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Em 1980 os desacatos de finalistas em Espanha chegaram ao Parlamento. Fomos ouvir quem lá esteve
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Em 1980 os desacatos de finalistas em Espanha chegaram ao Parlamento. Fomos ouvir quem lá esteve

Em 1980 os desacatos de finalistas em Espanha chegaram ao Parlamento. Fomos ouvir quem lá esteve

Torremolinos, 1980. Eletrodomésticos pela janela e estudantes a passar a fronteira clandestinos

Abril de 1980. Os desacatos com finalistas chegaram ao parlamento. Fomos ouvir quem lá esteve e viu eletrodomésticos a voar e lutas de extintores. E nas décadas seguintes? Não foi muito diferente...

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Há 37 anos um grupo de estudantes portugueses provocou desacatos em Torremolinos, durante uma viagem de finalistas. Os distúrbios e estragos causados pelos estudantes levaram o caso ao Parlamento, foi aberto um inquérito, e nos anos que se seguiram ficaram proibidas as viagens de finalistas àquela cidade da costa espanhola.

Na Assembleia da República, a deputada do PS Teresa Ambrósio falava de “mobília destruída nos apartamentos”; “distúrbios nas ruas e roubos” em supermercados “onde os portugueses acabaram por ser controlados e impedidos de entrar”; “esfaqueamentos em Algeciras”, “seis jovens mortos em desastres de motorizada” na cidade espanhola; “violências físicas” e “traumas psicológicos” que levaram ao suicídio de duas jovens.

A deputada apontou o dedo ao Ministério da Educação da altura por entregar “a empresas turísticas a organização de viagens escolares de fim de curso” — deslocações que caracterizava como “viagens para desvio de menores”. Toda esta polémica levou a que, durante alguns anos, estas viagens não se realizassem.

Uns estudantes do Maria Amália, mais acalorados, tinham decidido lançar um dos electrodomésticos da cozinha pela varanda, directamente para a piscina. Como o patrulhamento da zona estava a cargo dos militares e não da Guardia Civil devido à ameaça de atentados por parte da ETA, foi mesmo com soldados em jeeps camuflados e armados de semi-automáticas que apanhámos logo pela frente.
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Fomos ouvir quem esteve em Torremolinos neste abril quente de 1980 e mais três outras pessoas que passaram por Espanha nas suas viagens de finalistas: 1987; 1997 e 2006. Conclusão: o que aconteceu no fim de semana passado está longe de ser inédito, mas também não é o pão nosso de cada viagem.

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Comecemos então por recuar ao ano de 1980. Paulo Caiado é escritor, tem 53 anos. Há 37 era um adolescente, estudava no 11º ano no liceu das Caldas da Rainha. As férias da Páscoa foram passadas em Torremolinos, na tão ansiada viagem de finalistas… que acabou mal.

É por isso com muito pouco espanto que Paulo Caiado olha para as notícias da semana passada. É que naquele abril de 1980, as coisas aqueceram ao ponto de Paulo ter ficado sem o bilhete de identidade. Teve de passar a fronteira clandestino. Sobreviveu.

Este é um excerto do texto que publicou no seu blogue, em 2010, e que aqui reproduzimos:

À porta da discoteca Piper’s, onde acabavam todas as noites

1980. A preparação da viagem

No ano lectivo de 1979/1980 a lista B encabeçada pelo Paulo Lemos voltou a vencer as eleições para a associação de estudantes do Liceu. Dela faziam parte, entre outros, o António Eduardo ‘’Dadinho’’ (que tinha o pelouro de fazer o jornal ‘’Perspectiva’’, ainda feito com stencil e com a colaboração gráfica do João Paulo Feliciano), o Rafael, a Teresa Requeijo, a Nônô,a Teresa Lamy e eu.

Eu e a Teresa ficámos com as funções de ‘’Relações Públicas’’ (pois!) e competia-nos acolher as delegações desportivas ou de outro teor das outras escolas e representar no exterior o liceu das Caldas.Também fomos incumbidos de angariar fundos para a excursão de finalistas que iríamos promover na Páscoa de 1980. (estávamos feitos!)

Lembro-me que conseguimos angariar o suficiente para toda a gente levar dinheiro de bolso para a excursão e pagá-la àqueles que não tinham dinheiro para ir.

Na Páscoa, e na companhia do padre Eduardo e da Profª Fátima, lá fomos nós para a nossa primeira viagem sem os pais.

Claro que éramos todos uns tansos armados em artistas e as miúdas bem comportadas e chegámos ao final da estadia sem termos dado uso aos preservativos. Então no último dia decidimos convidar a malta amiga e dar uma grande festa no nosso apartamento e os preservativos foram enchidos como balões e deram uma linda decoração!
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

O pai do João Miguel Dinis tinha um armazém de produtos farmacêuticos e assim, na véspera da nossa partida para a excursão de finalistas a Torremolinos, decidimo-nos abastecer de ‘’utilidades’’. Pegámos numas caixas de aspirina e de sais de fruto (na altura não conhecíamos os Kompensan), uns comprimidos para a gripe e estava tudo arrumado quando um de nós (não fui eu!) se lembrou dos preservativos.

— É pá aquilo vai estar cheio de miúdas de outras terras e temos de estar preparados!

Rimo-nos uns para os outros e um pouco a medo o João lá colocou uma caixa de Durexes no embrulho. Nos dias seguintes as nossas expectativas sobre a viagem iam crescendo e de cada vez que em grupo antevíamos o “programa’’ lá vinha alguém dizer ao João Miguel que se calhar era melhor pôr mais uma caixa na mala.

Passaram-se entretanto umas semanas e lá partimos para Torremolinos. Ao chegarmos, quando abrimos a mala descobrimos numa enorme gargalhada que o João Miguel tinha literalmente atestado a mala de durexes.

