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ESTELA SILVA/LUSA

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O que é que o teatro tem e o que lhe falta?

No Dia Mundial do Teatro Nuno Costa Santos estendeu o microfone aos artistas e ouviu declarações de amor, desabafos, críticas, revelações e desejos.

Num grupo muito diverso de agentes, de actores profissionais e amadores a programadores e escritores, há quem prefira celebrar a fantasia pura e primordial do teatro como há quem se concentre num discurso mais analítico, definindo conceitos, criticando apostas, exigindo outra atenção por parte do público e dos poderes. E há quem conte tão só a sua história da sua aproximação à arte. Cada um diz o que quer e o que lhe apetece. É o que se faz num dia de festa e celebração.

Carlos J. Pessoa, dramaturgo e encenador

Carlos J Pessoa

O que é urgente no teatro em Portugal? Dar voz à arte, ao teatro de arte, ao fazer comprometido com a vida nua, a que se desprende da conveniência, do juízo e do favor; a que exorta a uma liberdade fecunda que é mais do outro que minha; a que, como uma inspiração longamente perseguida, se expressa em anarquia feliz; dar voz à vozearia e ao espanto sem receio, nem preconceito diante da nova beleza. Viva o Teatro.

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Francisco Frazão, programador cultural

O que está mal (e a culpa também é minha): falta de memória e discurso crítico, ambos reduzidos às listas de final do ano; precariedade laboral, desigualdade no acesso aos “meios de produção”; “festivalização” dos programas das grandes instituições (proliferação de “eventos”, carreiras muito curtas), sem espaço para o teatro como coisa normal, quotidiana; tempos de criação demasiado concentrados que, aliados às parcas possibilidades de circulação, fazem com que os espectáculos raras vezes cheguem a ser o que deviam. O que está bem (graças ao esforço de muita gente): projectos novos que ainda arriscam na ideia de criar companhias; espaços (periféricos) que as apresentam; muita coisa para ver, pelo menos nas grandes cidades (é o reverso da medalha da “festivalização”); grupos com vontade, capacidade e relevância para se internacionalizarem (até porque por cá o futuro permanece pouco animador)

Ricardo Neves-Neves, dramaturgo e encenador

Gostava de poder recuperar os vários teatros que estão fechados ou transformados em bancos, hotéis ou centros comerciais. E que neles se pudesse trabalhar com dignidade, com temporadas superiores a uma semana e, claro, com muito público.

André e. Teodósio, encenador e escritor

André E. Teodósio

No Dia Mundial do Teatro é preciso perceber o que o teatro não é. Por negação, talvez possa surgir uma ideia daquilo que o teatro enquanto modo de existência diversificado pode estar-a-ser. É que o teatro, convém desde já clarificar, não é uma coisa só. Não é só uma estrutura construída positivamente por especialistas num determinado terreno. Não é só definidora de uma certa ‘movida’ das cidades. Nem tão pouco o sitio onde se vai mostrar roupa e tossir nos intervalos enquanto se come um rebuçado. Se é certo que não é aquele sitio onde o público está separado dos variados agentes técnicos tão pouco é a condição de exibição de coisas. Não é um único modo de fazer, exclusivo, nem um só tipo de expressão. Tanto não é aquele sítio que chucha dinheiro ao Estado como também não é só uma actividade que gera dinheiro e dinâmica social. Não é uma tradição grega definidora de uma determinada expressão cultural europeia. Não é só dependente de ‘pessoas do teatro’ e seus amadores e amantes como também não é só assente na transmissão de um texto: não é só sobre nada, nem a partir de coisa alguma, nem para dar um tipo de consciência sobre um outro tema qualquer ou, pelo menos, um só tipo.

