Terá a cultura prioridade quando os Estados de Emergência terminarem? Será que as artes de palco serão das primeiras a retomar o ritmo ao longo de 2021? O tempo é inesperado. “Apesar dos obstáculos e incertezas, abrimos caminhos alternativos para o encontro com as artes”, dizia uma newsletter recente do Teatro Académico de Gil Vicente, de Coimbra. “Se o espaço do teatro é a possibilidade do comum, procurámos resistir ao confinamento, imaginando momentos de partilha e de futuro.” O futuro?

Sabe-se apenas, para já, que são inúmeras as propostas em cartaz para os primeiros meses do ano que começa — ao contrário do que vinha sendo hábito. As principais salas não anunciavam a nova programação em fins de dezembro e regra geral esperavam alguns dias ou semanas até janeiro estar bem entrado. Mas o teatro e a dança fervilham por estes dias, provável testemunho de uma ânsia de fazer acontecer, depois de um 2020 de quase inatividade.

Há exceções, claro. A Companhia de Teatro de Almada, que em 2021 comemora 50 anos de existência, anunciou que vai cumprir a tradição e divulgar a 8 de janeiro o programa para os próximos meses. Mas a sensação é esta: os espetáculos adiados pelas medidas de contingência face à covid-19 precisam de agenda no imediato, para não se sobreporem às criações de 2021.

“Não vou parar neste final de ano, vou continuar a destrancar as fechaduras do medo, da impossibilidade e do fatalismo”, assinalou o Teatro o Bando, de Palmela, num email de divulgação em vésperas do Natal. Quem sabe o que acontece agora e entretanto? Eis uma seleção do que está agendado para janeiro e fevereiro nos palcos portugueses.

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A Coragem da Minha Mãe

dos Artistas Unidos

Texto do dramaturgo húngaro George Tabori (1914-2007), com tradução de António Conde e encenação de Jorge Silva Melo. “A improvável salvação da mãe de Tabori, por ele contada, aquando da deportação de quatro mil judeus de Budapeste para Auschwitz em julho de 1944.” O espetáculo fez novembro e dezembro no Teatro da Politécnica, em Lisboa, e regressa de 6 a 23 de janeiro (“por todas as sessões que foram canceladas no contexto das restrições de circulação e limitações de permanência no espaço público, resolvemos estender a carreira” da peça, informaram os Artistas Unidos). Com Pedro Carraca, Antónia Terrinha e Hélder Braz.

“A Coragem da Minha Mãe”

Multiversidade

de Rogério Nuno Costa

Descrita como uma conferência-performance que “especula sobre uma universidade de múltiplos que explora o fracasso humano como forma de alcançar o novo, contrariando o sistema atual”, a proposta de Rogério Nuno Costa vai estar no espaço Rua das Gaivotas 6, em Lisboa, de 6 a 8 de janeiro. “A defesa de uma tese para a especulação (futura) de uma universidade queer.”

O Pequeno Livro dos Medos

de Elsa Galvão

“O João tinha medo de tudo. Mas de tudo, mesmo. Porque até as coisas que hoje não lhe causavam medo lhe iriam certamente causar medo amanhã. Era esse o medo que mais o afligia: o medo dos medos desconhecidos.” Peça infantil com texto de Sérgio Godinho e adaptação, encenação e interpretação de Elsa Galvão, para ver no Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, de 9 a 17 de janeiro.

A Força do Hábito

de Nuno Carinhas

Texto do austríaco Thomas Bernhard (autor habitual no Theatro Circo, de Braga), agora com encenação de Nuno Carinhas e interpretação de Fernando Landeira, Roberto Jácome, Sílvia Morais, Susana Gouveia e Tiago Moreira. Estreou-se a 20 de novembro no Teatro das Beiras, na Covilhã, e chega ao Theatro Circo a 12 de janeiro (no dia 15 está no Teatro Lethes, em Faro, e a 22 segue para o Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra). “A vida de todos os mortais precisa de narrativas construídas pelos artistas. E de que se alimentam os artistas para sua sobrevivência, para além do cheiro do público?”