Claro que éramos todos uns tansos armados em artistas e as miúdas bem comportadas e chegámos ao final da estadia sem termos dado uso aos preservativos (alguns de nós, pelo menos, que eu sei bem que … cala-te boca!). Então no último dia decidimos convidar a malta amiga e dar uma grande festa no nosso apartamento e os preservativos foram enchidos como balões e deram uma linda decoração!

1980. A chegada com polícia à porta e eletrodomésticos a voar

Na Páscoa de 1980 realizou-se a excursão a Torremolinos, tão ansiada durante todo o ano.

Logo à chegada ao complexo Zodiaco em Benalmadena, nos arredores de Torremolinos, tivemos uma antevisão do que iria ser aquela semana, com um enorme aparato militar diante de uma das torres de apartamentos.

Uns estudantes do Maria Amália, mais acalorados, tinham decidido lançar um dos electrodomésticos da cozinha pela varanda, directamente para a piscina. Como o patrulhamento da zona estava a cargo dos militares e não da Guardia Civil devido à ameaça de atentados por parte da ETA, foi mesmo com soldados em jeeps camuflados e armados de semi-automáticas que apanhámos logo pela frente.

Chegámos à torre onde se fazia o check-in geral, a Torre Piscis, e no meio de toda a burocracia envolvendo a identificação, preenchimento de papelada e agrupamento por apartamento de todos os excursionistas, acabei com o meu BI retido como precaução da unidade hoteleira para o caso de sairmos sem pagarmos eventuais (quase certos, pronto!) danos que fizéssemos durante a estadia. Comecei bem!

E lá vamos nós! Tudo a correr para os apartamentos, a despejar o menos possível as malas e a colocar os consumíveis em qualquer lado que estivesse mais à mão, porque a nossa vida não era aquela e o tempo fugia!

As donzelas, mais ponderadas, faziam o levantamento local dos supermercados e drugstores e abasteciam-se de frutas e verduras. Quem mais se lembraria de cozinhar nos apartamentos?! Nós pelo nosso lado estávamos bem providos de latas de salsichas da Nobre, feijoadas e chispalhadas da Frami, pão de forma e queijo flamengo, só nos teríamos que preocupar com as bebidas e com quem nos lavasse a louça!
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Enquanto uns procuravam uns bares para comer uns cachorros ou hambúrgueres e entornar umas San Miguel, Cruzcampo ou Estrellas, outros marchavam para a piscina. As donzelas, mais ponderadas, faziam o levantamento local dos supermercados e drugstores e abasteciam-se de frutas e verduras. Quem mais se lembraria de cozinhar nos apartamentos?! Nós pelo nosso lado estávamos bem providos de latas de salsichas da Nobre, feijoadas e chispalhadas da Frami, pão de forma e queijo flamengo, só nos teríamos que preocupar com as bebidas e com quem nos lavasse a louça!

Nessa noite fizemos a pé toda a avenida marginal até chegarmos a Torremolinos. Um percurso que passaríamos a fazer diariamente, nos dois sentidos, e logo após um jantar numa esplanada da Calle San Miguel, toca a conhecer a Movida Torremolina. Chegamos à Avenida de Palma de Mallorca, a principal da cidade e onde se situam a maioria das discotecas; está infestada de estudantes e de belas raparigas que nos oferecem com um largo sorriso uns vouchers de desconto para discotecas. Quase escolhemos aonde ir pelas beleza das hospedeiras.

Vamos começar a primeira ronda da semana, Joy, Papillon, Gatsby, Borsalino, Eldorado, Tiffany’s, Jay-Alay, Palladium, Number One, Cleopatra, Boga-Boga (onde pela primeira vez vimos nevoeiro artificial), já não importa a quais fomos na primeira noite, foram muitas e continuámos nas outras noites, seleccionando-as e repetindo a visita às que gostámos. Invariavelmente acabávamos na melhor de todas, o Piper’s Club.

Primeira noite, chego à porta do Piper’s e deparo-me de imediato com estudantes de Torres Vedras e com uma velha paixoneta, começamos bem, mesmo! Faz-me um sorriso enjoado e nem olhou mais para mim! Adiante que a discoteca é grande e há mais gaivotas no ar (private joke!). Ficámos fascinados pela sua dimensão, pela sua decoração e pela tecnologia da segunda pista de dança, que estava assente nuns hidráulicos o que lhe permitia subir e descer. Faziam-se filas para ganhar um lugar numa cadeira baloiço gigante com lotação para oito pessoas e faziam-se filas no longo balcão cuja dimensão estava marcada pelo desenho da fita métrica que o decorava.

O local escolhido foi então um patamar situado mesmo diante do bar e estrategicamente colocado junto ao famoso biombo translúcido. Durante a noite várias dançarinas iam dançar à vez por trás de um biombo com painéis feitos num qualquer tecido translúcido o que permitia ver a silhueta da bailarina e os seus movimentos insinuantes.

Se no início o nosso interesse residia em ver as bailarinas ao vivo e a cores, já que elas acediam às traseiras do biombo por uma porta aí situada e a sua passagem não era visível de outro ponto da discoteca, já ao fim de alguns dias o atrevimento era tal que nos permitia ir dançar com elas para trás do biombo quando não o deitávamos abaixo, com um ‘’ups, foi sem querer!’’ e um olhar rápido para os gorilas da segurança que nos marcaram logo muito cedo!

Nessa mesma noite voltámos a pé para Benalmadena, fazendo ainda uma curta paragem numa ou outra discoteca situada pelo caminho. Sempre a beber um gin tónico para cobrir o consumo mínimo. Tivemos assim suficiente combustível para fazer os escassos 4 kms de marginal que mediavam entre as duas localidades.
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Voltaremos ao Piper’s numa outra noite.

