“Paulo, Paulo”, tinham de gritar os assessores sempre que o líder do CDS avançava sozinho e abandonava Maria Luís Albuquerque, cabeça de lista de Setúbal. Na primeira ação de campanha a solo durante o período oficial, foi Paulo Portas quem conduziu a comitiva pelo meio dos trabalhadores que soldavam, cortavam e pintavam grandes peças de metal numa fábrica em Setúbal, esquecendo-se por vezes da ministra das Finanças. O vice-primeiro-ministro parava então, e recebia de volta Maria Luís Albuquerque com um sorriso. Fora estes lapsos, estiveram sempre juntos, embora com atitudes diferentes. Portas mais confiante e Albuquerque mais retraída.

O pano de fundo estava criado em Setúbal para mais uma ação de campanha Portugal à Frente com jovens da JP e da JSD a abanarem bandeiras, a comitiva da empresa Lauak reunida à frente do edifício, líderes locais da coligação e os jornalistas em posição. Só faltava mesmo Paulo Portas, que pela primeira vez durante o período oficial de campanha se afastou de Passos Coelho. Chegou com meia hora de atraso, mas compensou durante a visita com cumprimentos, perguntas sobre o negócio e um ritmo acelerado, talvez devido à quantidade de cafés consumidos – bebeu pelo menos dois nas duas horas em que decorreu a visita.

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Portas chegou atrasado à ação de campanha em Setúbal © Hugo Amaral/Observador

Com tantas milhas percorridas nos últimos quatro anos, ora como ministro dos Negócios Estrangeiros, ora como vice-primeiro-ministro, apanhar um avião já deve ser tão natural para Paulo Portas como apanhar um táxi no centro de Lisboa.

Portas levava uma vantagem desleal. A esta altura, e com tantas milhas percorridas nos últimos quatro anos, ora como ministro dos Negócios Estrangeiros, ora como vice-primeiro-ministro, apanhar um avião já deve ser tão natural para Paulo Portas como apanhar um táxi no centro de Lisboa e, por isso, visitar a fábrica da Lauak, empresa que produz peças para aviões militares e comerciais, não lhe causou nenhuma estranheza. Entretido com que o que ia vendo à sua volta, Paulo Portas perguntou a certo ponto a um dos diretores se já tinha visto “o Boeing com duche”. “Qualquer dia temos um spa num avião”, gracejou o governante enquanto partia para mais um aperto de mão a uma funcionária.

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Paulo Portas tem aparecido sempre ao lado de Passos Coelho e essa parece ser a estratégia da coligação. Líderes que governam em conjunto, ficam juntos em período de campanha. Mas o ritmo e estilo dos dois políticos não podiam ser mais diferentes. Passos prefere conversas arrastadas e longos discursos, Paulo Portas prefere tiradas marcantes e fazer rir as pessoas com quem se cruza. As duas horas que esteve em Setúbal não fugiram ao seu modus operandi, onde puxou dos galões para falar sobre as empresas multinacionais sediadas em Portugal, mostrar o seu conhecimento sobre feiras internacionais e dar a entender que as reformas são essenciais para a recuperação do país.

Na segunda-feira, mudou de parceira. Desde 2013, altura em que Portas saiu de forma “irrevogável” do Governo para voltar poucos dias depois como vice-primeiro-ministro, que a relação entre os dois é vista como tensa. Portas demitiu-se por discordar da escolha de Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças, substituindo Vítor Gaspar. Para o CDS, esta escolha era uma mera continuidade da política do anterior ministro – considerado demasiado inflexível e seguidista das orientações vindas da Alemanha. Para Portas, era importante que Portugal negociasse mais com a troika as metas orçamentais, pois só assim haveria uma folga que permitisse animar a economia. A demissão irrevogável de Portas, contudo, foi travada por Passos Coelho que convenceu o líder do CDS a ficar no Governo oferecendo-lhe o lugar de nº2 no Governo e dando a este partido a ambicionada pasta da Economia (que ficou com António Pires de Lima).

A relação entre Portas e Maria Luís Albuquerque foi sempre uma incógnita. Logo na tomada de posse, que se seguiu à polémica remodelação, os dois eram fotografados a conversarem e a sorrirem. No Parlamento ou nos momentos em que apareciam juntos ao longo dos últimos dois anos, não houve um gesto que traísse a imagem de que tudo corria agora bem, apesar de ter começado com o pé torto. Os centristas gostam de avançar uma explicação: a influência de Portas e Pires de Lima para travar a ditadura do Excel.

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Maria Luís Albuquerque, Paulo Portas e Nuno Magalhães tomam notas © Hugo Amaral/Observador

Quem espera por Paulo Portas, desespera. Mas assim que chega, não há um momento morto. Depois do atraso na chegada à Lauak, o vice-primeiro sobe os degraus que conduzem ao escritório da empresa com destreza, enquanto Maria Luís Albuquerque e Matos Rosa, secretário-geral do PSD, preferem o elevador. A acompanhar Portas está Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS e terceiro na lista a Setúbal. Ao entrar na sala preparada para receber as visitas, Portas pede logo um papel e uma caneta – será o que mais vai tomar apontamentos durante a intervenção que se segue.