"Não há a noção nem a convicção de que a Cultura faz parte da formação do indivíduo e das suas necessidades intrínsecas. Não basta voltar a ter um Ministério da Cultura, que já por si, enquanto fenómeno, é suficientemente esclarecedor. Urge saber e concretizar que as Artes -- e o Teatro em específico -- têm de ser um serviço e uma prioridade públicas e direccionadas à(s) Pessoa(s)."
Iolanda Laranjeiro, actriz

Não tem só pais ou mães, patronos e especialistas ou qualquer outro tipo de relação de poder. Não é facilmente definido e não tem só as categorizações resultantes da academização de determinados tipos de expressão. Não é só ‘bom em todo o lado’, repetível (ainda que com uma mínima diferença) e ‘pertinente’, ‘lúcido’, ‘importante’ ou ‘fundamental’. Teatro não é só ‘teatrada’. E por isso, no Dia Mundial do Teatro é preciso perceber que o teatro não é uma coisa só. Isso é simplificar uma realidade de co-culturas à luz do interesse do privilegiado. Se bem que, lendo a lista para trás, e vendo a simplicidade daquilo que se tem que o teatro seja, eu não me importaria de dirigir um teatro desses. Dirigi-lo contra uma árvore. E depois começaria o Dia Mundial da Árvore, que também é Teatro.

Dinis Neto, actor

Defendo que o Estado deve apoiar, através de concursos, monetariamente, todos aqueles que decidam pôr de pé um espectáculo e concorram a esses apoios estatais. Mas todo este processo — desde a escolha do júri, às características dos questionários — têm ainda que sofrer alterações. Os artistas não se podem reger pelas regras do mercado. Não podem ser obrigados a encher salas, não podem moldar as suas vontades para agradar a maioria. Isso terá resultados muito maus a médio-longo prazo. Mas também há quem desista deste processo de apoio estatal. Até porque nem todos podem usufruir desses dinheiros e assim começam a criar um tipo de espectáculo que é moldado pela precariedade. E torna-se também “escola”.

O que o governo devia criar, a par dos concursos, é uma rede de intercâmbio de câmaras e juntas para fazer primeiro o hábito nas pessoas de conhecerem textos antigos, os clássicos, e tentar com os mais novos, em tom de workshop, promover leituras e reinterpretações destes textos.

E ainda há os mecenas que não existem. E que lá fora patrocinam sem querer mais do que a hipótese de estarem metidos num evento cultural e isso dá-lhes prestigio.

De resto, há mau teatro que é bem considerado e inovador, com uma linguagem moderna, para um público urbano e jovem, e na realidade não é, porque não chega só agradar a uma elite. Por outro lado há grupos mais interessados em abordar textos de literatura, filosofia, psicologia e é um teatro mais interior. Menos virado para fora, para a assistência.

Cláudia Lucas Chéu, dramaturga

Porque é que escrevo para teatro? Já pensei algumas vezes sobre isto e a resposta é: não sei. Talvez tenha sido uma consequência natural da minha formação em Literatura e Teatro. Mas não houve ambição ou plano para o começar a fazer. Surgiu como uma vontade de escrever apenas, para cena ou sem ser para cena. A coisa deu-se.

Ricardo Vaz Trindade, actor

O teatro serve para transgredir. É um sítio onde podemos fazer o que cá fora não podemos, por motivos morais, sociais, económicos e políticos. É diferente do audiovisual porque envolve o perigo da carne.

Miguel Fragata (actor e encenador) e Inês Barahona (dramaturga)

miguel inês barahona

O que faz falta ao teatro em Portugal?
Massa crítica: público (cada vez mais público!), programadores, críticos, artistas…
Uma educação que forme indivíduos capazes de gerar massa crítica.
Condições estáveis para os artistas, estruturas e equipamentos.
Entregar os lugares de decisão a quem realmente compreenda e conheça o que é o teatro.
Um orçamento digno para a cultura e tempo, continuidade.
Política cultural, uma ideia de cultura, mesmo.
Escrever para o público mais jovem.

O teatro é escrever. Primeiro e antes de mais.
É escrever sem concessões.
É escrever sem preconceitos. Escrever para testar permanentemente aquilo que se escreve junto do público a quem queremos chegar.
É escrever com preocupações de legibilidade, tempo, ritmo, compreensão.
É escrever com rigor, com exigência, com inteligência.
É escrever.

