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De 9 a 19 de dezembro, duas horas e meia faladas em francês e com legendagem portuguesa
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De 9 a 19 de dezembro, duas horas e meia faladas em francês e com legendagem portuguesa

CHRISTOPHE RAYNAUD DE LAGE

De 9 a 19 de dezembro, duas horas e meia faladas em francês e com legendagem portuguesa

CHRISTOPHE RAYNAUD DE LAGE

Tiago Rodrigues leva "O Cerejal" a Lisboa: "Todas as estreias da minha vida são uma tentativa"

Clássico do teatro chega esta quinta-feira ao D. Maria II, depois da estreia no Festival de Avignon. Encenador Tiago Rodrigues contou ao Observador como conheceu Isabelle Huppert, a protagonista.

Quando a atriz francesa Isabelle Huppert esteve em Portugal para a rodagem do filme “Frankie”, no fim do verão de 2018, o então diretor do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) encontrou-se com ela e, palavra puxa palavra, começaram a conversar sobre a montagem de uma peça de Tchékhov. Depois de mais alguns encontros em Lisboa e Paris, o projeto veio a materializar-se em julho último, quando em França se estreou “O Cerejal”, versão de Tiago Rodrigues com protagonismo de Isabelle Huppert, um dos nomes consagrados da representação em França.

Nesta quinta-feira, “O Cerejal” chega por fim a Lisboa, onde a ideia despontou há três anos. Chega com o embalo de ter sido um dos espetáculos que deram brado na cena teatral europeia: estreia absoluta a 5 de julho na abertura da 75ª edição do Festival de Avignon, mais precisamente perante quase duas mil pessoas, ao ar livre, no Pátio de Honra do Palácio dos Papas, um dos palcos míticos do festival, por ter sido ali que tudo começou, em 1947.

Por várias circunstâncias, a reação do público na estreia francesa não terá sido tão calorosa quanto se esperaria. “Arrebatou em vários momentos — os mais burlescos, os mais subtis, os mais explosivos —, mas não do princípio ao fim”, analisou o jornal Público. “Agradou, mas não arrancou ovações de pé”, registou a agência Lusa. Ainda assim, o facto de naquele mesmo dia 5 de julho a ministra francesa da Cultura ter feito o anúncio de que o encenador português seria o próximo diretor artístico de Avignon, parece ter consagrado a sua passagem pelo festival.

Ao Observador, esta semana, Tiago Rodrigues disse o que espera agora em Lisboa. “O público vai ao espetáculo e vai também para ver Isabelle Huppert, cuja notoriedade marca os primeiros minutos da peça. É uma atriz incrível, fora da norma”, disse. E acrescentou: “Espero que o público esteja disponível para se interessar. Nunca sou muito exigente em relação ao público, sou mais exigente em relação a mim e ao que pretendo oferecer.”

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Tiago Rodrigues será o primeiro diretor estrangeiro do Festival d’Avignon. “Estou muito feliz, é o festival mais belo do mundo”

O texto de Tchékhov (1860-1904), clássico do teatro por vezes designado “O Ginjal”, vai estar na Sala Garrett do TNDMII, de 9 a 19 de dezembro — quarta a sábado, às 19h00, e domingos, às 16h00. São duas horas e meia faladas em francês e com legendagem portuguesa. Além de Isabelle Huppert, também a portuguesa Isabel Abreu é protagonista, ao lado de vários intérpretes. A música é descrita como personagem da peça e cabe a Hélder Gonçalves e Manuela Azevedo, dos Clã, que entram em cena. A cenografia é de Fernando Ribeiro e os figurinos pertencem a José António Tenente.

Tiago Rodrigues, de 44 anos, saiu a 31 de outubro da direção do Teatro Nacional D. Maria II, depois de seis anos em funções. Foi entretanto substituído por Pedro Penim. Tinha iniciado o terceiro mandato em fevereiro, mas a surpresa vinda de Avignon arrebatou-o. Já lá está a trabalhar, em fase de passagem de pasta. Será diretor artístico a partir de 1 de setembro do próximo ano, sucedendo a Olivier Py. Só perto desse momento é que falará em concreto sobre o que quer para o festival, disse nesta entrevista ao Observador.