Esta empresa e o seu negócio não são novidade para o centrista. Esteve com a Lauak a meio de junho deste ano no Salão Internacional da Aeronáutica e do Espaço em Paris onde falou sobre o “novo ciclo” da economia portuguesa aos investidores do setor. Para além de ter assumido as rédeas da diplomacia económica nos últimos quatro anos, Paulo Portas foi também ministro da Defesa no Governo de Durão Barroso e mostra um interesse particular na aviação (até tem no escritório da sua casa uma secretária feita a partir de uma asa de um avião). Enquanto Armando Gomes, diretor geral na Lauak em Portugal, falava sobre as peças ali produzidas e mostrava as tendências da aviação para os próximos anos, Portas foi perguntando como ia disputa entre a Airbus e a Boeing e mostrava conhecer alguns detalhes da fabricação de modelos militares como o Falcon e o TB30.

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Portas cumprimentando um dos trabalhadores da Lauak © Hugo Amaral/Observador

“Queremos ter mais verde e pouco cor-de-rosa”, desabafou o diretor. “Parece-me bem”, disse prontamente a ministra das Finanças fazendo despertar gargalhadas na sala em alusão às cores do PS.

Em linhas gerais, nos próximos 20 anos vão ser precisos mais 38 mil novos aviões. Uma boa notícia para o setor, mas que coloca alguns desafios à empresa. Armando Gomes olhou para o placard de cortiça com a estratégia da empresa e lamentou haver tantos post it cor de rosa, muitos deles com as letras PROB em letras maiúsculas. “Queremos ter mais verde e pouco cor-de-rosa”, desabafou o diretor. “Parece-me bem”, disse prontamente a ministra das Finanças fazendo despertar gargalhadas na sala em alusão às cores do PS, maior adversário da coligação.

Paulo Portas perguntou ainda pelo número de mulheres na empresa. 42%, respondeu o diretor. Um número que pareceu contentar o vice-primeiro-ministro, que tem sido criticado pelas afirmações num jantar da coligação em que disse que as mulheres “sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos”. A visão de mulher-fada do lar foi muito criticada nas redes sociais.

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Paulo Portas aproveitou para inspecionar algumas peças durante o controlo de qualidade © Hugo Amaral/Observador

Depois da explicação, mais ação. Na parte administrativa da empresa trabalham alguns alunos formados no Instituto Politécnico de Setúbal e Paulo Portas vai perguntando qual é a sua formação, o que estão a fazer, detém-se a olhar para os monitores. “Limpa a sala” com apertos de mão vigorosos em cinco minutos e está pronto para a próxima etapa. Maria Luís Albuquerque vai estendendo o braço aos mais jovens e dizendo “prazer”, apresentando-se como “Maria”.

A fumar fora da fábrica encontra dois trabalhadores. “Aqui é o fumómetro? [o homem e a mulher abanam a cabeça com surpresa] Como vos compreendo!”, exclama o vice-primeiro-ministro, que não abandonou o vício do tabaco.

Na curta viagem até à fábrica propriamente dita, Paulo Portas vai falando com o diretor-geral e aproveitando para lhe pedir opinião sobre algumas questões. Armando Gomes foi para França com 14 anos e voltou em 2004 para estabelecer a Lauak em Portugal, trazendo também o filho. O vice-primeiro-ministro perguntou o que o diretor achava da economia francesa e avisou que “se não fizerem reformas, vão perder competitividade”, dando a entender que até um Governo socialista tem de se vergar perante as evidências da necessidade de disciplina orçamental.

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As peças são pintadas à mão, antes de passarem pelo controlo de qualidade © Hugo Amaral/Observador

Na fábrica, Paulo Portas desdobrou-se em cumprimentos e alguns abraços apertados, tentando não perturbar (sem sucesso) quem trabalhava em tarefas mais ou menos minuciosas. No final de 2004, o centrista, então ministro da Defesa, privatizou as OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico  e atualmente designada como OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A..), uma empresa que fazia manutenção de aeronaves, vendendo grande parte do seu capital aos brasileiros da Embraer e à EADS, uma decisão que ainda hoje é criticada. No final da visita, Portas disse que ali encontrou “soldadores, mecânicos e engenheiros” que tinham aprendido nas OGMA. “Tantas vezes eu oiço certas esquerdas dizer mal da privatização e deviam olhar para o exemplo das OGMA. Eu recebi a OGMA falida, a decisão mais fácil seria fechar as portas, eu fui pelo caminho mais difícil, reestruturar e privatizar”, sublinhou o vice-primeiro-ministro.

Com Passos Coelho no Conselho Europeu extraordinário em Bruxelas esta quarta-feira, será o centrista a assumir as rédeas da campanha. Mais uma oportunidade para o vice-primeiro-ministro sair do papel de número dois e assumir mais uma vez o protagonismo.

Texto: Catarina Falcão

Fotografia: Hugo Amaral