Nessa mesma noite voltámos a pé para Benalmadena, fazendo ainda uma curta paragem numa ou outra discoteca situada pelo caminho. Sempre a beber um gin tónico para cobrir o consumo mínimo. Tivemos assim suficiente combustível para fazer os escassos 4 kms de marginal que mediavam entre as duas localidades.

Ao chegarmos ao Zodiaco fomos surpreendidos pela algazarra que vinha das zonas da piscina e como quem não quer a coisa fomos fazer uma patrulha para avaliar a situação. A piscina estava com mais movimento que a piscina de S. Pedro de Moel num dia de Agosto! Dezenas de miúdas dentro de água e muitas sem se preocupar com o Dress Code apropriado!

Já esfregávamos as mãos … com o bronzeador, pensando em ir ao apartamento vestir um fato de banho, quando ouço alguém a chamar por mim de dentro da piscina. Olhei para o grupo de raparigas e não reconheci nenhuma, a menos que fosse alguma das que se escondiam por trás das outras ou que tinham submergido nesse momento. Decididamente era difícil passar anónimo na noite espanhola!

Ela abre-me os braços com um enorme sorriso pretendendo-me abraçar e encharcar-me de alto a baixo. Tento não cair nessa mas agacho-me junto à beira da piscina para a beijar. Quando dou por mim estou completamente debaixo de água, todo vestido e calçado!
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Aproximo-me da piscina e finalmente vejo quem me chamara. Uma bela morena de olhos verdes e uma estranha coloração branca nas pestanas. A Paula G. Tínhamos tido um curto namoro de Verão no ano anterior na Torralta do Alvor. Sem telemóveis ou net, acontecera o mesmo que aos outros namoricos de Verão fora da Foz. Adeus e até um dia!

Ela abre-me os braços com um enorme sorriso pretendendo-me abraçar e encharcar-me de alto a baixo. Tento não cair nessa mas agacho-me junto à beira da piscina para a beijar. Quando dou por mim estou completamente debaixo de água, todo vestido e calçado! O Filipe Monteiro do Pó, em excursão pela sua escola, o Colégio Manuel Bernardes, não encontrou melhor forma de me dar conta da sua presença e de como estava contente por me ver, senão dar-me um encontrão para dentro de água!

Ok. Ainda agora chegámos e já tinha meia Torremolinos a rir-se da minha situação! Já não bastava a gaivota de Torres Vedras!

1980. No Corte Inglés com a ETA por perto

A Paula não consegue parar de rir com o meu mergulho e é assim que me apresenta às suas amigas. É assim, molhado e ainda dentro da piscina que as cumprimento. O Filipe afasta-se a rir, evitando receber o mesmo tratamento. Então a Paula convida-me a ir ao apartamento que divide com as amigas, na condição de eu ir primeiro trocar de roupa, claro.

Chegámos ao apartamento e esperava-me uma surpresa, o meu quarto estava ocupado e só faltava ter uma placa de NOT DISTURB pendurado na porta! Logo na primeira noite?! Chiça que o rapaz é rápido!

Mas eu tinha mesmo que trocar de roupa pois estava encharcado da cabeça aos pés! Então, como quem não quer a coisa, fui entrando de mansinho, pedindo mil desculpas, quase dizendo para continuarem e fazerem como se eu não estivesse ali, essas coisas que dizemos quando não queremos incomodar, e fui buscar uns jeans e um pólo, tentando sair o mais rapidamente possível o que não foi fácil considerando que ainda não tinha desfeito a mala.

Quando saí do quarto e perante o gozo dos outros, dou-me conta que não tinha trazido os sapatos, tive que voltar outra vez!

— Desculpem lá! Esqueci-me dos sapatos!
— %&$#(/%$#=!)O#”!!!!
— Pois, tens razão! Mas que queres, esqueci-me, pronto!

Já ia porta fora de novo, quando ouço de lá de dentro.

— Vê lá se não te esqueceste de mais nada?
— ‘’Shit! Esqueci-me da roupa interior!’’

A rapariga rebolava-se de riso, tentando já com pouco esforço esconder a cara. Vi que me era completamente estranha! Conquista de primeira noite em Espanha. O rapaz era mesmo maganão!

Lá voltei uma terceira vez ao quarto e tentei encontrar no meio da mala, na quase completa escuridão, as peças de roupa que me faltavam. Finalmente consigo vestir-me e parto para o apartamento da Paula. Com o meu quarto ocupado peço-lhe guarida e é no meio de 5 raparigas desejosas de ouvir as nossas estórias que passo a noite. Parecia eu no Colégio de Santa Clara ou das Quatro Torres (leiam Enid Blyton, um clássico!)!

Ao chegarmos a Málaga temos a primeira certeza. Tinha havido uma ameaça de atentado pela ETA e os arruamentos em redor do Corte Inglés estão barricados e isolados pelos militares. Temos de dar uma grande volta para entrar nos armazéns.
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

No dia seguinte, com um par de horas mal dormidas, consigo finalmente entrar no meu quarto e dar um arrumo às coisas. Decidimo-nos a ir jogar ténis nuns courts de piso sintético que víramos na véspera junto à marginal. O piso é afinal de cimento e muito abrasivo, dou cabo das solas das minhas novas Sanjo num instante. Vou ter que comprar umas sapatilhas novas!

Nessa tarde decidimo-nos a ir a Málaga ao El Corte Inglés. Vamos a Torremolinos apanhar o autocarro e chegamos mesmo em cima da hora da partida. Com isso não comprámos bilhetes, habituados que estávamos a comprá-los dentro do autocarro na carreira para a Foz. Quando aparece um revisor, foi uma festa tentando escapulir para as traseiras. Felizmente nenhum de nós foi apanhado, entre os rapazes ia eu, o João Miguel, o Rafael, o João Gancho, o Paulo Lemos, a Isabel Marques e alguns outros.