Pedro Penim é o novo diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II

Depois de Avignon, do Anfiteatro de Pompeia (Nápoles) e do TNDMII, “O Cerejal” prossegue a carreira com apresentações por toda a Europa entre janeiro e junho de 2022: Odéon-Théâtre de l’Europe em Paris, Théâtre de Liège, La Comédie de Genève e Festival de Viena, entre outras salas. É uma versão diferente da apresentada em França e Itália, adaptada a palcos mais pequenos e a salas fechadas. Quer isto dizer que a estreia em Lisboa também traz novidades.

Tiago Rodrigues conheceu pessoalmente Isabelle Huppert há três anos em Lisboa

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Adaptou o texto integral de Tchékhov? Que versão é esta que nos traz?
É o texto integral de Tchékhov, de 1904, mas com uma particularidade. Ele escreveu uma primeira versão do II Ato e enviou-a ao [encenador] Stanislavski, que foi quem fez a primeira adaptação no Teatro de Arte de Moscovo, precisamente em 1904. Stanislavski pediu-lhe que alterasse esse II Ato. Tchékhov fez uma segunda versão, sobretudo com alterações no ritmo da peça e no protagonismo de algumas personagens secundárias.

Qual foi a que escolheu?
A primeiríssima versão e não aquela que resultou do pedido do Stanislavski. A tradução francesa canónica é a versão do Stanislavski, digamos assim, e o mesmo acontece com a tradução feita em Portugal pela Nina e pelo Filipe Guerra. É a versão mais representada. No entanto, os tradutores franceses, André Markovitch e Françoise Morvan, resolveram incluir também a primeira versão do II Ato. Pareceu-me que aí o  Tchékhov acentua algo que o Stanislavski de alguma forma diluiu: protagonismo às personagens mais secundárias, como por exemplo Charlotte, uma governanta extravagante que neste caso é interpretada pela Isabel Abreu. Achei que essa espécie de homenagem às personagens secundárias era um pouco mais interessante do que a segunda versão, que foi polida pela experiência teatral do Stanislavski. À parte esta escolha, que talvez torne esta versão ainda mais integral, apresentamos o texto do princípio ao fim. Não por uma questão de obediência, mas porque quanto mais mergulhava no texto mais o meu desejo era o de me confrontar com a sinfonia do texto, ao invés de seguir um hábito meu de interferir nos textos que levo a cena, reescreve-los, cortá-los, adaptá-los.

Já tem dito que esta versão fala do nosso tempo. Como é que isso se faz quando estamos a falar de um texto com mais de um século?
Depende muito da equipa de atores, da forma como interpretam individualmente a sua partitura e de como esse acumular de interpretações encontra uma voz coletiva, o que depois tem sempre relação com a cenografia, as luzes, o som, todas as outras vertentes do espetáculo. No meu caso, começa pela forma como os atores cantam o texto. É como se pedíssemos ao Camané ou à Aldina Duarte para cantarem um fado da Hermínia Silva ou do Alfredo Marceneiro. Continuam a ser fados da Hermínia e do Marceneiro, mas os intérpretes apropriam-se, sem necessariamente mudarem a letra ou a melodia. Esta atualização, ou apropriação, é também o trabalho do ator. A Isabelle Huppert ou a Isabel Abreu conseguem cantar o texto do Tchékhov e ao mesmo tempo cantar à maneira delas.

"Uma das belezas do Tchékhov é que nos consegue propor personagens que são pessoas complexas, não são só símbolos. Tchékhov, que era médico, tem sempre um olhar muito clínico sobre a humanidade."

A questão da música nesta peça é muitas vezes referida. Não só a presença em cena de dois elementos do Clã, também o facto de haver muitos momentos de canto por parte dos intérpretes. O autor dá essas indicações no texto original?
Em alguns momentos, sim. No II Ato há uma orquestra que toca ao vivo durante um baile, uma espécie de baile fantasmagórico enquanto uma propriedade familiar está a ser vendida. A maior parte das pessoas, em vez de tentar salvar a propriedade e mantê-la na família, está a celebrar num baile melancólico. É como a orquestra do Titanic, que toca enquanto o barco se afunda. Esta exigência do Tchékhov de ter música ao vivo na peça vem acompanhada, em muitas cartas que escreveu ao Stanislavski, de uma vontade de apresentar a peça não só como comédia — era assim que o Tchékhov entendia a maior parte do que escrevia — mas também como um vaudeville. A ligeireza do teatro musical.

