A mês e meio do Natal, a grande família da direita europeia reúne-se na Finlândia para mais um Congresso do Partido Popular Europeu, que decorre esta quarta e quinta-feira em Helsínquia. Numa árvore genealógica capaz de desafiar a complexa família Buendía ficcionada por Garcia Marquez, há uma matriarca que ainda vai tendo mão na maioria dos restantes familiares: a chanceler alemã Angela Merkel. Mas mesmo ela pode ter em Helsínquia a sua última participação numa reunião magna do PPE, que ocorre dias depois de anunciar a saída da política. Depois há Viktor Órban, o tio que envergonha a família, e que muitos querem deixar de convidar para a festa.

O avô Juncker também terá a sua despedida de congressos do PPE como presidente da Comissão Europeia, deixando uma difícil herança para dois sucessores do centro-direita europeu. O alemão Manfred Weber e o finlandês Alexander Stubb vão disputar o lugar de candidato do PPE a presidente da Comissão Europeu, com o alemão a levar a vantagem na contagem de espingardas.

Há os primos do sul da Europa, com duas estreias, Rui Rio e Pablo Casado, e o regresso de um suspeito do costume, Silvio Berlusconi — o político com sete vidas.

O francês Michel Barnier, o primo que tem andado imigrado em Londres para negociar o Brexit com Theresa May, continua a ser visto como uma das figuras mais respeitadas no PPE, mesmo que ainda não haja um acordo final para a saída do Reino Unido. Os franceses do PPE têm um problema chamado Macron e, por culpa do partido do presidente francês, devem ver a sua votação cair nas próximas europeias. Com isso, vão perder poder no PPE, embora tenham sempre o respeito da família.

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A recomposição do Parlamento Europeu está en marche e Emannuel Macron deverá organizar um grupo de não alinhados que pode ser decisivo nas contas dos moderados. Certo é que o Partido Popular Europeu, mesmo que continue a ser o mais votado, vai perder muitos lugares no hemiciclo. E é com este desafio, e sem a força de outros tempos no plano europeu, que o PPE se apresenta a Congresso.

Spitzenkandidat: É um contra um e no fim ganha a Alemanha?

Antes das últimas eleições europeias foi introduzida uma palavra estranha no “jargão” europeu: spitzenkandidat. Em alemão, significa “candidato principal”, mas o conceito é muito mais complexo do que isso. As principais famílias europeias têm uma espécie de primárias em que escolhem o candidato. O escolhido — os socialistas europeus já arrumaram o assunto, no caso do PPE é esta quinta-feira —  vai depois a votos nas eleições ao Parlamento Europeu. Em teoria, no caso de Portugal, cada voto no PSD ou no CDS, é um voto no candidato do PPE, cada voto no PS é também um voto em Frans Timmermans. Acontece que, mesmo que o candidato seja o mais votado, o nome pode  vir a ser rejeitado pelo Conselho Europeu, que tem a última palavra e pode sempre indicar outro nome. Em 2014, o princípio foi respeitado e Jean-Claude Juncker acabou por se tornar presidente da Comissão Europeia, depois de ter vencido o francês Michel Barnier, atual negociador da UE no Brexit.

Desta vez os candidatos são Manfred Weber, líder parlamentar da bancada do PPE no Parlamento Europeu, e Alexander Stubb, antigo primeiro-ministro finlandês e vice-presidente do Banco Europeu de Investimento. Ambos têm bagagem pesada relativamente a Portugal. Stubb defendeu que as regras deviam ser cumpridas quando se discutiam as sanções a Portugal e Espanha e Manfred Weber enviou mesmo uma carta ao presidente da Comissão a pedir para ser rigoroso com os países incumpridores. Portugal acabou por não ter sanções, mas os candidatos não se livraram da má imagem. O alemão é visto como um discípulo de Merkel, o finlandês como um falcão da austeridade. O Observador entrevistou ambos. E ambos, bem “briefados” pelos colegas do PPE,  elogiaram os feitos do Governo de Pedro Passos Coelho e desvalorizaram os feitos do executivo de António Costa. Um enaltece o facto de ser rural, da Baviera, outro o facto de ser urbano e de passar metade da vida fora do seu país. Weber é mais conservador, Stubb mais liberal.