Ao chegarmos a Málaga temos a primeira certeza. Tinha havido uma ameaça de atentado pela ETA e os arruamentos em redor do Corte Inglés estão barricados e isolados pelos militares. Temos de dar uma grande volta para entrar nos armazéns.

Resolvemos então participar na festa e começámos a gritar também, a puxar das camisas e dos cabelos. As amigas que estavam connosco alinharam na fita e fizeram igualmente a sua parte, com o pobre do Pedro Marin de sorriso de orelha a orelha a acreditar na genuinidade da nossa emoção. Saímos de lá com autógrafos nos braços e a jurar que nunca mais tomaríamos banho para que o autógrafo não saísse!
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Eu sigo directo para o piso do vestuário para homem e decido-me a comprar (final da década de 70, o que é que querem!) umas jardineiras de bombazina brancas, a grande moda em Torremolinos! Só tem um problema, estão grandes e é necessário fazer a bainha, mas para isso teria de as deixar para o dia seguinte. Nem pensar! Arranjarei quem as faça entre as minhas amigas. Depois vou ao piso do calçado para comprar umas substitutas para as minhas sapatilhas desfeitas e hesito entre umas John Smith e uma Converse All Stars, no final acabo por comprar umas sapatilhas espanholas todas brancas e sem cano que ligariam muito bem com as jardineiras.

Jardineiras brancas, t-shirt branca e sapatilhas brancas, vou parecer o homem dos gelados! Imaginem o efeito sob a luz negra das discotecas!!! Um horror!

Nisto começamos a ouvir uma enorme gritaria (literalmente!), a ver uma grande algazarra e dezenas de jovens a correr para as escadas rolantes que levam para baixo! Pensamos que é uma ameaça da ETA, mas não ouvimos nenhuma explosão. Será que disseram alguma coisa nos altifalantes que nós não percebemos?!

Então estávamos nós em alerta máximo perante a histeria que enfrentávamos e decidimo-nos a seguir a multidão de jovens até ao piso 0. Afinal era a grande estrela da canção espanhola daquele Inverno que estava na zona de discoteca a dar autógrafos. Pedro Marin de seu nome. Os seus êxitos ‘’Aire’’ e ‘’Que No’’ eram passados pelo menos umas três vezes por noite nas pistas do Piper’s. Dois meses depois, em pleno Verão português haveria de atingir também aqui o primeiro lugar do top de vendas!

As miúdas espanholas estavam verdadeiramente histéricas, só tinha visto uma cena daquelas nos antigos documentários sobre os Beatles. Resolvemos então participar na festa e começámos a gritar também, a puxar das camisas e dos cabelos. As amigas que estavam connosco alinharam na fita e fizeram igualmente a sua parte, com o pobre do Pedro Marin de sorriso de orelha a orelha a acreditar na genuinidade da nossa emoção. Saímos de lá com autógrafos nos braços e a jurar que nunca mais tomaríamos banho para que o autógrafo não saísse!

Ao voltarmos decidimos tentar a sorte e não comprar bilhete. Apenas as raparigas não quiseram arriscar e quando o revisor apareceu foi o bom e o bonito para conseguir ir passando os bilhetes de mão em mão sem que ele o detectasse. Julgo que o João Gancho ainda foi apanhado e teve que pagar uma multa!

Ao chegar ao apartamento, encontro o maganão com um amigo e duas meninas, uma é a da véspera. Comento que tenho de arranjar quem me faça a bainha das calças e ela oferece-se com um olhar matreiro para ir comigo ao seu apartamento tratar do assunto. Estou mesmo a ver, eu vestir e a despir calças sozinho com ela. Não obrigado! Amigas dos meus amigos são irmãs para mim! (diz a raposa à lebre!)

Lembro-me então que a Margarida Arroz é a rapariga mais prevenida que eu conheço, às vezes até ao exagero o que nos levou a troçar com ela pela quantidade de medicamentos e a caixa de costura que levara para Torremolinos. Afinal acabei por necessitar dela para ambas as situações! Vou com o João Miguel ao seu apartamento que divide com Teresa Lamy e mais algumas amigas.

Como sempre, a Margarida recebe o meu pedido com o seu ar maternal e dispõe-se à tarefa! Contudo fico espantado em ver algumas das meninas, a Margarida Nascimento, a Goretti, a Maria João, já aperaltadas cheias de enchumaços e leggings (anos 80!) enquanto outras se atropelam na cozinha. Enquanto espero que a Margarida me faça as bainhas, fujo para a cozinha e começo a rapar a forma de massa crua de um bolo. A Teresa dá-me com a colher de pau nas mãos e tenta afastar-me da cozinha.

O leite que tinham levado estragara-se com o calor do autocarro na viagem para Espanha e tinha servido para fazer o leite-creme que era uma especialidade da Margarida que com o trabalho que teve comigo e a pressa, nem notou que o leite azedara! No dia seguinte ninguém do grupo foi avistado nas imediações das discotecas. Os rapazes agarrados às calças e as raparigas com vergonha de os encontrar.
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

Fico completamente fulo quando soube que estavam a preparar um jantar para oferecer a um grupo de Torres Vedras, o Zé Manel Bota-Fora e seus amigos, que tinham conhecido umas semanas antes no Green Hill. A nós, aos seus amigos de sempre, nunca nos tinham oferecido nenhum jantar, nem nas Caldas nem em outro lugar qualquer! Francamente!!!