José Maria Vieira Mendes, dramaturgo e escritor

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Porque escrevo para teatro? A literatura dramática é um género literário com uma forte tradição que a encosta a uma relação não apenas próxima como necessária com o teatro. Exemplo disso, o facto de se utilizar a palavra teatro tanto nas estantes de uma livraria como na programação de uma sala de espetáculos. Esta tradição, com contornos autoritários, é uma das razões que me faz continuar a escrever literatura dramática. Visto assim, o funcionamento deste género literário é semelhante a uma política ou quotidiano que naturalizaram uma normalidade e “toleram” os “desvios”, encostando-os à margem. Gosto de escrever neste lugar onde o leitor ou o hábito é mais forte que a escrita, porque se aproxima de uma ideia de discurso que me está próxima: a de que o discurso, em certos aspectos, está fora do nosso controlo. É aqui que reclamo para a literatura dramática não o espetáculo mas o livro, ou seja: esforço-me ingloriamente por libertar a peça de uma ideia de encenação ou concretização em palco e peço para ela o livro e a literatura de onde a história e o teatro a afasta. Escrever para teatro é, então, procurar um lugar fora do teatro ou, dito de uma outra forma, um modo de dar visibilidade a comportamentos naturalizados, ao seu autoritarismo disfarçado, e inventar a liberdade neste movimento.

Tiago Patrício, dramaturgo

O escritor francês Gustave Flaubert, depois de terminar um capítulo, costumava sair para o jardim para ler alto o que tinha escrito, penso que lhe chamava o teste da leitura em voz alta. Quando se cansava voltava para casa para corrigir as falhas ou para reescrever tudo desde o início. Mas isto não é teatro, é apenas um uso interesseiro da voz para melhorar a prosa.

Supõe-se que a literatura deveria servir o teatro, por isso é que se diz “escrever para teatro”, mas no meu caso, o teatro é que me ajuda a escrever. Desde os primeiros espectáculos dos Artistas Unidos a que assisti que tive vontade de fazer parte de um mundo em que os meus textos fossem lidos por actores que os levassem a zonas limite, os humanizassem e lhes dessem um rosto.

"Dar voz à arte, ao teatro de arte, ao fazer comprometido com a vida nua, a que se desprende da conveniência, do juízo e do favor; a que exorta a uma liberdade fecunda que é mais do outro que minha"
Carlos J. Pessoa, dramaturgo e encenador

Tenho a sorte de escrever para algumas companhias de teatro e de participar no processo criativo e nos ensaios, tal como tem acontecido, em especial, com a Ponto Teatro e com o teatromosca. Escrever para teatro permite que as minhas peças sejam discutidas por pessoas de quem gosto e permite-me observar as subtilezas e a forma como as frases se ajustam a este grande jogo, como prendem a atenção, entusiasmam, emocionam e expressam imagens fortes.

No fundo, acho que os meus textos são quase todos dramáticos, os romances são peças de teatro disfarçadas e a minha poesia é mais uma forma de auto-encenação.

Catarina Gonçalves, actriz

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Se eu mandasse no teatro? Ninguém pode mandar em algo que advém do exercício de manifestação, seja político ou cultural. Entre muitas coisas, o teatro é isso, ninguém pode mandar. Porque é que fui para o teatro? Precisamente para responder de forma artística às minhas as inquietudes, mas também, talvez, para viver com mais verdade.

O que faz falta ao teatro em Portugal? Muita coisa e coisa nenhuma. O que é preciso mudar no teatro português? O que está bem e o que está mal no teatro português? Estamos a seguir por caminhos bastante interessantes, o que apontaria como “mal” seria a necessidade de mais incentivos ou apoios numa cultura de educação/formação de públicos. O bom e o mau do teatro em Portugal? Tem que existir e saber coexistir. Para onde vai o teatro? Desde que foi criado que não parou de fazer o que lhe compete. Enquanto existir humanidade, o teatro irá sempre existir para cumprir a sua missão. Se eu tivesse um teatro só meu? Não sei. Não tenho, mas gostava de ter.