“Governo de Costa está a governar com base nas decisões de Passos Coelho”

Entrevista a Alex Stubb, o político atleta que precisa de “alguns golos à Ronaldo” para ser Presidente da Comissão Europeia

Na contagem de espingardas, Manfred Weber está claramente à frente e tem o apoio de figuras e partidos como a chanceler alemã Angela Merkel (CDU, Alemanha); o líder da oposição espanhol, Pablo Casado (PP, em Espanha); o líder da oposição portuguesa, Rui Rio (PSD, Portugal); o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán (Fidesz, Hungria); o primeiro-ministro austríaco, Sebastian Kurz (ÖVP, Áustria). Já Alexander Stubb só recebeu o apoio da Estónia, Suécia e do Partido Democrático Cristão, da Finlândia. No entanto, o apoio dos líderes não garante os votos dos delegados e Stubb conta com o “voto secreto” para surpreender no último minuto. Ainda assim, as apostas dizem que dificilmente o finlandês vencerá o alemão.

A estreia de Rio e a não decisão de Cristas

O presidente do PSD, Rui Rio, declarou na sexta-feira o apoio a Manfred Weber. O apoio não foi uma surpresa. Weber esteve, aliás, presente no primeiro encontro de Rio com a chanceler alemã após a eleição como líder do PSD. Os três falaram em alemão, uma língua que Rio fala fluentemente. O presidente do PSD também terá ficado bem impressionado com Alexander Stubb, mas não deixou de apoiar Weber. “Nós ouvimos os dois candidatos. Primeiro eu ouvi os dois, depois os delegados do PSD ouviram os dois candidatos. Só um é que pode ser o candidato e, nesse sentido, nós apoiamos o Manfred Weber, o candidato que é atualmente o líder parlamentar do PPE no Parlamento Europeu”, afirmou Rio. E acrescentou que ambos são “capazes de cumprir a função” e que o vencedor terá o apoio total do PSD.

Rui Rio apoia Manfred Weber como candidato do PPE à Comissão Europeia

Já o CDS remeteu uma decisão para Helsínquia. Assunção Cristas optou, na segunda-feira, por destacar qualidades de ambos os candidatos. Sobre o finlandês, falou da “experiência parlamentar e governativa“e do facto de ser de um “país mais pequeno e mais afastado do centro” de Bruxelas. Já sobre Weber, elogiou a “grande experiência parlamentar e capacidade de diálogo”. A estratégia da líder centrista é adiar a decisão para o Congresso. Ambos os candidatos vão ter um debate em Helsínquia na noite desta quarta-feira e apresentar-se aos delegados na manhã de quinta-feira (pitches for president). O facto de Cristas e Rio apoiarem os candidatos, não garante os votos da delegação. Isto porque há liberdade de voto e o voto é secreto.

Quanto vale Portugal no Congresso e no PPE?

O poder de Portugal, na verdade, não é muito. A Alemanha, o país com mais força, tem direito a 88 votos (72 da CDU, 16 da CSU), enquanto PSD e CDS juntos têm apenas 22 votos (17 dos sociais-democratas e 5 dos centristas). Isto num total de 758 com poder de voto.

Rui Rio, enquanto líder da oposição, tem direito a discursar no Congresso — o que vai acontecer na quarta-feira à tarde. No mesmo bloco de intervenções vão falar líderes como Pablo Casado (PP espanhol) e Silvio Berlusconni (Forza Itália). Nos últimos dois Congressos do PPE (em 2015, em Madrid, e em 2017, em Malta) Passos Coelho não esteve presente. No caso de Madrid, Passos não marcou presença porque o país vivia uma grande instabilidade política. A esquerda ameaçava não viabilizar o programa de governo do PSD e do CDS (o que viria a acontecer) e o então Presidente Cavaco Silva marcou uma declaração violentíssima contra um provável Governo de esquerda no dia em que estava previsto que Passos falasse em Madrid. Passos — para quem estava preparado um aplauso apoteótico dos delegados — ficou em Lisboa, mas enviou um vídeo para Madrid que foi igualmente muito aplaudido. Em Espanha temia-se uma “geringonça” em Portugal, que fosse depois copiada a papel químico no país vizinho, a que a direita chamava de “pacto de perdedores”. Tanto Sanchéz como Costa estão no poder sem serem o partido mais votado por via de um acordo parlamentar.

Passos ainda era primeiro-ministro quando ocorreu o Congresso de Madrid e, por isso, tinha direito a falar no segundo dia, no mesmo bloco dos chefes de Governo. Cada vez são menos no PPE. São apenas sete e vão fazer as suas intervenções na quinta-feira: Angela Merkel (Alemanha), Sebastian Kurz (Áustria), Viktor Orbán (Hungria), Andrej Plenkovic (Croácia), Leo Varadkar (Irlanda), Boyko Borissov (Bulgária) e Nicos Anastasiades (Chipre).