Saio do apartamento com as calças arranjadas, mas a reclamar aos quatro ventos! Quando os outros sabem da história ficam igualmente fulos e esperamos encontrá-las à noite na discoteca para cravá-las para um jantar logo no dia seguinte! Esperamos toda a noite no Piper’s mas elas não aparecem. Foram para outra discoteca, pensamos nós ainda mais irritados! Só no dia seguinte soubemos o que se passou.

O leite que tinham levado estragara-se com o calor do autocarro na viagem para Espanha e tinha servido para fazer o leite-creme que era uma especialidade da Margarida que com o trabalho que teve comigo e a pressa, nem notou que o leite azedara! No dia seguinte ninguém do grupo foi avistado nas imediações das discotecas. Os rapazes agarrados às calças e as raparigas com vergonha de os encontrar.

Deus não dorme!

1980. No Bonanza com o padre e o travesti

Os dias sucederam-se a um ritmo vertiginoso e depressa demais para o nosso gosto. Dormíamos pouquíssimo e apenas nas horas mortas por forma a estender ao máximo o nosso tempo útil de diversão. Dividiamo-nos em grupos e enquanto uns iam às praias do Lido, de Bajondillo e de La Carihuela ou permaneciam na piscina, outros passavam a tarde nas esplanadas da Calle de San Miguel ou participavam em excursões a Mijas, Marbella e Puerto Banus.

À noite percorríamos as discotecas de Torremolinos e regressávamos a pé a Benalmadena. Muitos estudantes de outras localidades optavam por alugar motocicletas e conduziam-nas com dois e três passageiros sem qualquer tipo de protecção.

Uma noite regressávamos a Benalmadena pela Avenida de Palma de Mallorca e a meio caminho recebemos a notícia de um trágico acidente de mota envolvendo dois estudantes de Torres Vedras. Por uma vez a noite acabou triste e pesarosa para todos, perdendo nós a vontade de a estender nas nossas farras nocturnas que normalmente terminavam com o nascer do sol.

Num final de tarde um grupo vem a correr até à piscina para nos chamar. Entre risadas contam que estavam a vaguear pelas calles quando entraram num bar chamado Bonanza, entre eles estavam o João Gancho e a acompanhá-los o Padre Eduardo. O barman era um transformista chamado Miguel, Miguel do Bonanza como era conhecido e que quando se transvestia assumia o personagem de ”Agata”.

Uma noite regressávamos a Benalmadena pela Avenida de Palma de Mallorca e a meio caminho recebemos a notícia de um trágico acidente de mota envolvendo dois estudantes de Torres Vedras. Por uma vez a noite acabou triste e pesarosa para todos, perdendo nós a vontade de a estender nas nossas farras nocturnas que normalmente terminavam com o nascer do sol.
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

O João Gancho picou-o para se ir mudar e o Miguel do Bonanza ficou todo dengoso com o João que se fartou de gozar incitando-o a encarnar o seu personagem. O bom do Padre Eduardo bem que tentou afastar o grupo do bar mas o mais que conseguiu foi ele próprio se retirar deixando o grupo entregue à sua diversão. Fomos a correr assistir ao pagode e ainda apanhámos a ‘’Agata’’ a dançar umas sevilhanas para o João. No final da tarde tivemos que protegê-lo das insistências do travesti que queria à força dançar mais umas músicas para o João.

Nessa noite fizemos mais uma rodada pelas discotecas, acabando como sempre no Piper’s.

Há muitas noites que um grupo de miúdas de Oviedo, nas Astúrias, também em excursão de finalistas, rondavam um dos grupos de rapazes do liceu das Caldas, metendo conversa com eles e sistematicamente pegando nas suas bebidas para irem matando a sede sem ter pagar as suas próprias bebidas, bem, ou era essa a razão, ou encontraram assim uma forma de se colarem ao grupo. Era vê-las sempre a dançar junto aos caldenses no patamar diante do famoso biombo das dançarinas e nunca entrando nas pistas de dança.

Este grupo era formado entre outros pelo Tó Zé Faustino do Bombarral, pelo Paulo Renato Castro e pelo José da Silva. A determinada altura já fartos da insistência das raparigas em pegar os copos das suas mãos e bebericarem deles, decidiram pregar-lhes uma partida.

De cada lado dos três ou quatro degraus que davam para esse patamar, havia uns pequenos lagos com nenúfares e algumas trepadeiras. Invariavelmente esses pequenos lagos terminavam a noite apinhados de copos, pois à falta de outro local para os pousar e uma vez vazios, era aí que todos os depositavam. A água continha muitos elementos vegetais em suspensão dando-lhe uma cor verde. Assim numa noite, os rapazes decidiram encher os copos com essa água sabendo o que aconteceria pouco depois.

E assim foi! Uns minutos depois eis que chega o grupo de espanholas e recomeça a dança, com elas a bambolearem-se à sua volta e a pedirem-lhes os copos para bebericarem.

— Tiene un color hermoso. ¿qué es?’
— Pisang Ambon! – retorquiram os rapazes com um tom meio enfadado, meio contido.

As raparigas beberam e não se desfizeram! – uma até disse que era muito bom.

Tivemos que nos virar para esconder o riso! Não me recordo já se lhes serviu de remédio ou se os rapazes lhes ofereceram por uma vez as bebidas. Ai! Longas eram as noites!

1980. Luta de extintores e BI’s apreendidos

Estávamos no nosso apartamento a recuperar forças para o que seria a nossa última noite, quando ouvimos uma grande algazarra. Saímos de imediato do apartamento e deparamo-nos como uma autêntica cena de guerra, por todo o lado e em todos os pisos havia rapazes e raparigas a degladiarem-se com extintores de incêndio. Era uma fumarada ou melhor uma polvilhada tal que parecia que os halls estavam imersos em nevoeiro!

Toda a gente parecia moleiros, enfarinhados de alto a baixo!