Manuel Coelho, actor

O teatro, a par de muitas outras formas de expressão artística, é, hoje, salvo felizmente algumas excepções, uma autêntica lixeira a céu aberto onde impera o despotismo acrítico. Despotismo que se apropriou dos conceitos e dos estilos e transformou a criação artística numa fast food intragável onde tudo é possível e onde impera a chamada “desconstrução da arte”, em que o ato criador se cifra no “fixe isso é giro” ou “fixe isso é porreiro” e no “fixe isso é diferente”. Este triturar das artes tem vindo a desqualificar de forma sistemática o teatro impondo ao panorama teatral, de uma forma geral, um único sentido, uma única direcção a que se convencionou chamar de nova abordagem do teatro.

Abafado por este novo-velho conceito de arte, caminhamos assim nesta amálgama de desonestidade intelectual a que, só a espaços, conseguem emergir projectos a que poderemos apelidar de criativos. O “quanto pior melhor” impôs-se vandalizando a cultura ao pulular em todas as artes. Todo este sistema foi-se impondo ao longo dos últimos vinte anos de forma criteriosa e é hoje controlado por agentes ditos de cultura, colocados pelos sucessivos governos em lugares chave dos nossos institutos públicos, com o intuito de uniformizar o “novo-velho” conceito das artes, apropriando-se das criações de outros e numa constante desvalorização das mesmas. Tritura-as e transforma-as no que diz ser inovador, reservando para a classe artística o lugar mais ínfimo da pirâmide, submetendo-a de forma subserviente a um poder dominante que a finge respeitar.

Jorge Palinhos, dramaturgo

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O que faz falta ao teatro em Portugal? Duas coisas: financiamento sustentado e massa crítica.

Há uma grande diversidade de géneros e correntes artísticas no teatro português, existe uma formação forte, mas falta financiamento que permita a continuidade e aprofundamento de muitos projetos teatrais, e a sua promoção internacional. Quando falo em continuidade refiro-me especificamente à possibilidade de dar aos criadores a hipótese de afinarem e divulgarem as suas próprias linguagens artísticas visto que no teatro — como em todas as artes — não há génios inatos, mas talentos que precisam de tempo e espaço para a aprendizagem por tentativa e erro.

Falta também massa crítica: tanto no que diz respeito a meios de comunicação impressa ou digital que registem, discutam e critiquem as obras que são feitas — promovendo assim o conhecimento e espírito crítico do público — como de um público alargado e crítico. É, por exemplo, intrigante que seja frequente entre as elites culturais se assumir que não se vai ao teatro — ou só se vai ver espectáculos mais mediáticos — mas dificilmente se assumiria do mesmo modo que não se costuma ler livros ou ver filmes. É como se a natureza industrial e massificada da edição ou do cinema os tornassem mais fundamentais que a natureza artesanal e íntima do teatro.

"Gostava de poder recuperar os vários teatros que estão fechados ou transformados em bancos, hotéis ou centros comerciais. E que neles se pudesse trabalhar com dignidade, com temporadas superiores a 1 semana e, claro, com muito público."
Ricardo Neves-Neves, dramaturgo e encenador

Eduardo Guerra Frazão, actor

Se eu tivesse um teatro só meu, mandava tirar as portas e encher a rua de luz, música e cor para que estivesse sempre aberto. Se eu tivesse um teatro só meu chamava todos os meus amigos e fazia uma grande festa para animar e alegrar as vidas da criançada, pequenos e graúdos, miúdas e miúdos. Todos podiam entrar e brincar ao faz de conta, com coisas por inventar e tecnologia de ponta, pintar nos cenários do mundo, os sonhos que nos transportam, que nos levam para lá do céu, que me fizessem sentir que o teatro não é só meu.

Nelson Cabral, actor

Se eu tivesse um teatro só meu ele contribuiria, como todos os outros, para o aumento do PIB nacional. O PIB total.