Além de Rui Rio e Assunção Cristas, Portugal conta ainda com um vice-presidente do Partido Popular Europeu, Paulo Rangel, que acumula o cargo com a vice-presidência da bancada do PPE no Parlamento Europeu. Pela primeira vez, Portugal tem também uma presidente do YEPP, a estrutura de juventude do PPE, Lídia Pereira, que também fará uma intervenção no Congresso.

Nova líder da juventude da direita europeia: “Saída de Merkel cria algum desconforto”

They believe in Merkel. Vai ser esta a despedida da alma do PPE?

É certo que, nos Congressos do PPE, há sempre mais alemães na sala do que delegados de qualquer outra nacionalidade. No entanto, é claro que o Partido Popular Europeu tem uma alma, uma superstar, uma referência: Angela Merkel. No último congresso, em Malta, a música escolhida como tema oficial do evento foi o “We are family“, dos Sister Sledge.

Uma adaptação do refrão “I believe in miracles”, o primeiro verso de uma música dos Hot Chocolat, talvez seja agora mais adequado ao atual estado do PPE. A grande família, que ainda recentemente se zangou com um dos familiares, Viktor Orbán, continua a ter uma matriarca que a sustenta. Para sinalizar isso mesmo, basta modificar o verso para outro que chegou a ser paródia na internet: um “I believe in Merkel“. Ou, melhor, um “We Believe in Merkel”, no caso dos partidos da direita europeia. Neste momento, a chanceler alemã é a grande figura da direita europeia e quem se assume como timoneira na luta contra o crescimento dos populismo. Mas está de saída. A chanceler anunciou esta segunda-feira que irá abandonar a liderança da CDU, da seguinte forma: “Eu não nasci chanceler. E nunca me esqueci disso.” Ou seja: em 2021 ou antes disso — caso o governo caia, o que não é assim tão improvável —, Merkel deixará o cargo que ocupa desde 2005. Depois de maus resultados na eleição regional em Hesse, no passado domingo, onde a CDU desceu dez pontos percentuais quando comparado com o resultado de 2013, mesmo que tenha sido o partido mais votado. Este é já o segundo revés na popularidade da CDU e do seu partido irmão na Baviera, a CSU (o de Manfred Weber), que registou outra queda de 10% nas eleições estaduais de há menos de duas semanas.

O fim de uma era. Há vida depois de Merkel?

É neste contexto que Angela Merkel chega a Helsínquia. Se ficar até 2021, ainda terá, pelo menos, mais um Congresso do PPE, mas este pode ser o último. Em 2015, no Congresso de Malta, a chanceler foi elogiada por vários dos seus pares — exceto pela ala conservadora, onde se inclui Órban — pela política de portas abertas a refugiados. A sua entrada na sala foi apoteótica e o seu discurso o mais aplaudido. Na altura, o Observador foi autorizado a assistir ao discurso junto ao palco e a filmar a intervenção durante alguns segundos.

Há, portanto, a expectativa de saber o que irá dizer Merkel no atual Congresso e como irão reagir os delegados presentes. Certo é que deverá, mais uma vez, ser a estrela do evento.

Brexit e o tio Órban que envergonha uma boa parte da família

O Congresso do Partido Popular Europeu não pode ignorar aqueles que foram os dois temas fortes de meados de outubro no próprio grupo parlamentar do PPE, no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu: o Brexit e uma eventual suspensão dos direitos da Hungria através da ativação do artigo 7º do Tratado da União Europeia, que é acionado “se os valores da UE estiverem em risco ou forem violados.”

O prazo para um acordo para o Brexit, que acabava em outubro, não foi cumprido. Como, aliás, é um hábito em Bruxelas, onde os prazos são democratas-cristãos: para cumprir, mas só se Deus quiser. Há esforços de um lado e de outro para que haja acordo, já que tanto o Reino Unido como a União Europeia defendem que até um “mau acordo” é melhor que “nenhum acordo”.

No Reino Unido há ainda quem não desista de reverter a situação. Ainda na segunda-feira, um grupo de 1400 advogados pediu à primeira-ministra britânica para apoiar um segundo referendo ao Brexit por acreditar que o Parlamento não está vinculado à votação de 2016. Isto depois do antigo primeiro-ministro Tony Blair ter escrito um artigo de opinião no jornal The Observer, em que defendeu que o Parlamento britânico deve rejeitar qualquer acordo com Bruxelas, já que “qualquer acordo que o Governo obtenha é sempre pior do que o Reino Unido ficar na UE”.