“A Força do Hábito”

Cabaret Repórter X

de André Murraças

Em Lisboa, no Teatro Municipal São Luiz, de 13 a 31 de janeiro, André Murraças apresenta uma “peça de teatro musical em forma de cabaret sobre a vida do mais famoso jornalista português”, com Francisco Goulão, Joana Manuel, João Duarte Costa, Miguel Raposo e Mónica Garnel. O homem de quem se fala é Reinaldo Ferreira, que ficou para a história como Repórter X, “falso jornalista de reportagens em locais onde nunca esteve, incrível ficcionista, malogrado pai de família, morfinómano assumido, fundador de jornais e realizador de cinema”. Em Cabaret Repórter X, “viajamos às noites dos cabarets lisboetas dos anos 20 e circulamos entre as histórias reais daquele ambiente boémio e as histórias inventadas pelo repórter que deliciava a cidade”.

“Cabaret Repórter X”

A Destruição de Sodoma

de António Pires

É uma das três peças de Federico García Lorca que o encenador António Pires recria agora para o público lisboeta (depois da estreia prevista para março de 2020, que não chegou a acontecer devido às medidas de contingência da pandemia). A Destruição de Sodoma (na Galeria Graça Brandão, de 13 de janeiro a 7 de fevereiro), Yerma (Teatro do Bairro, 13 de janeiro a 7 de fevereiro) e Bodas de Sangue (Teatro Municipal São Luiz, 10 a 21 de fevereiro) compõem a Trilogia Dramática da Terra Espanhola, um ciclo de três textos em três palcos, com o mesmo elenco, como se de uma única obra se tratasse. Os espaços cénicos são desenvolvidos pelos arquitetos João Mendes Ribeiro, João Nunes e Iñaki Zoilo, e ainda Manuel Aires Mateus e Sia Arquitectura. A lista de intérpretes é extensa: Alexandra Rosa, Carolina Campanela, Carolina Serrão, Francisco Vistas, Hugo Mestre Amaro, João Barbosa, João Maria, Marina Albuquerque, Mariana Branco, Sofia Marques, Rafael Fonseca e Rita Durão.

[registo de um ensaio publicado no Facebook]

Ensaio Yerma. Ritta Maria Durão e Francisco Vistas (@cochicochicochi )

Posted by Teatro do Bairro on Tuesday, December 29, 2020

Off

de Mala Voadora

Depois da estreia em outubro último no Teatro Carlos Alberto, no Porto, a mais recente criação da companhia Mala Voadora chega ao Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, de 14 a 31 de janeiro. Encenação de Jorge Andrade, texto de Chris Thorpe, com Andreia Bento, Jorge Andrade e Maria Jorge. “Um espetáculo sobre o fim”, diz a sinopse. “Em 2017, a companhia Mala Voadora teve a ideia de que em 2020 iria fazer Off, sobre o fim de um ciclo, o fim das nossas vidas, o fim do planeta, o fim de novas ideias, o fim da Mala Voadora. O fim de tudo. Numa altura em que o fim, apesar de inevitável, era imaginado mais distante do que agora. Pensava-se que haveria tempo para inventá-lo. Mas o presente roubou esse tempo.”

Perfeitos Desconhecidos

de Pedro Penim

Com tradução, adaptação e encenação de Pedro Penim, Perfeitos Desconhecidos é a comédia de Paolo Genovese que o Teatro Maria Matos, em Lisboa, apresenta a partir de 14 de janeiro. “Um grupo de amigos de longa data organiza um jantar. A anfitriã propõe um jogo: cada um deixa o telemóvel sobre a mesa e cada mensagem ou chamada que chega é lida e ouvida por todos, afinal entre amigos não há segredos.” Pode-se imaginar o que se segue. Ana Guiomar, Cláudia Semedo, Filipe Vargas, Jorge Mourato, Martinho Silva, Samuel Alves e Sara Barradas são os intérpretes.

