organizações verdadeiramente implicadas na inovação e criatividade são as que aceitam o fracasso dos líderes e empregados como se fosse o inverno das estações do ano: faz parte do caminho e é fundamental para que o sol depois apareça em força.

Autora de um livro reconhecido por empresários e empreendedores, “The Rise: Creativity, the Gift of Failure, and the Search for Mastery”, de 2014, Sarah Lewis foi uma das convidadas do World Leadership Forum, uma conferência que decorreu em maio no Centro de Congressos de Lisboa. O evento reuniu “líderes empresariais de todo o mundo” com o objetivo de “inspirar estratégias de liderança”, de acordo com a organização, que esteve a cargo da World Business Ideas (WOBI), descrita como uma empresa multinacional que produz e distribui conteúdos, incluindo televisivos, pensados para chefias de topo.

A professora americana fez uma intervenção de 45 minutos e no fim falou com o Observador. Além de dar aulas de Estudos Africanos e de História da Arte e da Arquitetura, é crítica de arte e trabalhou como curadora no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque) e da Tate Modern, em Londres.

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Como é que uma professora de História da Arte e Estudos Africanos começa a escrever e a dar conferências sobre liderança e empreendedorismo?
Quando era criança já me interessava pela vida de grandes criadores de arte. Mais tarde, fui curadora do MoMA e encontrei nos ateliês de muitos artistas pinturas que eles não gostavam de mostrar, obras que punham de parte e que nunca chegavam aos museus. Comecei a questionar-me: será verdadeira a narrativa que se conta sobre o processo criativo? Aquilo que via contrariava o que me tinham ensinado.

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Os artistas com quem contactava escondiam que para chegarem ao trabalho final tinham passado por um processo criativo cheio de erros?
Mais ou menos. O que eu via era que os erros, as tais obras que eles rejeitavam, tinham tido um papel fundamental no processo criativo.

E eles reconheciam isso?
Percebiam que a falha ou o fracasso eram importantes, mas fora do ambiente do ateliê reproduziam o discurso convencional, segundo o qual a criatividade não depende assim tanto da tentativa-erro. Tudo isto chamou a minha atenção. Comecei a procurar outros casos e a escrever sobre isso. Foi assim que publiquei o meu primeiro livro [“The Rise”, 2014], ainda antes de ser professora em Harvard.

"Felizmente, percebemos hoje que no caminho que leva à inovação, o termo fracasso não tem de ser utilizado. É como se disséssemos que os meses de inverno são um erro, uma falha, por não serem ainda a primavera. Ora, é preciso aceitar a transição, só assim conseguiremos chegar ao outro lado"

Como é que percebeu que poderia aplicar essas ideias ao mundo empresarial?
A criatividade não existe apenas no domínio das artes, refere-se a todas os momentos em que conseguimos ir além dos padrões e dos caminhos já traçados. A criatividade está ligada à experimentação. A minha investigação levou-me, por isso, ao meio empresarial, à realidade dos empreendedores, e passou também pela área do desporto de alta competição. No fundo, o que faço é pensar sobre como damos forma aos nossos objetivos de vida.

Diria que os artistas são mais capazes de reconhecer o fracasso? Mais do que os empresários?
Poderia responder que sim, é uma comparação fácil de estabelecer, mas cada vez é menos verdade, penso eu. O mundo digital mudou tudo, tem vindo a forçar a inovação por parte de todas as empresas, não só as tecnológicas, tem tornado as estruturas mais vulneráveis à competição e à disrupção. Terei, no entanto, de reconhecer que no mundo da criação artística há maior tolerância aos desaires e às falhas.

A ideia de fracasso é central no seu discurso. O que é o fracasso?
Em última análise, é toda a informação que podemos utilizar para nos aperfeiçoarmos. Isto de forma muito direta. Mas também já não acredito no valor da palavra “fracasso”. É algo de que ninguém quer falar, talvez por ser visto como o fim da meta. Para mim, é outra coisa, é uma experiência catalisadora que nos leva a outro plano. Se olharmos o fracasso como catalisador, não nos importaremos de assumir que falhámos. Por isso mesmo, precisamos de outro termo, embora eu continue a utilizá-lo porque é reconhecível pelas pessoas. Se virmos o fracasso como uma forma de descrever a pessoa que somos, a nossa identidade, é óbvio que queremos o fracasso à distância. Nos primórdios do setor bancário, falhar equivalia à ruína financeira, ou seja, ao fracasso profissional e pessoal. Felizmente, percebemos hoje que no caminho que leva à inovação, o termo fracasso não tem de ser utilizado. É como se disséssemos que os meses de inverno são um erro, uma falha, por não serem ainda a primavera. Ora, é preciso aceitar a transição, só assim conseguiremos chegar ao outro lado.

"O que é o sucesso? É uma etiqueta que alguém nos cola quando atingimos um determinado ponto que a sociedade em geral considera bom. (...) A sociedade diz que isso é um sucesso, logo, é sucesso. O mesmo se passa com o fracasso"

O fracasso é parte integrante do processo de inovação?
Exatamente. Parece uma falha, mas não é. Faz parte.

Sendo assim, qual é o termo que prefere agora?
Em vez de fracasso, gosto de falar em vitórias parciais [“near win”].