A direita europeia tem sido sempre dura com o Reino Unido, numa postura de “querem sair, paguem a conta”.  No último congresso, o presidente do PPE, Joseph Daul chegou mesmo a acusar os britânicos de estarem a “cometer um erro histórico”. Daul — figura histórica do partido que é também de Chirac, Sarkozy e Fillon, disse na altura: “O processo de saída tem de ser pago pelos britânicos. É como num divórcios: quem decide sair é que paga as despesas do processo”.

A agulha do PPE (e de Bruxelas) está neste momento virada para os cidadãos europeus que residem em solo britânico e em garantir os direitos desses cidadãos. A questão da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte é outro dos problemas da negociação. O Congresso pode trazer algumas novidades sobre o atual estado do acordo, já que o negociador europeu, Michel Barnier, vai fazer uma intervenção em Helsínquia nessa qualidade.

Além do Brexit, outro dos temas quentes deverá ser a postura a adotar quanto a Viktor Orbán. O primeiro-ministro húngaro enfrentou recentemente duras críticas dentro da própria família. E enfrenta a possibilidade inédita de ser ativado o artigo 7º do Tratado da União Europeia, um procedimento que, no limite, podia levar à suspensão dos direitos de voto da Hungria. As feridas dentro do PPE ficaram bem abertas. Na última sessão do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o grupo parlamentar do PPE quase deixava cair Viktor Orbán, dando liberdade de voto na defesa de uma sanção ao governo de Orbán.

PPE falha consenso para deixar cair primeiro-ministro da Hungria

Os eurodeputados do grupo reuniram-se para discutir uma eventual tomada de posição comum sobre o relatório do Parlamento Europeu que denuncia o “risco manifesto de violação grave dos valores europeus” na Hungria. Acabaram por não chegar a acordo para votar em bloco contra Orbán, naquilo que Manfred Weber definiu na altura como uma “discussão intensa, mas franca e honesta.” À saída da reunião o líder parlamentar do PPE, mantinha a linha dura com o húngaro: “Os valores da União Europeia não são negociáveis para nós. Não há tratamento especial, nem dentro, nem fora da família do PPE”.

O Observador noticiou então que a maioria dos membros que compõem o grupo iria votar a favor do relatório, num sinal de distanciamento do regime do primeiro-ministro húngaro.. A permanência do Fidesz de Orbán no PPE é cada vez mais contestada, embora muitos defendam o primeiro-ministro húngaro, dizendo que é o único capaz de travar o crescimento da extrema-direita na Hungria. E há outro aspeto que não é ignorado em termos de realpolitik: se o PPE já vai perder força no próximo hemiciclo, sem Orbán torna-se mais difícil ser o maior grupo no Parlamento Europeu.  E mais: há ainda quem defenda que é mais fácil controlar e moderar Orbán estando o Fidesz dentro do PPE.

Parlamento Europeu: PCP votou contra relatório que condena governo húngaro de Viktor Orbán

Quanto aos pré-candidatos a presidente da Comissão Europeia, Orbán apoia Weber, mas Alexander Stubb admite a expulsão de Orbán caso este mantenha as restrições à liberdade de expressão e à liberdade académica que impôs no país.

O que é isso do centro-direita europeu?

Direita europeia”. “Centro-direita”. “Democratas-cristãos europeus”. “Conservadores”. As classificações ideológicas do PPE não fogem muito destas quatro. Em 2012 — 20 anos após o manifesto de 1992 — os membros do partido europeu decidiram definir linhas gerais que os partidos membros devem seguir (o que não quer dizer que aconteça). Entre eles estão valores que podiam perfeitamente encaixar nos socialistas europeus:

  • A liberdade como direito fundamental, aliada à responsabilidade;
  • Respeito pelas tradições;
  • Solidariedade para os que mais precisam, que também devem fazer um esforço para sair dessa situação;
  • Garantir o rigor das Finanças Públicas;
  • Preservação Ambiental;
  • Promoção de uma democracia pluralista e de uma Economia Social de Mercado.

O PPE aliava a esta visão para a sociedade europeia uma estratégia para as instituições comunitárias, como a eleição direta do presidente da Comissão Europeia (que acabou por se materializar de modo informal nas eleições Europeias de maio de 2014), o fortalecimento da política comum de imigração e integração de imigrantes (que Órban desrespeitou largamente) ou continuar o alargamento da União Europeia (entretanto, apenas entrou a Croácia e o Reino Unido está em processo de saída).