Norberto Ávila, dramaturgo

Tendo começado a escrever para o teatro por volta dos 16 ou 17 anos (obrazinhas incipientes que mais tarde destruí), já foram resistindo algumas a partir de 1959. O Homem que Caminhava Sobre as Ondas, por exemplo, proporcionou-me, logo no ano seguinte, a estreia absoluta como dramaturgo, em Évora, num teatro de amadores. Na cena profissional, em 1962 (Teatro Popular de Lisboa).

Depois, muitas andanças pela Europa, para assistir a festivais, participar em congressos de arte dramática. Até que aconteceu o mais importante para a minha carreira: a frequência da Universidade do Teatro das Nações (Paris, 1963-65). Finalmente em 2009, já autor de 3 dezenas de peças, a Imprensa Nacional – Casa da Moeda publica 20 dessas obras em 4 volumes (Algum Teatro), três delas têm sido representadas em vários países.

O que mudava? O contacto da juventude (que digo eu? das crianças) com o teatro deveria fazer-se sistematicamente no âmbito escolar. Assistindo a representações (profissionais e de amadores) mas também praticando no palco umas tantas vezes por ano.

Iolanda Laranjeiro, actriz

iolanda

O Teatro é a possibilidade de experiência colectiva de aprofundamento e reflexão sobre a Vida. Como se através de e pelo Teatro aumentássemos a possibilidade de existir, nas múltiplas facetas que o quotidiano não pode oferecer. E através do Teatro — espelho e exercício existencial — pudéssemos ser mais do que Humanos e acrescentar vidas à nossa. Como actor e como espectador, criando perspectivas sobre sentimentos, realidades e posicionamento social, podemos pensar e aumentar a vida e a sociedade. Como o querido Nicolau Breyner dizia: ser actor, fazer Teatro, é poder viver mais.

O Teatro em Portugal é bastante diversificado e aprofundado em termos de criatividade, linguagens artísticas e posicionamento social e cívico perante a Comunidade. Temos uma comunidade artística profundamente válida, empenhada, apaixonada e crítica. Mas Portugal continua a ser um país sem política cultural convicta e consciente. Não há a noção nem a convicção de que a Cultura faz parte da formação do indivíduo e das suas necessidades intrínsecas. Não basta voltar a ter um Ministério da Cultura, que já por si, enquanto fenómeno, é suficientemente esclarecedor. Urge saber e concretizar que as Artes — e o Teatro em específico — têm de ser um serviço e uma prioridade públicas e direccionadas à(s) Pessoa(s). Uma sociedade evolui não só com o cumprimento das necessidades básicas do indivíduo, mas também, inegavelmente, com o cumprimento das necessidades que fazem de todos nós seres pensantes, informados e cultos.

Gisela Pissara, jornalista cultural

O que faz falta ao teatro em Portugal? Falta, acima de tudo, começar cedo. A minha história com o teatro começou em peças de escola. “Isís” no Antigo Egipto ou “Anjo” (e encenadora) no Inferno de Gil Vicente. Do alto dos 13 anos fiz ver lá em casa que era uma vergonha ter semelhante tamanho sem nunca ter visto uma peça para adultos. O presente de anos muito pedinchado foi ver Happy End de Brecht/Weill. Ali, a magia era toda ainda, muito melhor e maior do que aquela que a curiosidade já adivinhava. Mais tarde, nos inícios da faculdade, passei pelos adereços dos AU, como trabalho de férias. Mais magia ainda e os bastidores. Pouco mais tarde, o jornalismo levou-me, felizmente, para essas paragens.

O que se mostra ao vivo, e é novo todas as noites — com mais ou menos brilhantismo — tem uma aura especial. Carne e voz que treme como a nossa. Mesmo quando não gostamos, sai-se de lá acrescentado. Em Portugal há bom teatro, com a sede de quem, apesar dos orçamentos curtos, continua a experimentar — e ainda o de muito bons criadores estrangeiros, que vêm a Lisboa, apesar dos poucos dias em cena. Falta divulgação cultural, a definhar com a escassez do jornalismo cultural de qualidade; falta marketing cultural, que nunca conheceu grandes dias. Mas falta, acima de tudo, o tal começar cedo. Ir ao teatro e à dança e à música (já o é nos preços, com descontos e dias do espectador ignorados), tem de ser um hábito de base, um passeio na praia: das escolas, dos avós, dos netos, das freguesias, dos amigos do café. Tem de ganhar o gosto de coisa quase banal, para sair do nicho onde, apesar dos esforços, ainda se encontra.