É uma comédia musical?
É uma tragicomédia musical. É uma peça sobre o fim de um tempo e o fim do próprio autor, porque Tchékhov sabia que estava a escrever a sua última peça de teatro. Numa das suas cartas que encontrei na pesquisa, ele diz que como o tema é triste a peça tem de ser representada com grande jovialidade, grande energia vital. A ideia de que uma história triste se deve contar com um sorriso, toca-me muito. Daí a questão musical. Achei que a orquestra podia estar em toda a peça, para sublinhar a vitalidade e a ligeireza que o autor desejava.

Um resumo da peça feito há poucos anos pela Companhia de Teatro de Braga diz que a peça “conta a história de uma perda trágica de uma família aristocrática russa, dividida entre dois mundos: a Rússia ainda feudal do século XIX e o fim pressentido desse mundo”. É um bom resumo?
Acrescentaria que é a história de uma família e de um grupo de personagens-satélite, ou seja, uma pequena comunidade que está a lidar com um mundo que já mudou, embora essa comunidade ainda não tenha mudado. Estão a lidar com o facto de não saberem já qual o lugar que têm, porque o mundo mudou muito depressa, antes que pudessem encontrar esse lugar. É um grupo de seres humanos face à incerteza do futuro. Julgo que isso é qualquer coisa que hoje, em 2021 — embora não tenha sido o motivo pelo qual escolhemos fazer este texto —, nos está muito próximo. Basta ver que os grandes movimentos do mundo, alavancados pelas alterações da pandemia, nos escapam por entre os dedos. Não compreendemos o que vai acontecer para a semana ou daqui a dois meses. A incerteza é enorme. Esse é um dos pontos de relação que temos com estas personagens em palco. A peça é escrita em 1904 e passa-se numa data muito próxima disso, cerca de 40 anos depois da libertação dos servos na Rússia. Em 1904 já havia adultos que tinham nascido livres, cujos pais tinham sido servos. Não se pode dizer que fossem escravos, os servos tinham outro estatuto, mas estavam reféns do sistema feudal. Estas pessoas já podem ascender socialmente, já são livres. É um pouco a história de Tchékhov, neto de um servo e filho de um comerciante.

Mas quer os filhos dos servos quer os aristocratas estão igualmente perdidos nesta peça.
Todos estão perdidos, porque a Rússia já mudou. A Rússia, aqui, é sinónimo da nossa cidade, de um qualquer país. A história já mudou, as pessoas ainda não se adaptaram. Os que têm grande esperança no futuro ainda não sabem em que é que se traduzirá essa esperança. Os que o olham com medo, também não sabem o que vem aí. De alguma forma, “O Cerejal” é a fase final desta mudança, é a extinção do que resta de um mundo antigo. É a afirmação, esperançosa e cruel, de um novo mundo em que as dinâmicas de poder e das relações íntimas vão ser reconstruídas. Muitas vezes, é uma peça olhada como devendo ser encenada com lentidão, de forma langorosa, com personagens indolentes, que não fazem nada para tomarem as suas vidas nas mãos. Na realidade, acho que é uma peça sobre um mundo que muda tão vertiginosamente que os corpos humanos não o conseguem acompanhar. É como aquelas fotografias de longa exposição: parece que tudo se move à volta, exceto a pessoa que está parada. A pessoa tem o seu tempo natural de adaptação, enquanto tudo à volta se move muito depressa. Uma das belezas de Tchékhov é que nos consegue propor personagens que são pessoas complexas, não são só símbolos. Qualquer personagem desta peça pode ser-nos muito simpática ou antipática num primeiro momento, mas podemos mudar de opinião mais à frente. Tchékhov, que era médico, tem sempre um olhar muito clínico sobre a humanidade.

Versão que pode ser vista em Lisboa a partir do dia 9 é diferente das apresentações em Avignon e Pompeia

CHRISTOPHE RAYNAUD DE LAGE

Porquê a escolha de Isabelle Huppert e porquê a estreia em Avignon?
Este espetáculo é resultado do meu encontro com Isabelle Huppert e a vontade partilhada de trabalharmos em conjunto e de trabalharmos Tchékhov.

