Quem são os responsáveis pela morte de 66 pessoas no fogo de Pedrógão Grande, em 2017? É a resposta que deverá ser dada no final do julgamento que arranca esta segunda-feira. Quase quatro anos depois dos incêndios — quatro anos onde cabe uma acusação do Ministério Público (MP), uma fase de instrução e recursos para tribunais superiores —, onze arguidos vão sentar-se numa sala de audiências do Tribunal de Leiria para serem julgados por centenas de crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física também por negligência.

Na lista de pessoas que vão a julgamento há dois responsáveis da EDP acusados de não terem acautelado a criação das faixas de limpeza junto a uma linha de média tensão — que teve uma descarga elétrica de causa não apurada que desencadeou o incêndio; cinco autarcas: três da Câmara de Pedrógão Grande, mas também de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, a quem são apontadas falhas na limpeza dos terrenos junto a estradas; dois responsáveis da concessionária Ascendi Pinhal Interior acusados também de falta de manutenção das estradas; e um comandante dos bombeiros que, para a investigação e para os tribunais que decidiram levá-lo a julgamento, impediu a “salvaguarda daquelas povoações e populações”, tendo omitido informações que poderiam ter levado ao corte da estrada onde morreram 47 pessoas.

De que crimes estão acusados? Que responsabilidades tinham? E onde falharam aos olhos da investigação e do juiz de instrução que decidiu levá-los a julgamento?

Valdemar Alves

Presidente da Câmara de Pedrógão Grande

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Por que crimes vai responder? Por sete crimes de homicídio por negligência e quatro de ofensa à integridade física — dois deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Como presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, a coordenação da gestão e manutenção dos espaços florestais e estradas do município recaía sobre si.

Que factos lhe são imputados? É uma sucessão de passos judiciais complexa. O autarca não foi acusado inicialmente pelo MP, ainda em 2018, mas o Tribunal de Instrução Criminal de Leiria decidiu levá-lo a julgamento um ano depois. Só que esta decisão acabaria por ser revertida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, já que Valdemar Alves tinha sido constituído arguido a partir de um requerimento de uma assistente que, decidiram os juízes desembargadores, não tinha legitimidade para o fazer. O MP decidiu então extrair uma certidão e instaurar um inquérito autónomo, tendo acusado o autarca em janeiro deste ano. Os dois processos acabariam por ser juntos — razão pela qual Valdemar Alves será, afinal, julgado com os restantes dez arguidos.

Aqui chegado, Valdemar Alves é acusado de não ter acautelado a existência de uma faixa lateral de largura não inferior a dez metros sem árvores e vegetação, prevista legalmente, junto às estradas onde viriam a morrer várias pessoas. Para o Ministério Público, o autarca podia ter previsto este desfecho e ter ordenado o corte dessas árvores.

José Géria

Subdiretor da área de manutenção de redes do Centro da EDP

Por que crimes vai responder? Por 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência — 12 deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? É um dos dois arguidos ligados à EDP que foi acusado pelo MP e pronunciado pelo Tribunal de Instrução de Leiria. O engenheiro eletrotécnico trabalhava há mais de 20 anos na EDP e estava há cinco meses no cargo de subdiretor da área de manutenção de redes do Centro quando aconteceu o incêndio. Era “responsável pela manutenção da linha de média tensão 15KV Lousã-Pedrógão”, pertencente à EDP, segundo a decisão instrutória.

Que factos lhe são imputados? O incêndio foi desencadeado por uma descarga elétrica de causa não apurada com origem precisamente nesta linha. E, para o juiz de instrução, José Géria “agiu sem cuidado” por não ter acautelado nem a criação de faixas de proteção mínimas de 15 metros nas proximidades da linha nem a limpeza e gestão do combustível nessas áreas para diminuir precisamente o risco de incêndio. Pelo contrário: numa extensão de 500 metros, não só não havia essa faixa de proteção, como, numa área de cerca de 50 metros quadrados, estavam plantados cerca de dez carvalhos a uma distância de cerca de 30 centímetros da linha de média tensão. “Os cabos passavam mesmo por dentro da folhada de alguns carvalhos, ali existindo também vários fetos, arbustos e silvas, tudo a formar uma mancha contínua e densa de vegetação”, lê-se no despacho instrutório.