Margarida Benevides, actriz amadora

O teatro vai para onde o Homem for. O teatro existe porque o Homem existe. Sempre que o Homem se emocionar e se comover, ao sentir-se a si próprio e ao sentir o mundo, o teatro estará lá. Dificil é saber para onde vai o Homem. Se o Homem for no caminho da sabedoria, do amor, da paz, o teatro poderá sonhar lindas histórias, romances, comédias, contos de fadas.

"O teatro não é um único modo de fazer, exclusivo, nem um só tipo de expressão. Tanto não é aquele sítio que chucha dinheiro ao Estado como também não é só uma actividade que gera dinheiro e dinâmica social. Não é uma tradição grega definidora de uma determinada expressão cultural europeia."
André E. Teodósio, encenador e escritor

Gostaria que lhe fosse dado mais importância, gostaria que se percebesse o quão importante o teatro pode ser no sistema de ensino, ensinando às crianças e jovens a observarem-se e a expressarem-se sem medo nem vergonha desde cedo. Gostaria que se tornasse mais frequente e mais próximo do publico. Gostava que o teatro se tornasse uma necessidade social e não apenas uma “distracção”, considerada por vezes elitista. Gostava que se percebesse que são os atores que dão vida ao teatro, são eles que carregam a sua alma. Gostava que se criassem locais de trabalho estáveis para actores profissionais e amadores com formação, onde estes pudessem dar asas à criatividade e desempenhar a sua função enquanto artistas de teatro, nobre profissão pouco reconhecida.

Tiago Rodrigues, actor e dramaturgo

Tiago Rodrigues

Para que serve o Dia Mundial do Teatro? Para celebrar o facto de, contra muitos obstáculos no passado e no presente, continuarmos a fazer teatro no nosso país e em todo o mundo. Serve para fazer espectáculos, que são uma celebração tão efémera como a pirotecnia de um fogo de artifício mas são melhores para incendiar o pensamento. Serve para dizer que o teatro são muitos teatros e que não há teatros suficientes para conter a pluralidade de teatros que existe. Serve para nos lembrarmos do teatro que se fez e imaginarmos o teatro que ainda se vai fazer, com a certeza, porém, de que teatro só é o que estiver a acontecer agora. Serve para que possamos fazer listas do que está bem e mal no teatro do nosso país, exigindo que o que está na coluna do que está mal tenha uma resposta que lhe permita transitar para a coluna do que está bem. Serve para que muitos que não são público habitual de teatro ouçam, vejam ou leiam sobre teatro. Serve para que muita gente possa dar-se de conta de como é especial e quase revolucionário esse gesto tão simples de entrar numa sala, numa cave ou num qualquer outro espaço a que alguém tenha decido chamar “um teatro” e participar dessa assembleia de desconhecidos que é o público.

Ricardo Jorge Fonseca, dramaturgo

O mais urgente será sempre aquilo que for entendido como tal pelos criadores envolvidos na realização de um espectáculo. Mas creio que o poder do teatro sempre se fundou na sua relação com os temas do presente, naquilo que afecta mais directamente as nossas vidas. Os episódios míticos que eram apresentados nas tragédias faziam ecos com a actualidade da polis ateniense, como no caso da Oresteia, de Esquilo, uma trilogia onde se poderá ler a evolução da própria noção de Justiça – do olho por olho de Talião à justiça de tribunal, o Aerópago. Noutros séculos, os protagonistas dos dramas tendiam a representar as classes dominantes, ou o “espírito objectivo”, na terminologia de Hegel. A aristocracia no neoclassicismo, a burguesia no século XVIII e XIX, e o povo a partir do naturalismo (o que criou uma série de dificuldades ao drama de construção clássica, visto que os autores continuavam a emanar da burguesia e por isso não podiam encarnar o povo, mas sim ‘observá-lo’ – o que conduz ao teatro épico). A relação com o presente continua a ser uma das grandes vocações do teatro, uma arte irrepetível que recolhe toda a sua vitalidade do contacto directo e efémero com os espectadores. Quanto ao modo como deverá ser abordado esse presente, isso dependerá da sensibilidade de cada criador, parecendo-me, no entanto, que deverá partir desse tema a forma do espectáculo e não de uma forma já programada que aspira a encaixar o presente. Deixar que os tempos falem.