Foi o bom e o bonito! Não havia nada a fazer pois quem não entrava na festa só tinha duas alternativas: ou reentrava nos apartamentos e esperava pelo fim do motim ou deixava-se fumegar passivamente!

A brincadeira acabou com a chegada dos seguranças e uma convocatória geral para o hall da recepção onde nos esperavam a administração do empreendimento, que nos pretendia (a todos, de todas as escolas) expulsar na hora, os professores que acompanhavam as diversas escolas e ainda um corpo policial.

Enfim, a última grande reprimenda da minha vida!

Às tantas já tínhamos algumas raparigas a telefonar para os pais a dizerem que iríamos todos ser expulsos de Espanha... e sem bilhetes de identidade! Lembro-me que alguns pais estavam mesmo dispostos a meter-se a caminho para resgatarem as suas filhas das garras dos nossos ‘’captores’’!
Paulo Caiado, escritor, finalista em 1980

À chegada, quando fizemos o check-in, alguns de nós tinham visto o seu BI retido na recepção como garantia para evitar ou compensar eventuais danos. Bem, eles não estavam a pensar neste tipo de danos!

Às tantas já tínhamos algumas raparigas a telefonar para os pais a dizerem que iríamos todos ser expulsos de Espanha… e sem bilhetes de identidade! Lembro-me que alguns pais estavam mesmo dispostos a meter-se a caminho para resgatarem as suas filhas das garras dos nossos ‘’captores’’! Nós que faziamos parte da Associação de Estudantes começámos achar tudo aquilo um exagero e tanto mais que os estudantes das Caldas eram dos menos culpados da situação. Fizemos tudo em legítima defesa! LOL!

Com a ajuda dos nossos professores e do responsável da agência de viagens conseguimos dialogar com os administradores do empreendimento e lá conseguimos que libertassem todos os BI com excepção do meu e não sei se do Paulo Lemos, que era o Presidente da Associação e que teve um papel de destaque nessas negociações. Deveria ter ido para a carreira diplomática, o nosso Paulo!

No final lá passei clandestino a fronteira. Julgo que foi a primeira vez na história que um português passou a fronteira na clandestinidade… no sentido Espanha-Portugal!

Uns anos depois, em passagem por Torremolinos com o Rui Rodrigues, as minhas irmãs e a Cristina Machado, voltámos a ir ao Piper’s (agora com um grande cubo de água no interior a fazer de piscina!) e lembrei-me de ir mostrar às minhas irmãs “a cena do crime”.

O meu BI continuava pregado, juntamente com outros, na parede por trás da recepção! Safa!

1987 – Uma viagem tranquila

Mariana já não consegue precisar a que horas partiram os cerca de quatro autocarros que iriam transportar os alunos da Escola Secundária de Cacilhas para Benalmádena, perto de Torremolinos. “Acho que fizemos a viagem durante a noite e chegámos lá de madrugada ou de manhã”, recorda. Os pormenores da viagem de finalistas são escassos — afinal, já passaram 30 anos –, mas lembra-se que a deslocação até ao sul de Espanha correu sem grandes sobressaltos e sem acompanhamento policial — “ao contrário de hoje em dia”.

O mesmo aconteceu à chegada ao hotel. Coube aos professores que acompanhavam os alunos tratar do check-in. A escolha dos quartos e os seus respetivos hóspedes já tinha sido alinhavada em Lisboa: os alunos do 12º e alguns dos 11º. ano disseram com quem queriam ficar e os professores organizaram tudo de acordo com as suas preferências. “Depois do check-in, deram-nos as chaves e fomos para o quarto”.

Mariana, na altura com 18 anos, ficou com mais três raparigas: duas irmãs gémeas — de quem ainda hoje é amiga — e uma amiga delas. Apesar de as quatro camas postas de propósito no quarto terem-no tornado “um pouco cheio” — era um quarto duplo com duas camas extra –, a divisão incluia um roupeiro, casa de banho com banheira e mesa de apoio. “Não tive quaisquer razões de queixa”, explica Mariana, acrescentando que os quartos foram limpos “pelo menos duas vezes”, e os respetivos lençóis e toalhas substituídos, durante a semana em que lá estiveram.

Dava-se assim início a uma semana de férias. O ritual foi quase sempre o mesmo durante sete dias. “Levantávamo-nos, tomávamos o pequeno-almoço e saíamos do hotel. Regressávamos para almoçar e voltávamos a sair. E ao jantar a mesma coisa”, conta. Houve dias, porém, em que o pequeno-almoço era tomado fora do hotel porque não acordaram a horas.

"Não havia bar aberto e bebidas incluídas. O hotel não dava acesso a bebidas alcoólicas. Isso era pago à parte pela própria pessoa, o que também evitava as extravagâncias", recorda. Cerveja e "tangos" -- "cerveja com groselha" -- eram as bebidas de eleição destes adolescentes.
Mariana, finalista em 1987

Mariana ainda se recorda do jardim “enorme e arranjadinho” e da piscina “gigante” do hotel, mas grande parte dos seus dias eram passados com um grupo de cerca de dez amigos, entre a praia — cuja areia era “rija e com pedras” — e a vila.

Quem não achava muita graça a esta ‘invasão” portuguesa’ eram os espanhóis. “Nunca foram malcriados nem nunca se recusaram a atender-nos, mas havia lojas e supermercados em que entrávamos e assim que percebiam que éramos portugueses, perdiam o sorriso”. Mariana justifica esta atitude com a antiga rivalidade entre Portugal e Espanha — “eles não gostavam de nós e vice-versa” — e não tanto contra os jovens em particular.