“Perfeitos Desconhecidos”

Folle Époque

de SillySeason

Mais uma estreia de outubro no Teatro Carlos Alberto (aliás, com antestreia na Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré) que agora desce a Lisboa. Criação do coletivo SillySeason, Folle Époque “celebra o centenário dos Loucos Anos 20” e está em cena no Centro Cultural de Belém de 16 a 19 de janeiro (segue em data a anunciar para o Centro Cultural Olido, em São Paulo, no Brasil). O espetáculo é assinado por Cátia Tomé, Ivo Saraiva e Silva e Ricardo Teixeira e “propõe uma revisitação histórica à luz dos tempos em que vivemos”, como se os anos 20 do século XX fossem também os anos 20 que vivemos agora. “A loucura e os seus excessos inerentes espelham o conflito ético-moral da pós-modernidade.”

Sempre Que Acordo

de Lara Mesquita

Lara Mesquita dirige e interpreta (ao lado de Cirila Bossuet) “um espetáculo biográfico que analisa o racismo estrutural em Portugal como fator determinante na construção da identidade de duas mulheres negras portuguesas.” Uma conferência-performance no Centro de Artes de Lisboa, de 21 a 31 de janeiro. “A partilha de experiências reais, inerentes à condição de ser negra, serve de catalisador para o reconhecimento e compreensão dessa vivência.”

“Sempre Que Acordo”

Porta

de O Bando

De 28 de janeiro a 28 de fevereiro, um texto inédito de Gonçalo M. Tavares encenado por João Brites para o Teatro O Bando, em Palmela. “Em cena, Juliana Pinho estará sozinha, em diálogo constante com a impaciência”, descreve a companhia. “E a impaciência pesa e não se pode colocar no chão para depois a vir buscar mais tarde. Não é assim um peso tão fácil de dispensar. A impaciência não se pode esquecer, mesmo nos ataques de amnésia. Há acidentes violentos em que a cabeça e as mãos perdem tudo, todo o raciocínio e memórias, mas mantêm a impaciência”, escreve Gonçalo M. Tavares.

Rubble King

de Duarte Valadares

Dança contemporânea por Duarte Valadares, em cocriação com André Cabral. “Uma entidade dentro de uma caixa de areia, um local de informação ilimitada, um circuito excessivamente produtivo à procura de arquétipos para alimentar.” É um dos espetáculos adiados em março, quando a pandemia se instalou, e finalmente chega ao Teatro Municipal do Porto a 6 de fevereiro. A interpretação prevista de André Cabral dá lugar à de Marco da Silva Ferreira.

Vaamo Share Oque Shop é Beiro Pateiro

de Vera Mantero

É uma das propostas para a 11ª edição do GUIdance, festival internacional de dança contemporânea de Guimarães (de 4 a 13 de fevereiro). Estreia absoluta, no Centro Cultural Vila Flor, a 11 de fevereiro. Coreografia de Vera Mantero com a Companhia Dançando com a Diferença (que celebra 20 anos de atividade).

Partilhas

de Filipa Francisco

O Festival Materiais Diversos (Alcanena) mostrou-o em 2019. Em 2021, Partilha/Exchanges, da coreógrafa Filipa Francisco, passa por Coimbra: 26 de fevereiro, Teatro Académico de Gil Vicente. “A peça faz-se leitura de um caderno, faz-se dança, faz-se ação, num espaço onde o público é público, é testemunha, é personagem, participante das várias vozes num só corpo, de uma viagem.”

A Noite da Dona Luciana

de Ricardo Neves-Neves

Texto do argentino Copi numa versão de Ricardo Neves-Neves, que desde 2016 tem dado a volta ao país e vai em fevereiro a Ílhavo: 26 a 28 no Teatro Vista Alegre (segue a 13 de março para o Cineteatro Joaquim d’Almeida, no Montijo). “Comédia irreverente e florida” passada num teatro. “O ensaio é interrompido por uma velha stripper transexual, que se envolve num confronto com a companhia, lançando o espectador numa espiral entre a verdade e o delírio, a paixão e o humor negro.” Com Custódia Galego, José Leite, Márcia Cardoso, Rafael Gomes, Rita Cruz e Vítor Oliveira.