David Almeida, actor

david almeida

O teatro era um sonho, daqueles inatingíveis. Um dia, decorria o ano de 1994, tornou-se um sonho concretizado, mas é tão “sonho” estar em palco, apropriarmo-nos de algo que não somos nós, que acho que é sempre um sonho que estamos a viver quando acontece.

Como alguém disse um dia: ” A vida é sonho e os sonhos, sonhos são.”

Pedro Wilson, actor e encenador

Se eu mandasse no teatro? Mudava-lhe o nome e chamava-lhe vida. Porque “teatro” sempre me soou a qualquer coisa de falso quando ele não o é. Pelo menos o meu teatro, aquele que eu quero e que nunca me deve nem quer enganar. Porque senão não presta, é falso e não dá para acreditar, deixa de ser teatro, aquele em que nos deixamos levar. Se tivesse o teatro na mão mudava para lá o meu quarto, a minha cama, e ia para lá sonhar, podia ter pesadelos, porque não? Em cena nada me pode matar, matar a sério, porque o teatro mata sem nunca matar, sofre sem nunca sofrer, ri talvez para esquecer que não é a vida que devia ser.

Joana Barrios, actriz

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Sempre gostei de Arte e, segundo dizem, sempre fui muito artística. A minha mãe levava-me a tudo desde pequena. O meu avô materno foi cantor e gostava muito de teatro, de musicais e de westerns, que víamos juntos. Mas não venho de nenhuma linhagem teatral. A dada altura, quando o Rui Horta se estabeleceu em Montemor-O-Novo, onde cresci, eu tinha uns 12 anos e comecei a conviver com os artistas que estavam em residência n’O Espaço do Tempo. Via os espectáculos todos e nos tempos livres assistia, privilegiada, a alguns ensaios e processos criativos. Acho que em bom rigor sempre quis estar aqui, só que não sabia como é que se fazia. No secundário andei em humanidades e entrei em Direito. Tinha muito boas notas e para os meus professores era um “desperdício”concorrer apenas ao curso de Teatro da ESTC. Quando soube que tinha entrado fiquei muito feliz. Tudo o que gosto de fazer é possível no Teatro: comunicar, escrever, pensar em grupo, imaginar coisas, produzir. E é por isso que aqui estou e não saberia fazer outra coisa.

Sérgio Gregório, sonoplasta

Se tivesse um teatro só meu? Criaria condições técnicas para uma diversidade de peças. Apostaria em novos grupos, em projectos alternativos que tocassem várias artes e verdadeiramente as integrassem no teatro. Muitas vezes sinto que o teatro esta fechado em si! Nas suas maneiras e estereótipos. Abria a sala de teatro a outros trabalhos que não fossem teatro. A concertos, conferências ou workshops abertos aos públicos, jovem e velho.
Julgo que esse é um dos maiores problemas do teatro: o ter-se fechado em si. O teatro fica à espera e não vai à conquista das pessoas. Fica à espera que sempre os mesmos (os outros actores, os outros técnicos, os amigos e os amigos dos amigos) venham ver o nosso grande trabalho. Como consequência disso, as salas estão vazias. São dias de estreia cheios de convites e temporadas vazias. Se eu tivesse um teatro só meu, abria o teatro!

Maria Rueff, actriz

Fui para o teatro por uma necessidade vital. Representar é para mim tão necessário como respirar ou beber água.

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