As noites eram passadas nas discotecas e nos bares de Benalmádena. Era nessa altura — e praticamente só aí — que o álcool entrava em cena. E tudo às custas dos alunos. “Não havia bar aberto e bebidas incluídas. O hotel não dava acesso a bebidas alcoólicas. Isso era pago à parte pela própria pessoa, o que também evitava as extravagâncias”, recorda. Cerveja e “tangos” — “cerveja com groselha” — eram as bebidas de eleição destes adolescentes. “Lembro-me que andávamos muito à procura de cerveja espanhola para experimentar”.

Comas alcoólicos? Cenas de pancadaria? Que Mariana se lembre, não. “Não quer dizer que não houvesse ninguém que tenha ficado mais alegre, mas nada do outro mundo”, explica. Podia haver “rivalidades entre escolas”, acrescenta, mas isso não ultrapassava os “cantares dos alunos”, “como os que se fazem nas claques”, a defenderem a sua escola.

Não foi, contudo, uma viagem isenta de distúrbios. Um aluno foi apanhado a tentar roubar um boneco de uma loja de souvenirs. “Estávamos todos dentro da loja e mandaram-nos sair. Só mais tarde é que me contaram o que se tinha passado, mas foi uma coisa pontual”. E ainda um assalto a um professor, que tinha levado a mulher à viagem. “Uma lambreta passou por eles e tentou levar a mala da mulher. Ele tentou agarrar a mala e foi de arrasto”, conta Mariana, acrescentando que o professor chegou a ter de ir ao hospital.

Pouco mais. “Não houve colchões na piscina, nem televisões na banheira. Aliás, nem sequer tínhamos televisão nos quartos”, recorda.

1997 – “Foi o caos”

Muito menos tranquila foi a viagem de finalistas de Sofia a Lloret de Mar. Na prática, foi a segunda viagem de finalistas desta antiga estudante, que repetiu o 12.º ano para melhoria de notas.

Tudo aconteceu nas férias da Páscoa em 1997. A festa começou logo na viagem de autocarro, que levou os cerca de 20 alunos até ao sul de Espanha. Havia música alta, cantoria e droga. “A parte de trás do autocarro era toda uma nuvem de fumo, com pessoas a fumarem ‘ganzas’. Mas isso já tinha acontecido noutras ocasiões: até numa viagem que fizemos à Serra da Estrela”, recorda.

“Estávamos todos contentes e livres”, acrescenta. Livres no verdadeiro sentido do termo: não havia um único adulto a supervisionar estes estudantes. A viagem tinha sido organizada por um elemento da associação de estudantes e foi este aluno que os acompanhou durante toda a viagem.

A parte de trás do autocarro era toda uma nuvem de fumo, com pessoas a fumarem 'ganzas'. Mas isso já tinha acontecido noutras ocasiões: até numa viagem que fizemos à Serra da Estrela"
Sofia, finalista em 1997

Com a chegada a Espanha, a diversão foi transferida para o hotel e para as ruas da cidade espanhola. As memórias que Sofia tem do alojamento não são as melhores: “Era podre, abaixo de tudo”. Os quartos nada mais tinham do que camas, mesas de cabeceira e casa de banho. “Acho que nem sequer tinham roupeiro. Havia malas pelo chão e a roupa estava toda espalhada”.

Limpeza aos quartos? Nem vê-la. “Não me lembro de trocarem os lençóis durante toda a semana que lá estivemos. Aliás, nem sequer me lembro de ver comida. Íamos sempre jantar fora”. Sofia ficou num quarto com mais “três ou quatro” raparigas. Mas só na teoria, porque os estudantes dormiam todos nos quartos uns dos outros e não necessariamente na cama que lhes estava atribuída. “Era tudo ao molho e fé em Deus”.

Como não estava bom tempo, os dias eram passados “numa sala de jogos gigante”, com direito a pista de carrinhos de choques, a passear pela cidade e em esplanadas. Com a chegada da noite, a festa passava para os bares e discotecas, “a única coisa que há em Lloret de Mar” — e aí entravam as bebidas alcoólicas.

Houve batalhas campais que aconteceram dentro do próprio hotel. Resultado final: "paredes totalmente esburacadas" e tiro ao alvo a estudantes das janelas do hotel.
Sofia, finalista em 1997

Os episódios são muitos, recorda Sofia: cadeiras e outros objetos foram parar dentro da piscina e houve algumas cenas de pancadaria. Mas houve um elemento que marcou a diferença em 1997: “Naquele ano estavam na moda umas pistolas de pressão com bolinhas de plástico. Todos os rapazes compraram aquilo e depois andamos aos tiros uns aos outros”.

Batalhas campais que aconteceram dentro do próprio hotel. Resultado final: “paredes totalmente esburacadas” e tiro ao alvo a estudantes das janelas do hotel. Escusado será de dizer que os funcionários do hotel não gostaram do aconteceu, apesar de Sofia dizer que nunca foram mal tratados. “Ficaram chateados e claro que perdemos a caução. Foi o caos”.

A calma só chegou na viagem de regresso a Portugal: “Estávamos podres”, confessa.

Um relato muito semelhante ao que se conta das viagens de finalistas de hoje em dia. Com uma diferença, realça Sofia: “Na altura não havia redes sociais nem notícias durante 24 horas. Isto não é uma coisa de uma geração: são coisas de miúdos de 15 e 16 anos, sozinhos e com álcool à mistura”.

2006 – Festa de espuma dentro do quarto

Lloret de Mar também foi o destino da viagem de finalistas de Ricardo. Tal como Sofia e Mariana, a deslocação até ao sul de Espanha foi feita de autocarro. Sem qualquer adulto para os supervisionar, a festa começou logo na Margem Sul. “Éramos só nós [os alunos] e o motorista. Assim que entrámos, o senhor avisou-nos que, desde que não partíssemos nada nem vomitássemos, podíamos fazer o que quiséssemos”, explica o antigo estudante.