A sua proposta é uma espécie de psicanálise do mundo dos negócios. Tudo pode ser alterado se mudarmos a interpretação que damos àquilo que corre mal. É assim?
Claro. Trata-se de pôr em causa quem tem o poder de definir uma determinada experiência. Pensemos no sucesso. O que é o sucesso? É uma etiqueta que alguém nos cola quando atingimos um determinado ponto que a sociedade em geral considera bom. Se alguém conseguiu tornar-se professor em Oxford, diz-se que teve sucesso, mesmo que ir para Oxford até nem fosse o maior sonho da vida daquela pessoa. A sociedade diz que isso é um sucesso, logo, é sucesso. O mesmo se passa com o fracasso. É uma etiqueta que nos colam, não necessariamente o que pensamos sobre nós mesmos. Só cada pessoa é que sabe o que pensa e quais são os seus objetivos reais. Sim, é uma questão de interpretação, mas também de contexto. Há muitas obras de arte que consideramos obras-primas, as melhores de um certo autor: das pinturas de Paul Cézanne aos livros de Franz Kafka. E se eles considerarem apenas vitórias parciais aquilo a que chamamos obras-primas?  Kafka queria todos os seus livros queimados quando morresse, porque não os via como o melhor que poderia ter feito.

Parece haver aí uma ligação aos estudos africanos, que procuram reinterpretar a forma como o ocidente olhou para os povos da periferia.
Sem dúvida, até porque pensar a realidade afroamericana ajudou-me nestas investigações. Como afroamericana, cresci a sentir, e por vezes ainda sinto, que sou subestimada. O outro pensa que pode interpretar quem sou, que pode pôr em causa os objetivos que alcanço, dizendo que não são assim tão importantes.  Esse sentimento acaba, paradoxalmente, por ser uma espécie de chama que me permite continuar. Foi por isso que tive imediata empatia com as experiências de fracasso que me relataram e que aparecem no meu livro, eu própria já tinha essa sensação de ser vista como um fracasso.

"Isto significa que um bom líder precisa de se relacionar com a confusão que está no meio e pode fazê-lo dando apoio aos colegas ou empregados, mas também assumindo os seus próprios desaires, os fracassos que o levaram à liderança"

Na conferência em Lisboa desenvolveu um conceito que parece ter chamado a atenção do público. Disse que os líderes devem focar-se mais no alcance (reach) e não na meta (arrival). Pode resumir esta ideia?
Penso que um bom líder deve dar tanta atenção ao processo de criação quanto ao produto final. O caminho que leva ao objetivo é fundamental. Isto significa que um bom líder precisa de se relacionar com a confusão que está no meio e pode fazê-lo dando apoio aos colegas ou empregados, mas também assumindo os seus próprios desaires, os fracassos que o levaram à liderança. É isso que faz Oprah Winfrey, quando fala em público sobre aquilo que passou antes de chegar ao lugar em que está hoje. Precisamos que as pessoas percebam que o fracasso é um modelo de comportamento e que digam que não há problema em errar e fracassar.

Como é que o líder de uma empresa ou organização deve assumir que errou? Há sempre perigo de o erro ser encarado como uma incapacidade e isso pode gerar falta de confiança no líder.
Vamos partir do princípio de que assumir o fracasso é sentir-se responsável por ele. O fundamental é a pessoa trabalhar num ambiente que lhe permita assumir isso. Por outro lado, defendo que quando a cultura de uma organização está realmente mergulhada na lógica da inovação não é sequer necessário assumir que se fracassou, porque se aceita que fracassar faz parte do processo e a pessoa não tem de se sentir humilhada ao dizer que deu um passo em falso. Os próprios líderes podem ajudar a criar esse ambiente. Um bom exemplo é a organização não governamental Engineers Without Borders, do pai de Bill Gates, que apresenta relatórios dos fracassos, ao lado dos relatórios anuais. É uma boa forma de passar a mensagem: a nossa cultura, como organização, é esta, aqui está tudo o que fizemos mal este ano, não há motivo para nos envergonharmos.

É uma prática ainda pouco disseminada ou não?
As coisas têm vindo a mudar. Aliás, se tivesse de escrever outro livro, e estou a escrever outro, não escolheria o tema do fracasso. Tem havido alguma evolução. Neste momento, estou a escrever sobre a visão, a forma como a sociedade altera a maneira como olhamos a realidade.

"Penso que o anonimato na internet é um dos principais problemas e tem vindo a alterar a maneira como nos comportamos perante os outros. Nunca faríamos certos comentários pessoalmente"

Os líderes e profissionais não se sentem condicionados a assumir o fracasso numa época em que, por exemplo, as redes sociais atuam muitas vezes como plataforma de julgamento imediato e de crítica destrutiva?
Penso que o anonimato na internet é um dos principais problemas e tem vindo a alterar a maneira como nos comportamos perante os outros. Nunca faríamos certos comentários pessoalmente, mas sentimos que podemos fazê-los no ambiente online, sem termos em conta a repercussão pública das redes sociais. Isso terá de levar as organizações a lidar com aquilo a que chamo desconhecimento desconhecido, ou seja, as coisas que não sabem que não sabem. Isso traduz-se, por exemplo, em ouvir pessoas de fora da organização na hora de lançar campanhas de marketing. É preciso que as lideranças confiem nas suas equipas, mas, ao mesmo tempo, que aceitem outras vozes e identidades, membros externos com outras competências [“outside expertise”], capazes de levarem à organização perspetivas novas. As próprias lideranças deveriam incluir essas outras vozes externas. Todos precisamos de ver para lá do lugar que ocupamos.

Pode dar-nos um exemplo de um erro que pôs em causa um indivíduo ou uma organização? E um exemplo de um fracasso que tenha sido determinante para o sucesso?
É difícil dar exemplos concretos. O que posso dizer a quem vai ler esta entrevista é o seguinte: pensem em todo o arco evolutivo do vosso produto tecnológico preferido. O iPhone, por exemplo. Quase todas os produtos, para serem o que são hoje, passaram por muitos fracassos, que, no fundo, foram oportunidades para apuramento do próprio produto. É um exercício que faço com os meus alunos: peço que pensem na vida do artista preferido, ou seja, no arco evolutivo. É assim que encontramos as histórias de sucesso.

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