Casimiro Pedro

Gestor de área de redes do Centro da EDP

Por que crimes vai responder? Por 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência — 12 deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? É o outro arguido ligado à EDP. À data do incêndio, o engenheiro eletrotécnico a trabalhar há mais de 30 anos na elétrica estava há cinco meses no cargo de gestor de área de redes do Centro, o que fazia dele responsável pela “gestão, manutenção, inspeção e fiscalização” da linha de média tensão 15KV Lousã-Pedrógão.

Que factos lhe são imputados? Exatamente os mesmos que são imputados a José Géria: não ter criado faixas de proteção — o que é apontando como uma das causas dos dois focos de incêndio principais. O juiz de instrução entendeu que a atuação de Casimiro Pedro, tal como a de José Géria, fez com que o incêndio “se propagasse à referida vegetação” e à floresta circundante, levando à “morte e ferimentos de e em diversas pessoas”.

Augusto Arnaut

Comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande

Por que crimes vai responder? Por 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência — 12 deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Assumiu a função de Comandante da Operação Socorro do incêndio em Pedrógão Grande entre as 15h10 e as 19h55 do dia 17 de junho. Três horas depois viriam a ser confirmadas as primeiras 19 das 66 vítimas mortais.

Que factos lhe são imputados? Os mais graves dizem respeito ao facto de ter alegadamente omitido informação que poderia ter levado ao corte das estradas — especialmente a Estrada Nacional 236-1, onde vieram a morrer 47 pessoas — e de, mesmo perante o agravamento do incêndio, não ter informado a Proteção Civil, nem ter pedido que alertasse e retirasse a população. Além disso, só quase duas horas depois do início do incêndio em Escalos Fundeiros — o que dá origem à tragédia — é que terá instalado um Posto de Comando Operacional para concentrar todas as informações meteorológicas e operacionais e organizar o dispositivo no terreno. O juiz de instrução aponta ainda outras falhas que impediram um reforço e coordenação de meios, a atuação de outras entidades presentes no local bem como a “salvaguarda daquelas povoações e populações”.

José Graça

Vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande

Por que crimes vai responder? Por sete crimes de homicídio por negligência e quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência — três deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Era vice-presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande e tinha o pelouro da floresta. Era ele que coordenava a atividade desenvolvida por trabalhadores municipais. Apesar de ter sido inicialmente acusado pelo MP, não foi pronunciado pelo Tribunal de Instrução de Leiria — decisão que viria a ser revertida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Que factos lhe são imputados? Apesar de não ter poderes de Presidente da Câmara, os juízes desembargadores de Coimbra entenderam que havia indícios suficientes de que José Graça tinha “pleno conhecimento” de que as faixas de terreno de dez metros junto às estradas do município —  quatro vias rodoviárias a cargo da autarquia, que não a Estrada Nacional 236-1 onde morreu a maioria das vítimas— “deviam ser limpas” e não terá ordenado essa limpeza.

Margarida Gonçalves

Engenheira na Câmara Municipal de Pedrógão Grande

Por que crimes vai responder? Por sete crimes de homicídio por negligência e quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência — dois deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Era engenheira florestal e responsável pelo Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal de Pedrógão Grande.

Que factos lhe são imputados? Tal como José Graça, as acusações feitas a Margarida Gonçalves dizem respeito à gestão e manutenção de quatro vias rodoviárias a cargo da autarquia, que não a Estrada Nacional 236-1 onde morreu a maioria das vítimas. Para o juiz de instrução, a arguida “agiu sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência”.