E assim foi, pelo menos até acabar o álcool. A maioria dos cerca de 20 jovens que estava no autocarro tinha levado a sua garrafa de vodka — sem contar com a droga, embora não tivessem fumado dentro do autocarro para “não ficar uma estufa lá dentro”.

À medida que decorria a viagem, foram feitas várias paragens em estações de serviço. Altura em que a festa passava para o exterior. “Conforme íamos parando nas estações de serviço, íamos conhecendo outras pessoas que também estavam a caminho de Lloret. Todos levávamos álcool, então fomos bebendo shots uns com os outros”. Ricardo ainda se lembra de uns estudantes de Borba, cuja única bebida que tinham era “vinho da terra”, e com quem voltaram a encontrar-se já na cidade espanhola.

"Éramos só nós [os alunos] e o motorista. Assim que entrámos, o senhor avisou-nos que, desde que não partíssemos nada nem vomitássemos, podíamos fazer o que quiséssemos"
Ricardo, finalista em 2006

As paragens em estações de serviço começaram a reduzir com o passar das horas — grande parte da viagem foi feita durante a noite, já que o autocarro só saiu de Lisboa ao final do dia. Depois da excitação das primeiras horas — e já sem bebidas alcoólicas –, o resto da viagem foi passada a dormir ou a ver filmes. “Lembro-me que estive a ver o ‘Saw’. O primeiro filme saiu nesse ano”, diz Ricardo.

Só chegaram a Lloret de Mar perto da hora de almoço, mas irem até ao hotel não foi fácil. “O autocarro não conseguia chegar até ao hotel porque era numa rua estreita. Por isso, deixou-nos ao pé da zona dos bares e discotecas e nós tivemos de acartar as malas durante mais ou menos um quilómetro”.

A primeira coisa que fizeram quando chegaram foi “pousar as malas no quarto, tirar os fatos de banho e ir para a piscina”. E logo ali começaram os problemas. Um amigo de Ricardo teve a ideia de pôr uma mesa na borda da piscina e, em cima dela, uma cadeira para se poderem atirar para dentro de água. Esse adolescente foi o primeiro a tentar a proeza e partiu um braço no fundo da piscina “porque não se apercebeu que se tinha atirado para a parte menos funda da piscina”. Acabou por ter de ir ao hospital, mas assim que regressou foi direto para discoteca com os amigos.

Os adolescentes jantavam no hotel e depois iam para os quartos dar início à festa, com direito a música, álcool e drogas. Como ocupavam quase um andar inteiro do hotel, as portas do quartos estavam sempre abertas para todos poderem circular à vontade.
Viagem de finalistas de 2006

Mas a noite para estes estudantes da Margem Sul começava muito antes de irem para as discotecas. Os adolescentes jantavam no hotel e depois iam para os quartos dar início à festa, com direito a música, álcool e drogas. Como ocupavam quase um andar inteiro do hotel, as portas do quartos estavam sempre abertas para todos poderem circular à vontade.

“Cada quarto era uma festa diferente”, recorda Ricardo. Um deles foi apelidado de “quarto do sabonete” porque era onde estava o “sabonete” (a droga) que os estudantes se tinham juntado para comprar antes de partirem para Espanha — “aqueles que quiseram contribuir devem ter dado seis ou sete euros”. Havia ainda o “quarto da espuma”: “Num dos quartos, tiveram a ideia de encher a casa de banho toda com espuma, então fizemos uma festa da espuma”.

Depois deste aquecimento, seguiam para as discotecas — no plano da viagem estava incluída a deslocação, a estadia com pequeno-almoço e jantar e ainda entradas grátis em duas discotecas com direito a cerca de quatro senhas para bebidas. “Todas as noites experimentávamos discotecas diferentes e apanhámos bebedeiras”. Ricardo lembra-se que era recorrente encontrar pessoas em ‘coma alcoólico’ nas ruas de Lloret de Mar, a partir da uma da manhã, e as “tareias” entre adolescentes eram diárias.

Ricardo lembra-se que era recorrente encontrar pessoas em 'coma alcoólico' nas ruas de Lloret de Mar, a partir da uma da manhã, e as "tareias" entre adolescentes eram diárias. Alunos de outra escola atiraram uma televisão pela janela.
Viagem de finalistas de 2006

As noites acabavam, por norma, no hotel. Ricardo diz ter dormido umas três vezes na sua cama: “dormíamos todos uns com os outros, e havia noites em que não dormíamos: íamos descansar para a praia”.

Tirando as festas nos quartos, o antigo estudante, diz não ter acontecido “nada de grave”: “Para além de estarmos na nossa parvoíce, não fizemos nada mal”. Houve alunos de outra escola, contudo, que estavam instalados no mesmo hotel e que “atiraram uma televisão pela janela”, conta.

Apesar de todos os incidentes, Ricardo recorda terem sido sempre bem tratados pelos funcionários do hotel e de eles só ficarem chateados quando os estudantes começaram “a fazer asneiras”. As senhoras da limpeza, por exemplo, entravam todas as manhãs nos quartos para limpar, independentemente dos jovens estarem a dormir — “nós não nos importávamos, até ficávamos contentes”.

O mesmo não se pode dizer dos habitantes de Lloret. Os espanhóis olhavam para os estudantes portugueses “de lado, na rua”, e na lojas “andavam sempre atrás” para garantir que não roubavam nada. “Vi muita gente a roubar. Estavam sempre a tentar porque achavam piada”.

Olhando para trás, atualmente com 28 anos, Ricardo assume que gostou da viagem, mas não foi “a que mais gostou”. “Foi giro, as discotecas são enormes, dá para conhecer muita gente, mas não foi nada de especial. Houve outras viagens que fizemos em turma que foram mais giras”.

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