Podemos saber em que circunstâncias se conheceram?
Já tínhamos trocado algumas mensagens. Sabia que Isabelle Huppert tinha visto vários dos meus espetáculos em França e ela sabia que eu admirava o seu percurso em cinema e teatro. Quando veio a Portugal filmar o filme “Frankie”, do realizador Ira Sachs, rodado em Sintra, contactou-me. Convidei-a a visitar o TNDMII e a ver o espetáculo de Pascal Rambert, com Rui Mendes e Beatriz Batarda, que estava em cena. Vimos o espetáculo juntos e depois ficámos a conversar longamente. Esse foi o primeiro encontro, por volta de setembro de 2018. A menção ao Tchékhov e a “O Cerejal” aconteceu logo aí. Depois de vários encontros entre Lisboa e Paris, demos forma a essa vontade. Tchékhov estava na minha lista, para quando um dia fizesse uma peça integral. Isabelle Huppert nunca tinha feito Tchékhov, era uma das conquistas por preencher. Fomos acrescentando atores, nem todos franceses. Há a Isabel Abreu, atores suíços, senegaleses, belgas. É um grupo muito diverso. Assumimos que seria um espetáculo francófono, para criar e estrear em França.

A receção em Avigon parece ter sido calorosa, mas conservadora. Que espera agora em Lisboa?
Julgo que os ecos da apresentação em Avignon foram ecos da estreia, não necessariamente das 10 apresentações que se seguiram. Houve várias particularidades na estreia: atraso de quase uma hora, por causa de protestos ligados à questão da lei do trabalho em França, o que afetou a disponibilidade do público, mas também o facto de aquele público, naquele dia, ser composto por muitas pessoas que estavam em representação institucional. Além disso, acho que houve muito público que ia para ver o espetáculo do então anunciado próximo diretor de Avignon. Foi a tempestade perfeita para que as pessoas não se concentrassem tanto no espetáculo. Foi uma estreia relativamente feliz, com reações calorosas e tépidas. Da nossa parte, foi um momento de aprendizagem. Todas as estreias da minha vida são uma tentativa. Sei que nos primeiros dias é preciso continuar a discutir e a fazer crescer o trabalho. O público, em sala, também nos ensina. É da natureza do teatro.

"Já trabalho há duas décadas com alguma regularidade em França e esta chegada a Avignon é de alguma forma um sintoma do acolhimento e do apoio enorme que a sociedade francesa sempre me foi dando."

E agora no Teatro Nacional D. Maria II?
Há condições diferentes. Não vou pôr de lado dois elementos importantes. Por um lado, estaremos a ver Isabelle Huppert. O público vai ao espetáculo e vai também para ver Isabelle Huppert, cuja notoriedade marca os primeiros minutos da peça. É uma atriz incrível, fora da norma, que depois nos transporta para Tchékhov. Por outro lado, espero que o público esteja disponível para se interessar. Nunca sou muito exigente em relação ao público, sou mais exigente em relação a mim e ao que pretendo oferecer.

Já está a trabalhar em Avignon? O que é pode adiantar da sua visão para a programação em 2023?
Assumo o posto de diretor em setembro, mas felizmente há um processo de passagem de pasta que me permite estar a trabalhar em Avignon já neste momento. Estou a acompanhar de forma silenciosa a organização da próxima edição do festival, que terá uma programação da total responsabilidade de Olivier Py e da sua equipa. Não há qualquer influência da minha parte, mas já estou na equipa, numa situação de pré-contratado. Estou a familiarizar-me e só quando assumir funções é que poderei falar com propriedade do que será o futuro do festival. Será certamente um festival cada vez mais forte, cada vez mais europeu, mais diverso, mais internacional.

O seu francês já está desenferrujado?
Desenferruja-se diariamente. Trabalho há duas décadas com alguma regularidade em França e esta chegada a Avignon é de alguma forma um sintoma do acolhimento e do apoio enorme que a sociedade francesa sempre me foi dando. É verdade que quando comecei a trabalhar em França falava muito mal francês, mas como todos os emigrantes sabem a necessidade aguça o engenho e se for preciso tornamo-nos todos poliglotas.

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