Fernando Lopes

Presidente da Câmara de Castanheira de Pera

Por que crimes vai responder? Por 10 crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Era presidente da Câmara de Castanheira de Pera e tinha à sua responsabilidade a gestão e manutenção do Caminho Municipal 1157 e da Estrada Municipal 512 — onde morreram quatro pessoas.

Que factos lhe são imputados? Não procedeu nem ordenou o corte das árvores e vegetação nos terrenos que ladeavam essas estradas, numa largura não inferior a 10 metros, apesar de estar “legalmente estipulado” e de o autarca conhecer “a obrigatoriedade de o fazer”, segundo a decisão instrutória. Pelo contrário, nesses terrenos estavam plantadas “várias árvores, designadamente eucaliptos, pinheiros, acácias e outras, por vezes em fileiras contíguas” que estavam situadas “a uma distância lateral para as bermas da estrada inferior a um metro”.

Jorge Abreu

Presidente de Câmara de Figueiró dos Vinhos

Por que crimes vai responder? Por dois crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência grave.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? Era (e ainda é) presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos e tinha à sua responsabilidade gestão e a manutenção da Estrada Municipal 521.

Que factos lhe são imputados? A investigação aponta falhas ao autarca que contribuíram para a proliferação das chamas, nomeadamente não ter “procedido ao corte das árvores e vegetação existente nos terrenos” adjacentes à Estrada Municipal 521, numa faixa não inferior a dez metros de largura. Foi por esta estrada que tentaram fugir três pessoas: duas delas morreram e a terceira ficou com sequelas graves e permanentes.

José Revés

Administrador executivo da Ascendi Pinhal Interior

Por que crimes vai responder? Por 34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência — cinco deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? É um dos três responsáveis da concessionária Ascendi Pinhal Interior que vão a julgamento. José Revés era administrador executivo com o pelouro da Operação e Manutenção à data dos incêndios.

Que factos lhe são imputados? Estão relacionados com falta de gestão de combustíveis e manutenção na EN 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos — numa extensão de onze quilómetros — e que tinha sido adjudicada à Ascendi pela Estradas de Portugal no tempo do Governo Sócrates. Enquanto administrador da concessionária e com o pelouro da Operação e Manutenção, José Revés não providenciou a “criação e manutenção da faixa de gestão de combustíveis na EN 236-1”, nem fiscalizou a sua “boa execução, designadamente implementando uma gestão de combustível numa faixa lateral de terreno confinante com a via numa largura não inferior a 10 metros”, segundo o despacho instrutório.

António Ugo Berardinelli

Diretor da Operação e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior

Por que crimes vai responder? Por 34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência — cinco deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? É outro dos três responsáveis da concessionária Ascendi Pinhal Interior que vão a julgamento, sendo, à data dos incêndios, diretor da Operação e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior.

Que factos lhe são imputados? Os mesmos que são imputados a José Revés: dizem respeito è falta de gestão de combustíveis e manutenção na EN 236-1, com a criação de uma faixa de largura não inferior a 10 metros.

Rogério Mota

Responsável do Centro de Assistência e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior

Por que crimes vai responder? Por 34 crimes de homicídio por negligência e sete crimes de ofensa à integridade física por negligência — cinco deles graves.

Que responsabilidades tinha à data do incêndio? É o último dos três funcionários da concessionária Ascendi Pinhal Interior que vão a julgamento. Era responsável pelo Centro de Assistência e Manutenção, integrado na Direção de Operação e Manutenção, aquando da tragédia de Pedrógão Grande.

Que factos lhe são imputados? Também quanto a Rogério Mota são apontadas falhas de gestão de combustíveis e manutenção na EN 236-1. Em certos troços dessa estrada estavam plantadas várias árvores a uma distância das bermas que variava entre 1,90 e 4,10 metros. Foi na EN 236-1 que morreu a maioria das vítimas, uma parte delas nos troços que estavam sob a responsabilidade destes três arguidos ligados à Ascendi.